Durante muitos anos, aos domingos, boa parte do país ouvia a pergunta sobre quem quer ganhar dinheiro na voz inconfundível do locutor, apresentador e empresário brasileiro Senor Abravanel (1930 - 2024), mais conhecido como Silvio Santos.
A cada fim de ano, desde 2008 existe o tradicional anúncio da Mega-Sena da Virada, ofertando verdadeiras fortunas milionárias para quem tem grande sorte. A regra é bastante simples, bastando apostar de seis a vinte números entre sessenta disponíveis (ou seja, entre 1 e 60), sendo seis sorteados (daí sena, que significa seis em latim). Logo, há uma aposta mínima, envolvendo apenas seis números, onde um valor é cobrado. Para mais de seis, existem valores tabelados. Diferentemente de outras extrações da Mega-Sena, esta não acumula o prêmio, o que significa que necessariamente haverá algum ganhador(a): se ninguém acertar os seis números, o prêmio vai para quem acertou cinco, e assim por diante. Se houver mais de um(a) premiado(a), o valor é dividido.
A ordem em que os números aparecem no sorteio não importa. O resultado final de cada sorteio é apresentado na forma crescente, com os números menores primeiro, apenas para facilitar.
A Mega-Sena existe desde 1996, e surgiu a partir da antiga loteria Sena. A Mega da Virada é um concurso especial. A probabilidade de se ganhar com apenas uma única aposta mínima de seis números é de aproximadamente uma ocorrência em cinquenta milhões. É mais fácil jogar uma moeda 25 vezes e obter vinte e cinco caras do que acertar a Mega da Virada.
Não é difícil chegar a este resultado, mas algum esforço e contas são necessários. Em primeiro lugar, vale dizer que a sequência de números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 tem a mesma probabilidade de ocorrer no sorteio que qualquer outra combinação, por ser algo aleatório. E estes termos são importantes e bem definidos, além de necessários para compreender a razão pela qual a probabilidade de acertar a Mega-Sena (da Virada ou qualquer outra) ser tão baixa.
Contando com isto, não se pretende efetuar qualquer crítica ao jogo, mas apenas esclarecer algo de conteúdo matemático extraordinário e quase sempre pouco realçado em bancos escolares ou em notícias de jornais e revistas, cuja ênfase maior é no montante a ser sorteado.
Em primeiro lugar, é importante tratar da probabilidade no enfoque frequentista, ou seja, considerando objetos (dados, moedas, etc.) perfeitos ou honestos – no caso de um dado “honesto”, cada uma das faces tem igual probabilidade de ficar voltada para cima.
Imaginando um jogo mais simples, como o de moedas, onde somente existem dois resultados, cara (C) e coroa (K), a probabilidade de ocorrência de um desses resultados em um lançamento é de 50%, no caso de uma moeda ideal honesta.
Jogar uma moeda duas vezes significa obter quatro resultados possíveis: cara-cara (C,C), cara-coroa (C,K), coroa-cara (K,C) e coroa-coroa (K,K). A probabilidade frequentista de se obter cara-cara requer considerar o número de vezes em que tal resultado pode aparecer (no caso, uma) e dividi-lo pelo total de resultados possíveis (no caso, quatro). Ou seja, 1 em 4. Em matemática, atribui-se o nome de “espaço amostral” ao conjunto de todos os resultados possíveis.
Curiosamente, a probabilidade obtida (1/4) é a mesma que resulta de se multiplicar a probabilidade de se obter cara em um único lançamento por si mesma, ou seja, multiplicar 50% por 50%, resultando em 25%, ou 1/4. Uma explicação razoável para isto é que os arremessos são independentes: um não influencia o outro.
Já a probabilidade de se obter três caras num lançamento em sequência seria de meio vezes meio vezes meio, ou seja, um oitavo. Prosseguindo desta forma com 25 caras em sequência chega-se à pequena probabilidade de uma ocorrência em 33.554.432. Já a probabilidade de 26 caras é uma em 67.108.864.
Estendendo a ideia não para uma moeda e sim para um dado, que tem seis faces iguais, sendo este dado honesto, a probabilidade do resultado ser uma face qualquer, como a face “cinco” significa considerar apenas este resultado (“cinco”) dividido entre todos os demais resultados, ou seja, a probabilidade é de uma em seis. Dito de outro modo, a probabilidade de cair a face “cinco” num lançamento de um dado é de 1/6. Se se desejar obter a probabilidade da mesma face “cinco” dez seguidas vezes, basta multiplicar um sexto por si mesmo dez vezes. Tal resultado é corresponde a probabilidade de um pouquinho mais de uma ocorrência em 50 milhões.
Para o caso da Mega-Sena da Virada, a probabilidade de acerto de uma jogada mínima corresponde à de uma combinação, sem repetição, de seis “dezenas” (os números da Mega-Sena são todos chamados de “dezenas”, mesmo os de zero a nove, porque sempre vêm representados na forma de dois dígitos: 01, 03, etc.), dividida pela totalidade das combinações possíveis do mesmo tipo. Com um detalhe fundamental: a ordem em que as dezenas são escolhidas é irrelevante. Um sorteio em que as dezenas aparecem (por exemplo) na ordem 25, 32, 55, 11, 09, 17 e outro em que elas saem 17, 25, 09, 11, 32, 55 ou qualquer outra permutação das mesmas dezenas são, para efeitos do desfecho da Mega-Sena, exatamente o mesmo resultado.
Pretende-se conhecer seis dezenas, não repetidas, selecionadas de um universo de sessenta. O número de maneiras de extrair seis dezenas, sem repetições e sem atenção à ordem específica, de um total de sessenta opções corresponde a 60x59x58x57x56x55 dividido por 6x5x4x3x2, que resulta em 50.063.860. Acertar a Mega-Sena com uma aposta simples de seis dezenas equivale a adivinhar uma combinação específica dentro desse universo de 50.063.860 de possibilidades, ou seja, uma probabilidade de aproximadamente 0,000002%.
Vale lembrar que, conforme o jogador escolhe mais dezenas para além da aposta mínima de seis, a probabilidade de acerto no jogo aumenta. Por exemplo, se alguém apostar em apenas um bilhete com sete números, isto equivale a apostar em 7 bilhetes de seis números, pois é possível uma combinação de resultados. Por isso o valor da aposta com sete números é sete vezes maior do que o valor da aposta mínima, com seis números.
Sorte ou destino? Para quem quiser o dinheiro da Mega-Sena da Virada, isto pode ser comparado a encontrar o verdadeiro amor num país com 50 milhões de habitantes, tamanho por exemplo da população da Coréia do Sul. Neste caso, é possível comparar cada bolinha sorteada com uma pessoa entre 50 milhões de outras e ter a sorte grande de encontrar seu par...
Marcio Luis Ferreira Nascimento é orofessor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA, autor de “Etcetera: Engenharia, Tecnologia e Ciência” (2018) e “Engenho, Arte & Matemática” (2023), ambos da Editora da UFBA
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