Apanhando pela divulgação científica

Artigo
22 nov 2018
Autor
Pirula apresenta seu espetáculo

Confesso que tenho muitas dúvidas sobre a forma correta de se divulgar ciência. Se devemos ser mais incisivos, dando um "chacoalhão" no público, ou se o ideal é sermos sutis, comendo pelas beiradas. Eu nunca soube comer pelas beiradas de forma eficiente, como o Átila Iamarino, do Nerdologia, fez, e faz, brilhantemente.

Ao mesmo tempo, sempre achei que abordagens "pé na porta" geravam mais efeito backfire (onde quando as pessoas que sustentam uma ideia que tentamos combater se agarram ainda mais a ela com ainda mais força, por teimosia, após serem questionadas), e também um comportamento de "torcida organizada" naqueles que já concordam conosco. Ou seja, fanatizam o time dos "convertidos" e afastam ainda mais o público que mais precisa receber a tal da divulgação científica.

Pra piorar, nem tudo que é lindo no projeto se mostra efetivo na prática. Não temos como saber se um exemplo ou analogia maravilhosos, pensados na hora de propor uma explicação, serão bem entendidos pelo público. Tampouco podemos prever, nesse mar de aleatoriedades que é a internet, quando um comentário despretensioso ou um vídeo menos planejado vai cair em alguma bolha de compartilhamentos e alcançar mais público do que o esperado. Essa variável "sorte", se assim podemos dizer, é o famoso "lugar certo na hora certa" ou, no meu caso, "lugar errado na hora errada".

Meu canal no Youtube cresceu de forma orgânica, junto com uma série de outros canais sobre ceticismo que pipocaram na internet BR no começo da década. De todos, eu costumava ser visto como um dos mais moderados na abordagem. Essa maneira mais branda de fazer críticas, que a meu ver sempre foi a forma mais adequada de abordar os assuntos, trazendo referências e dados para os debates, foi exatamente o que me fez despontar e angariar mais público, lá por 2013-2014. Infelizmente, com a descontinuidade dos demais canais de ceticismo na internet, acabei ficando isolado na colina. E aí o meu discurso, que era brando comparado com os demais, se tornou o mais estridente aos ouvidos de quem discordava.

Obviamente, não tenho sangue de barata. Há coisas me fervem o sangue, e já perdi as estribeiras com algumas coisasalgumas vezes. Curiosamente, essas não foram as situações em que mais tive dor de cabeça. Parece que há alguns valores muito fortes para as pessoas, e esses valores não podem ser questionados, mesmo que de forma amigável. Um deles - pasme - é que exista mudança climática causada (ou agravada) pela ação humana.

Não faço ideia do motivo de tamanha resistência psicológica das pessoas comuns em aceitar isso. Talvez esse tenha sido o embate mais longo e severo no qual tenha me metido na minha carreira de divulgador científico de internet. E sabe o que é mais louco? Eu não tinha nenhuma opinião formada sobre o assunto, quando comecei a pesquisar. Não fazia ideia que a ciência já nem debatia mais o assunto, tão cristalizado que era o tema.

Porém, mesmo os questionamentos pontuais que levantei sobre a entrevista dada ao Jô Soares pelo professor Ricardo Felício, em 2012, e que nem sequer resvalavam no questionamento de suas posições sobre a mudança climática, já foram suficientes para que meu vídeo fosse incrivelmente negativado e criticado.

Isso me fez ir atrás de mais informações, conversar com pesquisadores na área, e chegar à conclusão de que os questionamentos sérios, feitos pelos negadores da mudança climática, não eram sustentados por evidências, e nem pelos dados disponíveis. Mesmo com tudo isso em mãos, e depois de uma exaustiva explicação dos especialistas feita em vídeo, anos depois a polêmica volta, com os mesmos argumentos.

Mas, ao contrário de serem apenas questionamentos bradados contra o vento junto com a ideias conspiracionistas que só existiam no exterior, agora o discurso negacionista vinha blindado por toda uma ideologia neo conservadora – ou "trumpista" como se habituou dizer – que o negacionismo climático ajudava a estruturar. Uma vez que as pessoas estavam predispostas a aceitar melhor os argumentos que já se alinhavam com seu modo de pensar, não preciso dizer que a mentira ganhou e fui massacrado na internet, com o peso de milhares de pessoas que não faziam a menor ideia do que estava sendo discutido, criando um debate em que a veemência do argumentador era mais importante do que a solidez do argumento.

Contudo, esse massacre teve seus pontos positivos. Enquanto me tornei o "wicker man" – o boneco de vime alvo de flechas incendiárias –, os demais divulgadores científicos passaram despercebidos pelo ódio, e aproveitaram a chance para explicar as mudanças climáticas sem esse FlaxFlu ideológico que se instaurou na nossa sociedade recente.

Enquanto eu queimava, parte do público realmente se interessou em ver os dados, e somado com os textos e vídeos dos demais colegas divulgadores, esse pessoal acabou aceitando que a mudança climática era um fato, e a atividade humana, o principal fator. E tudo isso, sem precisarem ir com a minha cara. Talvez seja uma vitória muito pequena frente ao estrago causado pelos negadores, mas ainda assim dá um laivo de esperança.

Porém, nem só de briga comprada vive o divulgador científico. Ele pode muitas vezes ser jogado de para-quedas em alguma polêmica pseudocientífica, ou mesmo anticientífica, sem aviso. Isso foi precisamente o que me acometeu recentemente, quando numa manhã ensolarada resolvo fazer uma pequena sequência de tuítes comparando a astrologia com o terraplanismo devido a algumas semelhanças que me haviam ocorrido ao longo da noite. Era basicamente um comentário com um toque de humor, destinado ao meu público contumaz, que usualmente já pensa dessa forma. Saí para fazer uma série de coisas, e mais pelo final da tarde, ao olhar meu Twitter, percebi que a internet havia desabado, e lá estava eu tomando flechas incendiárias. De novo.

 Eu mereci boa parte das flechas. Algumas comparações realmente foram de mau gosto, e foi ingênuo da minha parte achar que só porque eu não uso o Twitter como rede principal de divulgação científica, ele seria menos relevante, ou as pessoas pegariam mais leve por isso.

A duras penas, aprendi que mesmo esse tipo de comentário não é permitido a pessoas públicas, especialmente a divulgadores científicos ou professores que usam a internet para ensinar. Espera-se que todas as suas afirmações de profissionais assim sejam pesquisadas e embasadas, e uma digressão mais humana nas redes sociais pode ser fatal.

Contudo, o teor da maioria das críticas que recebi me lembrou muito o debate sobre aquecimento global. Novamente, percebi que há valores que para algumas pessoas não podem ser questionados. Astrologia, para muitas pessoas, é um deles.

No final das contas, não há fórmula mágica. Vejo divulgadores que se saem muito bem sem ter dor de cabeça. Comem pelas beiradas, fazendo um discurso tão indireto que as críticas ficam imperceptíveis, ou simplesmente não atingem o público mais reativo. Mas fica o questionamento: será que o discurso indireto suscita os debates necessários? As pessoas percebem quando estão recebendo ciência de forma indireta? Ou o conteúdo, de tão sutil, entra por um ouvido e sai pelo outro?

Nesse sentido, talvez o debate suscitado por alguma abordagem mais pragmática não poderia ser positivo e frutífero? Não sei responder. E, no meu caso, também é tarde para mudar.

 

Paulo Miranda Nascimento, o Pirula, é paleontólogo e mantém o Canal do Pirula no Youtube.

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