No dia 9 de novembro de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu a resolução RE Nº 4.206, que proíbe a comercialização, distribuição, fabricação, importação e propaganda do mineral zeólita clinoptilolita. A decisão da agência chama atenção para o fato de que o produto vinha sendo promovido em publicidade que “apregoa propriedades terapêuticas não permitidas a nenhum tipo de alimento, como atuar como desintoxicante, hipoglicêmico, hipocolesterolêmico e fortalecedor do sistema imune”.
Pela legislação brasileira, um produto que alegue trazer esse tipo de benefício para a saúde só pode ser comercializado depois de provar para a Anvisa, por meio de testes científicos adequados, que é capaz de cumprir o que promete. O que os vendedores de zeólita clinoptilolita não fizeram.
Como era de se esperar, houve uma grande reação dos usuários desse mineral nas redes sociais, argumentando que a decisão da Anvisa era injusta, infundada e, claro, “vendida” (por algum motivo, seguidores da medicina alternativa acreditam que a Anvisa tem conluio com a indústria farmacêutica, “que só pensa em lucros” – como se os vendedores de suplementos ditos “naturais” trabalhassem de graça).
Vamos descrever uma postagem exemplar, em forma de vídeo, entre as varias feitas em defesa do produto.
O vídeo em questão dura 23 minutos e 55 segundos e, logo nos 60 segundos iniciais, podemos notar o tom messiânico: "Boa noite a todos vocês, vocês que são filhos do sistema, acordem o quanto antes. Acho mó barato como a sociedade quer reger a sua relação com a natureza".
O narrador segue acusando “o sistema” de tolher suas escolhas e rebate que é livre para tomar suas próprias decisões (claro que ele também é anti-vacina), faz menção a uma “expansão de consciência para atingir a bio consciência” (seja lá o que isso signifique), cita outros meios para suposta “detoxificação” do organismo (jejum, dieta crudívora e comidas verdes), critica a Anvisa por liberar o glutamato monossódico, os aditivos alimentares, o açúcar e os edulcorantes (adoçantes) que, por algum motivo, o nosso detentor da verdade os coloca na categoria de opioides (moléculas de forte efeito analgésico e grande potencial viciante, cujo consumo exagerado vem causando uma crise de saúde pública nos Estados Unidos).
Os comentários ao vídeo mostram que seus seguidores compartilham da mesma visão: acreditam que a Anvisa proíbe tudo o que funciona e que, independentemente da decisão, vão continuar usando o produto.
Eis que entra a questão, se o produto funciona, apresenta uma base sólida de adeptos e é natural, por que a Anvisa decidiu proibir? Além da ausência de testes comprovando que a propaganda do produto não é exagerada ou enganosa, o informe técnico da agência alerta ainda que “a zeólita clinoptilotita é um mineral à base de aluminosilicatos sem histórico de consumo na área de alimentos, não avaliado quanto à segurança de uso e eficácia para suplementos alimentares”.
Isso traz um novo questionamento. Os usuários dizem que funciona e é seguro. A Anvisa, por outro lado, diz que nada disso foi provado. Quem está correto?
Antes de responder, acredito que seja mais interessante explicarmos o que é a zeólita clinoptilolita, o porquê de ser utilizada pelos adeptos e se há, de fato, algo na literatura científica que corrobore sua utilização terapêutica.
Como dito anteriormente, trata-se de um mineral à base de aluminosilicatos (AlO4 SiO4), ou seja, sua composição apresenta alumínio, silício e oxigênio. Apresenta uma estrutura microporosa com propriedades adsortivas (retém moléculas, átomos ou íons na superfície) e absortivas (absorve móleculas, átomos ou íons em seu volume). Especula-se que sua capacidade de reter íons e moléculas polares – isto é, que apresentam uma distribuição desigual de cargas elétricas em sua geometria – possa ter efeitos antioxidantes ou anti-inflamatórios (MEMO, M. et al. 2019), com um teste em pequena escala já tendo sido conduzido em vacas (KATSOULOS et al., 2015)
Tudo isso ainda é muito especulativo, no entanto, e é importante notar que o consumo de antioxidantes em excesso, para além das quantidades já presentes numa dieta saudável, pode trazer riscos para a saúde (NCCIH, 2013).
Em seres humanos, um estudo randomizado duplo cego com grupo placebo, conduzido por LAMPRECHT, M. (2015), avaliou a eficácia da utilização das cápsulas PANACEO Sport (apresenta zeólita em sua composição) com relação aos biomarcadores de saúde da parede intestinal, detectados nas fezes. Os resultados mostraram que o grupo tratado com zeólita, após 12 semanas, teve uma diminuição da zonulina (uma proteína cuja presença em excesso nas fezes é associada a diversos problemas de saúde, incluindo inflamação) e um aumento na IL-10 (citocina com propriedades anti-inflamatória e imunossupressora) nas amostras fecais. O que pode, à primeira vista, parecer promissor. Mas essa não é toda a história. E aí está a armadilha.
Muitos influenciadores utilizam a artimanha de citar apenas dados parciais de estudos para fazer com que os produtos que estão promovendo pareçam melhores ou mais seguros do que realmente são.
Aqui, a parte que ficou faltando: o estudo foi realizado em uma população com características especiais (atletas treinados), envolveu um número muito pequeno de voluntários (apenas 52 indivíduos), não trouxe mudanças significativas na maioria dos marcadores, o efeito nas citocinas foi apenas “indicativo”, não “significativo” – isto é, não atingiu o limite estatístico mínimo para ser levado a sério –, não foi realizado um recordatório alimentar ao final do estudo para saber como estava o consumo de micronutrientes que poderiam ter influenciado os resultados e por último, mas não menos importante, o estudo informa que há conflitos de interesse (um dos autores é diretor de pesquisa de Panaceo International Active Mineral Production GmbH, empresa responsável pelas cápsulas que apresentam zeólita).
Conflito de interesse não implica que o estudo é necessariamente ruim, mas alerta que pode haver uma tendência de buscar resultados positivos onde não existem, alerta que parece confirmado pela decisão dos autores de chamar atenção para um dado não-significativo.
Esses “pequenos” detalhes também aparecem em outros estudos em humanos, caso do estudo de SNYMAN, J.; GANDY, J. e LAURENS, I. (2015). Neste, os autores investigaram a utilização da substância Absorbatox (uma zeólita potencializada) com relação aos sinais e sintomas associados à veisalgia (mais conhecida por ressaca). Ao final do trabalho, os pesquisadores concluíram que o Absorbatox não afetou os níveis de álcool no sangue e nem no hálito. Mas diminuiu, significativamente, os sinais e sintomas, caso da sensibilidade à luminosidade, dores de cabeça e náuseas. O que este “resumo amigo” deixou de fora: a quantidade de indivíduos que fez parte da pesquisa é baixíssima (25 voluntários) e um dos pesquisadores é acionista minoritário da empresa Absorbatox Pty Ltd.
Nesse momento, um simpatizante do ex-suplemento pode questionar que as finalidades tratadas nesses estudos estão incorretas, visto que a maioria dos admiradores desse mineral utilizam-no em busca de um efeito “detox” (eliminação de toxinas e metais pesados do organismo) e antioxidante (combate aos radicais livres).
Estudos com resultados positivos que testaram essas hipóteses, contudo, foram todos conduzidos em modelos animais, e têm vários dos problemas que vimos nos estudos em humanos (um trabalho envolveu apenas dez camundongos e foi financiado em parte pela empresa Panaceo, o mesmo fabricante de suplementos que já encontramos antes). Em outras palavras, a menos que você seja um roedor transgênico ou uma vaca, não há estudos – com qualquer grau de qualidade – sugerindo que o suplemento terá o efeito esperado.
Para completar, a própria ideia de “detoxicação” é cientificamente suspeita. A menos que você tenha sido envenenado por algum desafeto ou sofra de alguma doença grave do fígado ou dos rins, seu corpo é perfeitamente capaz de se livrar de moléculas indesejadas sem precisar de ajuda.
Concluindo, a zeólita pode até vir a ser uma revolução na área da saúde. Se for, é provável que venhamos a descobrir em breve: há inúmeros estudos em andamento para as mais diversas patologias. Contudo, até os resultados saírem, o suplemento deve ficar na categoria de quimera, junto à fosfoetanolamina e tantas outras terapias não comprovadas.
Mauro Proença é nutricionista