A impopularidade do ceticismo

Artigo
6 fev 2024
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Sísifo

 

O método científico, apesar de imperfeito, é o melhor caminho para compreender a natureza e fazer a separação entre fatos e empulhações. O respeito que a ciência comanda traz, portanto, prestígio tanto para as instituições quanto para os produtos que dela se aproximam: a menção à ciência agrega credibilidade. Mas se a ciência é reconhecida como a melhor ferramenta para se aproximar da verdade, então por que não é utilizada de maneira ampla e irrestrita?

Esta pergunta pode gerar estranhamento à primeira vista, mas como você reage às seguintes afirmações: "homeopatia é placebo", "horóscopo é besteira" e "vacinas salvam vidas"? Um incômodo relacionado a qualquer uma das assertivas (existem muitos outros exemplos) mostra que provavelmente o apreço ao método científico se dá somente quando ele concorda com a sua opinião. Do contrário, é possível sempre encontrar uma justificativa superficialmente plausível para a crença irracional.

A dificuldade de afastar-se de paixões pessoais e olhar as coisas de maneira crítica é certamente uma das dificuldades para o movimento cético se manter ao longo do tempo. Em artigo para a revista britânica The Skeptic, o comunicador de ciência Jonathan Jarry, do Office for Science and Society (OSS) da McGill University, no Canadá, faz um apanhado de iniciativas promissoras relacionadas ao ceticismo científico, mas que desapareceram prematuramente por falta de investimento – “o ceticismo não é lucrativo”, diz a primeira frase do texto.

Dentre as iniciativas que naufragaram, o autor menciona a Bad Science Watch, no Canadá, e a Sense About Science USA, nos Estados Unidos. Ambas as iniciativas, sem fins lucrativos, encerraram as atividades em 2020 por falta de financiamento, e tinham como objetivo o letramento científico e a promoção do pensamento cético na sociedade. No Brasil, várias boas iniciativas, ativas nos anos 1990 ou no início deste século, também desapareceram por falta de incentivos: Sociedade Brasileira de Céticos e Racionalistas, Sociedade da Terra Redonda e Ceticismo Aberto (que recentemente voltou ao ar) são apenas alguns exemplos.

Como Jarry aponta em seu artigo, a maior parte do trabalho relacionado ao ceticismo é feita de maneira voluntária: as pessoas se mobilizam nos intervalos da sua ocupação principal e a manutenção da instituição cética, quando existe algum aporte, é feita através de poucas doações que, normalmente, são insuficientes para manter um esforço sustentado. É raro, portanto, encontrar organizações como o OSS, com apoio financeiro para empregar profissionais.

Em contraste, a promoção da pseudociência apresenta-se lucrativa — principalmente em saúde, onde a defesa do tratamento alternativo e sua venda costumam andar de mãos dadas. Recentemente, participei de um congresso de saúde e terapia quântica que, a despeito da entrada que custava no mínimo R$ 1.300 e das bobagens anunciadas, lotou um teatro com mais de 1.000 pessoas. Na mesma toada, as indústrias de cosméticos e de nutrição também gostam de surfar na onda dos anúncios sem compromisso com a realidade. Sem dúvida, o marketing em cima de ilusões atrai muito mais o público.

O OSS é uma iniciativa interessante da McGill University que eleva para outro nível o combate às notícias falsas e pseudociência. Indo além do usual discurso anódino, onde a maioria dos acadêmicos coloca-se contrária à propagação da desinformação, mas tolera cursos que se apoderam indevidamente de termos bem definidos da física para divulgar esoterismos – enfermagem quântica ou reiki, por exemplo –, o OSS se coloca de fato como uma assessoria para separar o joio do trigo, sem os costumeiros melindres universitários. A manutenção financeira e institucional do OSS é garantida corajosamente pela McGill.

O OSS e, no Brasil, o Instituto Questão de Ciência (que mantém esta RQC) são exceções num universo de iniciativas que, infelizmente, encerram prematuramente as suas atividades. Como foi dito no início, o ceticismo não é lucrativo e, acrescento, é impopular: nem todas as pessoas estão dispostas a olhar de maneira crítica para os assuntos e, na maior parte das vezes, pseudociências de estimação são defendidas passionalmente, com ataques pessoais e outros exageros.

Não se defende aqui a superioridade da ciência sobre todos os assuntos – muitos deles não se encontram sequer sob o escrutínio do método científico –, mas vários embates atuais, com uma irracionalidade alimentada por uma rinha de sinalização de virtude, poderiam ser encerrados se os diversos grupos pensassem criticamente sobre os assuntos em disputa. Como escreveu o matemático e filósofo britânico Bertrand Russell (1872-1970): “As opiniões mantidas de forma passional são sempre aquelas para as quais não existem bons fundamentos; na verdade, a paixão é a medida da falta de convicção racional de seu defensor”.

Marcelo Yamashita é professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência

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