Quase um mês após o anúncio de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, sobre as mudanças na política de moderação da empresa para as redes sociais Facebook, Instagram e Threads, a sensação de fim do mundo ainda persiste na mídia. Embora o tom alarmista seja compreensível em contextos de ativismo, ele não deveria ter lugar no jornalismo. Tratar o tema com a devida sobriedade, em vez de especular todas as possibilidades de abuso concebíveis, demonstraria uma postura mais equilibrada e profissional.
Não é segredo que empresários e empresas buscam primordialmente o lucro dos seus negócios. Alinhar-se, portanto, às diretrizes de Donald Trump, ajustando as políticas internas de moderação das mídias, pode ser uma das estratégias para aproximar-se do governo recém-eleito e conseguir vantagens. Apesar de a atitude poder ser criticada e classificada como oportunista, ela não deveria surpreender ninguém. É sabido, inclusive, que alguns empresários doam para partidos rivais numa mesma eleição.
Uma das medidas anunciadas na comunicação de Zuckerberg refere-se ao fim do programa de checagem de fatos. Não há dúvida de que a desinformação deve ser combatida frontalmente – coisa que esta revista tem feito diuturnamente desde o seu lançamento. No entanto, a reação exagerada que se deu por aí não somente mostra um descontentamento seletivo, como caracteriza o que na psicologia é conhecido como “indignação moral”.
No livro Desinformação, Dan Ariely, professor de psicologia e economia comportamental, escreve que “quando uma pessoa expressa indignação moral, ela se coloca num patamar superior como uma íntegra defensora da justiça e da moralidade. Ao sinalizar virtude, a pessoa mostra para quem estiver ao seu redor que ela é tão ética que fica indignada quando os outros não alcançam os seus padrões de moralidade [...] O mundo fica, então, dividido em nós contra eles, com o ‘nós’ sendo os defensores justos da moralidade contra um ‘eles’ formado por pessoas corruptas, desprezíveis e irredimíveis”.
Diariamente, a imprensa e os cidadãos propagam livremente as suas próprias crendices. O artigo Are Republicans and Conservatives More Likely to Believe Conspiracy Theories?, publicado no periódico Political Behavior, embora focado no contexto político dos Estados Unidos e na separação entre progressistas e republicanos, revela que a desinformação permeia todo o espectro político. Assim, apesar de as redes sociais aumentarem a distribuição da desinformação, não são a causa da criação dos factoides, mas apenas um reflexo do que a sociedade já produz.
Na toada dessa indignação seletiva, em que o cidadão abraça as próprias crenças de estimação e demoniza as alheias, parece ingênuo atribuir grande importância a programas de checagem de fatos, que, diga-se de passagem, servem muitas vezes como ferramentas contra adversários políticos. Ainda que um selo atestando veracidade ou falsidade possa fazer alguma diferença, é essencial questionar a real efetividade de ações desse tipo.
Presente nas mais diversas situações, a confusão recorrente entre correlação e causação também ocorre na avaliação da influência da desinformação. Dizer, por exemplo, que ocorreram mais mortes evitáveis em grupos onde circulou mais desinformação sobre a COVID-19 pode ser uma afirmação correta, mas não é possível dizer que a desinformação foi a causa desse maior número de mortes. A circulação da desinformação nesses grupos pode ser apenas uma manifestação de comportamentos já predominantes entre seus integrantes.
Assim como pessoas não trocam de time de futebol a cada momento, episódios de mudanças de opinião acerca de crenças pessoais são eventos raros. Embora possa desencorajar parcialmente o compartilhamento da desinformação, é excessivamente otimista achar que apenas o programa de checagem da Meta, sinalizando que uma postagem é falsa, seja suficiente para provocar uma mudança significativa no comportamento de alguém.
Se por um lado é ingênuo acreditar que a checagem de fatos transformará comportamentos enraizados, por outro, é igualmente exagerado afirmar que as novas diretrizes da Meta “permitem condutas que são crimes”. Essa visão não apenas confere uma importância desproporcional a uma regra que não se sobrepõe à Constituição, mas também retrata o usuário como um agente passivo, propenso a cometer atos criminosos apenas porque “a plataforma permite”. Além disso, construir manchetes baseadas em hipóteses sobre as infinitas possibilidades de crimes de ódio que poderiam surgir com essas mudanças é um exemplo de sensacionalismo, que compromete a credibilidade e a seriedade do jornalismo profissional.
Marcelo Yamashita é professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência