Não culpe o metabolismo pelos quilos a mais!

Artigo
19 dez 2018
Parte do metabolismo dos carboidratos
 E. Gasteiger et al., Nucleic Acids Res. 31, 3784–88 (2003).

Está chegando o fim do ano, época cheia de ver a família, festas e muita comilança. Com essa comilança toda vem um efeito colateral, nada agradável para a maioria de nós: o ganho de peso. De fato, há estimativas que as pessoas ganhem em média dois quilos com as festas de fim de ano, em países desenvolvidos.

Prevejo que muitas dessas pessoas vão culpar esse ganho de peso no mais inocentes dos processos biológicos, o metabolismo. “Meu metabolismo é muito lento” dirá a Tia Maria, pra explicar a expansão contínua da sua cintura. E todo mundo vai lamentar o “metabolismo ruim” da Tia Maria... Mas será que existe mesmo “metabolismo lento” e que o metabolismo é o grande vilão na luta contra a balança?

A maioria das pessoas que culpam o metabolismo por suas dificuldades com ganho de peso não parou para pensar sobre o que é metabolismo, e por que o relacionamos com a facilidade ou dificuldade em engordar. Metabolismo consiste no conjunto de reações químicas que ocorrem dentro de um organismo vivo, transformando moléculas em outras moléculas. Existem milhares dessas reações químicas, acontecendo dentro de cada uma das nossas células, numa fascinante sequência de modificações moleculares.

A imagem ali em cima esquematiza apenas algumas das reações envolvidas no metabolismo de carboidratos. Esses processos estão acontecendo o tempo todo dentro de nós, e permitem não só transformar as moléculas de comida nas moléculas do corpo humano, mas também transformar moléculas do corpo em tipos diferentes, de acordo com as necessidades do momento. É o metabolismo que põe mais músculo nos seus braços e pernas, quando você estimula a produção muscular pelo exercício. É o metabolismo, também, que transforma a gordura armazenada nas nossas cinturas em CO2 (gás carbônico), que eliminamos na nossa respiração quando perdemos peso.

Portanto, o metabolismo nos faz tanto ganhar peso quando comemos mais do que gastamos (como acontece com frequência no fim do ano), como também perder peso, quando gastamos mais energia do que está contida na nossa comida (como muitos prometerão fazer na virada do ano).

Metabolismo é, de fato, tão importante que é o que define se um organismo está vivo ou não. A diferença entre um ser humano vivo e uma múmia (nada viva), é que a múmia tem formato humano e contém moléculas que eram de um humano vivo, mas parou de transformar essas moléculas: não as metaboliza mais. A diferença entre a vida e a morte é exatamente a presença de metabolismo.

E é o metabolismo que une a todos os seres vivos numa troca maravilhosa de átomos e moléculas, que ocorre constantemente, em todo o planeta. Por exemplo: um ser humano médio consumiu, em 2018, entre 500 e 900 quilos de comida. Por mais que exagere no fim de ano, ninguém ganha 500 a 900 quilos de peso em um ano. Na verdade, se alguém ganha peso, é uma porcentagem bem pequena daquilo que ingeriu.

Isso significa que os átomos que colocamos para dentro de nossas bocas não se incorporam permanentemente aos nossos corpos. Esses átomos estão apenas de passagem, exercendo funções temporárias, e depois saindo de nós como parte de moléculas diferentes.

Mas existem pessoas que parecem ganhar peso com maior ou menor dificuldade? Sim, é verdade que a tendência a engordar – ou não – varia entre pessoas, e há muitos cientistas tentando entender o por quê disso, para poder cuidar melhor tanto do problema de obesidade quanto do problema de baixo peso, ambas questões sérias de saúde.

Mas é preciso entender que essa tendência de ganhar ou perder peso é apenas um ajuste fino do metabolismo como um todo, considerando que a variação da massa corporal corresponde a menos de 1% da massa de comida ingerida. A maior parte do que seu metabolismo faz é a transformação vital de moléculas, que define que você está vivo. Celebre seu metabolismo, em vez de culpá-lo pelos quilos a mais do final de ano!

Por causa do metabolismo, estamos sempre trocando átomos e moléculas com o ambiente. O sol fornece energia para que o metabolismo das plantas capte CO2 do ar e nitrogênio do solo (colocado ali por bactérias que retiram nitrogênio do ar), produzindo carboidratos, proteínas e gorduras que fazem parte das plantas, além de oxigênio, que as plantas eliminam para o ar.

Nós e outros animais comemos esses carboidratos, proteínas e gorduras, usamos parte em nosso corpo, e degradamos parte deles, usando o oxigênio que respiramos no processo. O resultado é que eliminamos CO2 (no ar que expiramos) e nitrogênio (principalmente na urina), que as plantas novamente usam para crescer. O metabolismo une todos os seres vivos na Terra, numa constante troca de átomos.

Por causa dessa troca, calcula-se que todos temos, dentro de nós, átomos que um dia fizeram parte do corpo de qualquer outro ser vivo histórico - é preciso apenas dar alguns séculos de distância para garantir que os átomos possam ter transitado suficientemente.

Aproveite, então, as festas de final de ano para celebrar o fato de que em seu corpo passaram átomos que um dia foram de bactérias primitivas que assistiram aos primórdios da vida na Terra. Celebre que você abriga átomos de dinossauros, da primata Lucy (nossa parente distante, que hoje conhecemos pelos seus ossos fossilizados), de Muhammad, Moisés, Jesus, Pitágoras, Cleópatra e Da Vinci. Aproveite as festas de final de ano para celebrar que você tem metabolismo, justamente para poder celebrar as festas de fim de ano!

Alicia Kowaltowski é professora de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo

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