Quando olhamos as ciências exatas hoje, onde a teoria e a realidade concordam de forma mais completa, vemos uma característica bem clara. Essa característica é o uso de matemática e demonstrações. Isso acontece tanto na formulação das teorias quanto no cálculo do que esperamos observar. Nessas áreas, esse uso é extremamente eficiente. Somado às limitações da cognição humana, o exemplo das exatas tem feito com que técnicas matemáticas e computacionais sejam cada vez mais usadas em todas as áreas do conhecimento. Modelagem matemática já é uma ferramenta comumente utilizada nas ciências biológicas e, até mesmo, nas ciências humanas.
Há a necessidade de se desenvolver novas técnicas para isso, claro. As teorias precisam ser adaptadas às características e problemas de cada área. Mas esse aumento no uso de ferramentas matemáticas, incluindo modelos computacionais, tem ajudado bastante na nossa compreensão do mundo e como ele funciona.
Em matemática, assim como em lógica dedutiva, falamos sempre em provas. E, nesses dois casos, a palavra “prova” tem um significado bastante preciso. Aqui, uma prova é um raciocínio sobre o qual não resta nenhuma dúvida. A menos que toda a humanidade seja louca (e nesse caso, não há nada que possamos fazer), quando temos uma prova, a prova, em si, é algo que qualquer pessoa que a compreenda verá como um argumento basicamente perfeito. A partir desse fato, alguém poderia concluir que a conclusão de um argumento lógico ou uma conta matemática seria algo além de qualquer dúvida. Não é isso o que acontece. Um argumento pode ser completamente sólido e sua conclusão, ainda assim, estar errada.
Quando temos uma demonstração, o que essa demonstração diz é que, se aceitarmos algumas ideias iniciais, não restarão dúvidas de que a conclusão deve ser aceita. Mas não há nada ali que nos force aceitar as ideias iniciais. Na prática, deduções, matemáticas ou lógicas, quase nunca dizem algo diretamente sobre o mundo real. Existem exceções, como coisas que são verdade por definição, quando definimos o significado de uma palavra e usamos essa definição. Ou, em alguns casos, é possível mostrar que certas ideias levam a contradições. Isso acontece porque uma ideia é absurda por si só, ou porque, junto com outras, formam um conjunto incompatível. Portanto, não podem ser todas verdadeiras. Mas, mesmo nesse caso, não estamos dizendo como o mundo é. Apenas como ele não é.
Isso sugere a questão de como podemos realmente dizer algo sobre o mundo em que vivemos. A ciência o faz e, em vários casos, faz bastante bem. Mas se não podemos provar, como isso é feito? O que realmente acontece é que um cientista propõe uma teoria. Essa teoria faz previsões sobre o mundo e nós verificamos se essas previsões se concretizam. Quando as previsões concordam com o que observamos, é uma evidência de que nossa teoria descreve o mundo bem. Mas poderia haver outras teorias que também acertariam. Em alguns casos, conhecemos outras teorias assim. Mesmo que não, em princípio, sempre é possível que exista alguma teoria boa que ainda não criamos. Ou seja, quando os dados concordam com a teoria, isso fornece algum apoio a ela. Mas isso não prova que ela esteja certa.
Já quando os dados discordam da teoria, uma primeira análise ingênua do problema sugeriria que a teoria está errada. Mas, de verdade, o que podemos dizer nesse caso é que alguma coisa está errada. Pode ser a teoria, pode ter havido um erro na obtenção dos dados, alguém pode ter errado ao fazer as contas do que prevê a teoria e assim por diante. Os cientistas passam, então, a checar todas essas hipóteses até que, de acordo com uma versão bastante popular, eles eliminariam todas as demais possibilidades. Nesse caso, eles seriam capazes de provar que a teoria estaria errada. Certo? Não.
Esse trabalho de eliminar possibilidades faz com que seja muito plausível que a teoria esteja errada. Mas teorias podem sofrer pequenas alterações, com fatos extras, que chamamos de hipóteses auxiliares, que alterem suas previsões. Teorias que já descartamos poderiam ser ressuscitadas dessa forma. É muito improvável, à vezes tão improvável que pode ser mais fácil ganhar na loteria várias vezes em seguida. Mas mesmo uma chance tão pequena faz com que uma conclusão não seja uma prova.
Para a grande maioria de nós, cientistas inclusos, há casos em que essa distinção é, sim, apenas uma tecnicalidade. Ainda que não tenhamos ferramentas para falar do mundo real com certeza, nós temos, sim, ferramentas para calcular probabilidades associadas a ideias e a teorias. Esses métodos são incompletos e necessitam de muita pesquisa adicional. O caso ideal, como conhecemos, é impossível de ser feito. Ainda assim, podemos utilizar aproximações para ter uma ideia de quão plausível uma ideia é. Se a teoria continua sempre concordando com os dados, ela vai ficando mais plausível.
Se discorda, se torna menos plausível e, em algum ponto, podemos dizer que a teoria deve estar errada. É um abuso de linguagem mas, em alguns casos, em especial nas ciências exatas, as chances estão do lado de quem não se preocupa com a incerteza que resta. As teorias físicas, por exemplo, são tão bem estabelecidas em inúmeros problemas específicos que confiamos as nossas vidas ao conhecimento que elas geram. Fazemos isso tranquilamente, por exemplo, quando viajamos de avião ou tiramos mais um raio-X, ou mesmo quando ligamos qualquer tecnologia sem temer que ela poderia se comportar de uma forma não prevista.
Ainda assim, mesmo nas teorias físicas, temos incertezas. Essas incertezas se tornam maiores em problemas mais difíceis, como os da biologia. Em algumas áreas, podem ser a regra básica, como quando vamos a questões realmente difíceis de modelar e onde é complicado obter dados confiáveis, como é frequente em ciências sociais. A incerteza pode ser mais clara no último caso, mas está sempre lá.
As teorias físicas têm previsões mais claras e os laboratórios fornecem medidas mais precisas. Por isso, a incerteza pode ser incrivelmente diferente. Mas, sendo estritamente correto, toda teoria e ideia deveria ser considerada incerta. O melhor que poderíamos fazer é estimar suas probabilidades. E, mesmo só isso, é bem difícil. Ao lidar com probabilidades e plausibilidades, alguma incerteza sempre sobrevive. Pode acontecer de as chances de uma teoria descartada ser verdade ser tão pequena quanto uma chance em um trilhão. Ou até menor. E pode acontecer também de cientistas afirmarem terem certeza sobre suas teorias favoritas, quando não estamos nem perto de disso e uma quase pura incerteza ser a resposta mais correta.
André Martins é cientista e professor na EACH - USP