Gominha de vitamina salva o cabelo? Evidência diz que não

Artigo
6 fev 2024
ovelhas

 

Aproveitando o ambiente criativo propiciado pelo livro “Skeptic’s Guide to the Future: What Yesterday’s Science and Science-Fiction Tell Us About the World of Tomorrow”, de autoria de Steven Novella, fiquei imaginando como seria o encontro do Mauro atual com o Mauro de 2018 por meio de uma máquina do tempo.

Com toda a certeza, ele ficaria desapontado com algumas opiniões que tenho hoje. Contudo, acredito que o aspecto mais impactante seria descobrir que, em vez de conduzir consultas clínicas, estou falando sobre gominhas para cabelo em pleno ano de 2024.

Acho difícil alguém não conhecer a marca em si, dada a enorme quantidade de influencers contratados para fazer públis. Entretanto, caso você tenha passado incólume pelas propagandas, contextualizarei a situação.

Essas “gomas” são um suplemento de vitaminas que, segundo o site oficial, “auxilia a manutenção dos cabelos e da pele” e “contribui no funcionamento do sistema imune”. O leitor mais escolado logo nota que os verbos usados – “auxilia”, “contribui” – parecem cuidadosamente escolhidos para evitar qualquer compromisso firme com resultados objetivos: basta lembrar no número infinito de anedotas sobre o marido folgado que “auxilia” nas tarefas de casa, por exemplo.

A Gummy – anteriormente conhecida como Gummy Hair Vitamin – é uma marca de multivitamínico pertencente ao Nutrin Group (que se apresenta como firma de e-commerce, não farmacêutica) e que, de acordo com a própria empresa, foi impulsionada por uma estratégia inovadora de marketing digital e de influência. Em outras palavras, trata-se de uma publicidade agressiva que envolve a contratação de influenciadores famosos para dizer coisas como: “Me surpreendeu bastante, meu cabelo parou de cair e está crescendo muito rápido!”. Além disso, a marca tem o hábito de compartilhar imagens de antes e depois de consumidoras que experimentaram o produto e – supostamente – apresentaram um notável crescimento das madeixas após 30 dias.

Vamos analisar alguns estudos em particular mais adiante, mas por ora lembremos que, de acordo com o consenso científico atual, a menos que a pessoa esteja sofrendo com alguma deficiência vitamínica, apenas consumir mais vitaminas não faz nenhuma diferença para a saúde – da pele, dos cabelos ou do que quer que seja – e pode até, em certas circunstâncias, ser prejudicial. A ideia de que consumir vitaminas além do mínimo necessário para manter a saúde normal ajudaria, de algum modo, a ter uma “super” saúde foi descartada há décadas.

Em 24 de janeiro, o site de notícias Enfoco publicou a seguinte matéria: “Marca queridinha das celebridades é acusada de propaganda enganosa”. Alegação presente em publicidade da Gummy afirmava que o produto diminuiria a queda capilar em até 98% e aceleraria o crescimento dos fios em seis vezes.

Busquei o site do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Lá, o caso da Nutrin Group e Gummy ficou registrado sob a representação no 167/23 e foi julgado em novembro de 2023. A queixa de consumidor que deu causa à ação é resumida da seguinte forma: “afirmações de desempenho presentes no site do Nutrin Group divulgando produto para os cabelos denominado Gummy Hair (...) não são acompanhadas por qualquer comprovação, com potencial de enganosidade (sic)”.

A defesa da empresa de e-commerce argumentou que “os resultados estão lastreados em informações de mais de duzentas consumidoras presentes no perfil do produto em redes sociais”.

Curiosamente, não é a primeira vez que a Gummy – e o Nutrin Group – enfrentam autuações do CONAR. Na verdade, é possível encontrar representações desde 2020 que destacam o descumprimento dos mesmos artigos.

Em todas as representações, o CONAR solicitou a sustação das postagens, alguma alteração que as deixasse dentro das regras ou, ainda, exclusão.

 

Anvisa e FDA

Como vimos, o Gummy Hair é um multivitamínico em formato de goma que, diz o vendedor, “auxilia a manutenção dos cabelos e da pele” e “contribui no funcionamento do sistema imune”. Por incrível que pareça, ambas as alegações estão em acordo com as “Alegações autorizadas e requisitos para uso da alegação” disponibilizadas pelo Power BI da Anvisa – um assunto que pretendo abordar em um outro texto.

Para comparação, um produto semelhante, com propaganda semelhante, mas vendido no mercado norte-americano, traz a seguinte advertência em sua publicidade: “Estas alegações não foram aprovadas pela Food and Drug Administration. Este produto não se destina a diagnosticar, tratar, curar ou prevenir qualquer doença”. “Food and Drug Administration”, ou FDA, é o equivalente da Anvisa nos EUA.

Além das alegações, a marca promete resultados visíveis em até 28 dias ou seu dinheiro de volta.

 

O que as evidências apontam?

Embora haja quem fale bem do suplemento, será que a literatura científica corrobora tais alegações?

Para nos auxiliar nessa questão, Adelman, M.; Bedford, L. e Potts, G. (2020) realizaram uma revisão da literatura intitulada “Clinical efficacy of popular oral hair growth supplement ingredients” com o objetivo de avaliar a eficácia de suplementos e formulações orais populares para o crescimento capilar.

O artigo traz conclusões interessantíssimas a respeito de vários nutracêuticos, complexos marinhos, vitaminas e minerais. Entretanto, devido à composição nutricional do Gummy Hair, focaremos apenas nessas duas últimas categorias.

Conforme a revisão, observou-se que, apesar do aumento na popularidade dos suplementos orais para combater a queda de cabelo, não há evidências que recomendem o uso das vitaminas A, D, biotina, niacina e do mineral selênio, de forma isolada, para fortalecer a cabeleira. A vitamina C e o ferro apresentaram evidências fracas, mas somente para pacientes que sofriam de deficiência de ferro. Zinco e a vitamina E apresentaram evidências medianas para auxiliar nas condições de queda de cabelo. Destaca-se, no entanto, a necessidade de estudos melhores para investigar os mecanismos de ação, a segurança e a eficácia desses micronutrientes.

Contudo, alguém favorável à utilização dos suplementos nutricionais para essa finalidade poderia contra-argumentar citando a revisão sistemática “Evaluation of the Safety and Effectiveness of Nutritional Supplements for Treating Hair Loss: A Systematic Review”, publicada em 2023 e que gerou algumas controvérsias entre os dermatologistas. Nele, Drake, L. et al. avaliaram e compilaram os resultados de todas as intervenções nutricionais e dietéticas para o tratamento de perda de cabelo em indivíduos sem deficiência nutricional conhecida.

Os critérios de exclusão adotados pelos autores compreenderam estudos em animais; queda de cabelo decorrente de deficiência nutricional, medicamentos, exposição a toxinas ou doenças subjacentes; tratamentos acompanhados por intervenções comportamentais; e estudos publicados em outro idioma que não fosse o inglês. Após essa etapa, a revisão sistemática incluiu 30 artigos, sendo 17 ensaios clínicos randomizados e controlados, 11 estudos clínicos não randomizados e dois estudos de caso.

Nenhum estudo que utilizou uma dieta específica como intervenção atingiu os critérios de inclusão. Estudos de intervenção nutricional com evidências de alta qualidade apontaram benefícios potenciais para diversos produtos comerciais, como Viviscal, Nourkrin, Nutrafol, entre outros, e para algumas substâncias, como capsaicina e isoflavona, ômegas 3 e 6 com antioxidantes, zinco, óleo de semente de abóbora, etc. Kimchi – aquela acelga fermentada e picante –, vitamina D3 e Forti5 têm evidências de baixa qualidade. Os efeitos adversos foram raros e leves para todas as terapias avaliadas.

Quanto às limitações, os pesquisadores destacam que muitos estudos foram financiados pelas próprias empresas, o que pode introduzir vieses nos resultados. Além disso, salientam que a variabilidade nos critérios de inclusão, nas definições de queda de cabelo e nas avaliações de resultados limitou as comparações entre os estudos.

Os autores concluem que as descobertas desta revisão sistemática devem ser interpretadas no contexto da metodologia empregada em cada estudo. E afirmam que “esse trabalho sugere um papel potencial para suplementos nutricionais no tratamento da queda de cabelo”.

Se parássemos por aqui, teríamos a falsa sensação de que a Gummy merece, pelo menos, o benefício da dúvida. Entretanto, como afirmei anteriormente, essa revisão sistemática foi marcada por algumas controvérsias.

Em carta para o editor, Obijiofor, C. et al. apontam que a revisão sistemática não estabeleceu quais tipos de queda de cabelo poderiam ser mais efetivamente tratadas pelos suplementos. Além disso, afirmam que a maior parte das evidências apresentadas foi observada em pacientes sem alopecia cicatricial – estágio final que impossibilita o nascimento do folículo – e que seria importante explicar aos pacientes que suplementos alimentares não têm como reverter a destruição do folículo capilar.

Em outra carta para o editor, Naldi, L. et al. ressaltam que, apesar do estudo estar rotulado como “revisão sistemática”, os dados dos 30 ensaios examinados não foram apresentados de maneira sistemática e, tampouco, avaliados criticamente quanto à validade, aproximando-o muito mais de uma revisão narrativa. Além disso, destaca-se que ao utilizar a ferramenta AMSTAR 2 – um checklist de 16 itens que avalia a qualidade da revisão sistemática –, a qualidade geral da revisão sistemática foi classificada como “criticamente baixa”. Nenhuma informação foi fornecida para itens universalmente considerados importantes na avaliação do valor de um estudo clínico e na identificação de vieses, tais como critérios de entrada, mensurações dos desfechos, magnitude da resposta clínica em comparação ao placebo ou comparador, entre outros.

E as críticas não param aí. O professor de dermatologia da Universidade de Melbourne  Rodney Sinclair explicou em entrevista para o blog “The Medical Republic” que a maior parte das evidências utilizadas pela revisão sistemática contemplava dados de baixa qualidade. Ademais, Sinclair salienta que durante muitos anos, o Conselho Consultivo da Ciência e da Indústria (CSIRO) – órgão nacional de pesquisa científica na Austrália – produziu uma vasta literatura sobre suplementação nutricional para aumentar o crescimento de lã. Entretanto, há uma falta de evidências de qualidade de que os suplementos nutricionais farão o cabelo crescer em humanos, impedirão a queda ou prevenirão a calvície.

Diferentemente das pesquisas em cabelos humanos, a metodologia empregada para investigar a suplementação nutricional em ovelhas é relativamente direta. Separam-se dois grupos de ovelhas: um recebe o suplemento e outro, não. Após 12 meses, todas as ovelhas são tosquiadas, e os fios de lã são pesados e comparados. Dessa maneira, o papel da intervenção pode ser estabelecido. Obviamente, os resultados encontrados em ovelhas não podem ser extrapolados para humanos e, possivelmente, um estudo com essa qualidade nunca será realizado em humanos, devido ao custo milionário que envolveria.

Veredito: não gaste o seu suado dinheiro em micronutrientes que você encontra em uma vasta gama de alimentos. O marketing é agressivo, baseia-se nas suas fragilidades e aflições, mas quem clica no botão de “comprar” continua sendo você.

 

Mauro Proença é nutricionista

 

 

REFERÊNCIAS

PEÇANHA, P. Marca queridinha das celebridades é acusada de propaganda enganosa. 2024. Disponível em: https://enfoco.com.br/colunas/paulo-pecanha-mais-leve/marca-queridinha-das-celebridades-e-acusada-de-propaganda-enganosa-104221?d=1.

CONAR. Representação no: 167/23. 2023. Disponível em: http://www.conar.org.br/processos/detcaso.php?id=6422.

ADELMAN, M.; BEDFORD, L. e POTTS, G. Clinical efficacy of popular oral hair growth supplement ingredients. Int J Dermatol. 2021 Oct;60(10):1199-1210.  Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33296077/.

DRAKE, L. et al. Evaluation of the Safety and Effectiveness of Nutritional Supplements for Treating Hair Loss A Systematic Review. JAMA Dermatol. 2023;159(1):79-86. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jamadermatology/article-abstract/2798840?resultclick=1.

OBIJIOFOR, C.; AKOH, C. e SICCO, K. Nutritional Supplements and Hair Loss – Limitations to the Interpretation of Clinical Studies Before Implementation of Clinical Studies Before Implementation in Clinical Practice. JAMA Dermatol. 2023;159(8):891-892. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jamadermatology/article-abstract/2806310?resultClick=1.

NALDI, L.; DOVAL, I. e WILLIAMS, H. Nutritional Supplements and Hair Loss – Limitations to the Interpretation of Clinical Studies Before Implementation in Clinical Practice. JAMA Dermatol. 2023;159(8):892-893. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jamadermatology/article-abstract/2806309?resultClick=1.

DOURADO A. AMSTAR: avaliação de qualidade metodológica de revisões sistemáticas. Estudantes para Melhores Evidências (EME) Cochrane. Disponível em: https://eme.cochrane.org/ferramenta-amstar-2/.

TRACY, L. Experts Divided on Supplements for Hair Loss. 2023. Disponível em: https://www.medicalrepublic.com.au/experts-divided-on-nutritional-supplements-for-hair-loss/16472.

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