O governo britânico assinou nesta terça-feira, 20, o primeiro contrato para estudos de desafio humano ("human challenge") para vacinas contra o novo coronavírus. Nesse tipo de estudo, voluntários saudáveis recebem vacina ou placebo e, posteriormente, são infectados com o SARS-CoV-2 deliberadamente, em ambiente hospitalar. Esses estudos devem durar de 2 a 4 meses e, basicamente, vão fornecer dados para a dose ideal da vacina. Os voluntários, na faixa entre 18 e 30 anos, vão ser submetidos a uma bateria de testes para confirmar se têm saúde perfeita e serão confinados no Royal Free Hospital, de Londres, em área de biossegurança de nível 3.
A empresa responsável pelos estudos é a nVivo, subsidiária da Open Orphan, com sede em Dublin, especializada nesse tipo de teste e que mantém parceria com o Imperial College. A nVivo vai receber o equivalente a US$ 13 milhões para realizar a pesquisa e remunerar os voluntários. Normalmente, a empresa paga o equivalente a US$ 5.170 aos participantes de estudos. A UK Medicines e a Healthcare Regulatory Agency (MHRA), que regula testes clínicos no Reino Unido, e uma comissão de ética ainda precisam dar o OK para o projeto inicial e estudos futuros.
Segundo a CNN Internacional, tudo indica que a primeira vacina na fila dos estudos é a Sinovac, que já foi aplicada em 60 mil voluntários na China, Grã-Bretanha, e no Brasil, sob coordenação do Instituto Butantan, que deve produzi-la, quando for aprovada pela Agência Nacional de vigilância Sanitária (Anvisa).
De acordo com a Nature, tudo indica que os voluntários vão receber pequenas cargas virais e, se nenhum for infectado, essas quantidades de vírus vão aumentar progressivamente, até que a maioria seja infectada. Essa dose é que vai ser aplicada nos voluntários que testarem as vacinas, para determinar sua eficácia e a dose de imunizante a ser aplicada. Segundo Andrew Catchpole, virologista e diretor científico da nVivo, a empresa já conduziu vários estudos de desafio humano com vacinas contra vírus respiratórios. “Esses testes só são possíveis por dois motivos, a seleção de pessoas jovens, saudáveis e sem fatores de risco e o fato de que aprendemos a lidar melhor com a COVID-19, temos tratamentos melhores”, explicou em entrevistas. O pesquisador disse que alguns voluntários podem receber placebo, e que o desenho da pesquisa permite que o desempenho de diferentes vacinas seja comparado.
Não é de hoje que grupos de voluntários reivindicam a realização estudos de desafio humano para as futuras vacinas contra a COVID-19. O mais conhecido desses grupos de advocacy é o 1Day Sooner, que reúne 30 mil pessoas de 140 países. Há poucos meses, eles enviaram uma carta aberta a Francis Collins, diretor dos National Institutes of Health (NIH), assinada também por 15 ganhadores do Nobel e 100 outros pesquisadores, incluindo especialistas em ética, defendendo a realização de estudos de desafio humano, afirmando que eles podem fornecer informações muito mais depressa do que os testes convencionais. Os britânicos não são os únicos interessados em estudos de desafio humano: tanto a Bélgica quanto os Estados Unidos também estão interessados nesse tipo de pesquisa.
Ruth Helena Bellinghini é jornalista, especializada em ciências e saúde e editora-assistente da Revista Questão de Ciência. Foi bolsista do Marine Biological Lab (Mass., EUA) na área de Embriologia e Knight Fellow (2002-2003) do Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde seguiu programas nas áreas de Genética, Bioquímica e Câncer, entre outros