No segundo semestre de 2024, a Globo lançou um podcast investigativo sobre os fenômenos estranhos que aconteceram em 1977 no Norte do Brasil e que foram até mesmo investigados pela Força Aérea Brasileira (FAB). Intitulado “Operação Prato”, o podcast é dirigido por Ivan Mizanzuk (famoso pela terceira temporada do podcast Projeto Humanos, que abordou O Caso Evandro), idealizado e apresentado por Andrei Fernandes (host do podcast Mundo Freak). Uma publicação semanal, o podcast totalizou 13 episódios e teve um final bastante interessante e surpreendente. Se você ainda não ouviu, talvez devesse dar uma chance. Antes de prosseguir, mais um pouco de contexto.
A Operação Prato foi uma investigação oficial conduzida pela FAB em 1977 na região de Colares, no Pará, para apurar relatos de fenômenos aéreos não identificados e ataques luminosos que supostamente provocavam lesões em moradores locais. Esse fenômeno ficou conhecido como "chupa-chupa". A operação registrou relatos, fotografias e vídeos dos fenômenos luminosos, tendo inclusive produzido um relatório (em parte disponível aqui). Embora os fenômenos tenham sido documentados, a FAB encerrou a operação sem fornecer explicações conclusivas, o que alimentou teorias conspiratórias e especulações sobre o caso. O evento permanece um dos episódios mais intrigantes da ufologia brasileira.
Os fenômenos associados ao "chupa-chupa" não apenas despertaram curiosidade, mas também geraram medo e transformaram a rotina dos habitantes da região de Colares. Muitos evitavam sair de casa à noite, enquanto outros se organizavam em vigílias comunitárias para tentar compreender ou afastar as luzes misteriosas. O caso ganhou notoriedade nacional na época, e até mesmo internacional, mas a falta de respostas definitivas contribuiu para que fosse esquecido por boa parte do público ao longo dos anos. Somente décadas depois, com vazamentos de informações militares e até mesmo uma polêmica entrevista com um dos envolvidos, o interesse sobre a Operação Prato reacendeu. O podcast “Operação Prato” é a mais nova iteração nessa longa história, e surge no momento exato, dada a nova onda de interessa nos assuntos ufológicos.
A seguir, minhas considerações gerais sobre o podcast.
Algo aconteceu
As conclusões a seguir são opiniões minhas com base nos fatos e evidências apresentadas ao longo do podcast. Antes de tudo, é importante destacar que o podcast em questão não se propôs a provar que alienígenas visitaram o Brasil em 1977. Aliás, o podcast em si não é de natureza ufológica, mas sobre ufologia. Ivan Mizanzuk disse ao g1:
“Apesar de tratarmos de questões ufológicas, o podcast não se trata de um projeto de ufologia. O nosso foco é contar como a ‘Operação Prato’ ficou conhecida, seus mistérios, personagens icônicos e toda a mitologia em volta do caso”.
Assim, é compreensível que boa parte do podcast tenha sido dedicada a ouvir depoimentos de testemunhas, o que muitas vezes tornou o andamento mais lento e cansativo. Porém, sob a direção de Ivan e o roteiro de Andrei, já era esperado que a história fosse, acima de tudo, sobre pessoas e suas vivências.
Somados às imagens obtidas e ao relatório dos militares, os depoimentos ajudam a compor um conjunto de evidências que me faz considerar a hipótese de histeria coletiva bastante improvável. Bem, até pode ser que a “histeria” tenha algum papel em exagerar os números de relatos e a natureza deles, mas não creio que possa explicar a origem do fenômeno em si. E aqui estou me referindo, sobretudo, ao fenômeno luminoso, não ao "chupa-chupa" em si.
Que civis e militares realmente viram luzes no céu que se moviam, não duvido. Meu problema é com os ataques do "chupa-chupa". Muitas pessoas alegaram que essas luzes disparavam feixes de energia que causavam queimaduras, lesões, fraqueza e até desmaios. Algumas descreveram a sensação de ter o sangue "sugado", o que deu origem ao nome "chupa-chupa". Mas será que as pessoas realmente foram atacadas? Essa questão ainda é difícil de responder. Pelo que conheço do caso e o que foi apresentado no podcast, não posso concluir com segurança que, seja lá como for, as luzes extraíram sangue das pessoas.
O caso de Aurora Fernandes, contudo, é talvez o indício mais próximo que se tem de que algo pudesse trazer materialidade aos ataques. Aurora foi destaque em matéria do jornal “A Província do Pará” em 20 de novembro de 1977. Numa imagem, aparece deitada numa rede, enquanto um médico examina um ferimento, similar a uma queimadura, acima do seu seio direito. Segundo Aurora (que sustenta a versão até hoje), a marca lhe foi feita pelo "chupa-chupa".
Mas e as luzes, seriam naves? Se aceitarmos os relatos, é uma possibilidade. Contudo, afirmar que esses objetos vêm de outro planeta é um passo que as evidências apresentadas não sustentam de forma conclusiva. A imagem talvez mais emblemática que temos do fenômeno luminoso, publicada no jornal “O Estado do Pará” sob o título “eis o chupa-chupa” revela... Bem, para alguns, é claramente uma nave mãe, mas eu só consigo ver o que a imagem mostra: um foco maior de luz cercado por focos menores.
No último episódio, algo inédito: um fotograma de um filme de super 8, consistente com os relatos da equipe da Operação Prato sobre terem feito filmes dos objetos avistados. Segundo a equipe, conseguiram o fotograma através de uma fonte idônea e anônima que teve acesso ao material original. As imagens foram restauradas digitalmente e uma reprodução artística foi criada, o que você pode conferir aqui. O vídeo reforça que a informação sobre o fenômeno luminoso existiu e que, embora possam ter desaparecido, há a possibilidade de que mais evidências ainda estejam por aí. A FAB nega e diz que já publicou tudo o que tinha sobre óvnis no Arquivo Nacional. O fotograma descoberto, contudo, parece contradizer isso. Quanto ao conteúdo do que foi revelado... Bem, luzes, mais uma vez.
O podcast foi um sucesso. Percebe-se o grau de entrega dos envolvidos e um esforço considerável e louvável na tentativa de abordar o fenômeno de forma séria e cética, ao mesmo tempo em que respeita a história e a crença das pessoas que foram afetadas por seja lá o que foi que aconteceu naquela região entre 1977 e 1978. Só por isso, já vale a pena ouvir. Tirem suas próprias conclusões, pois eu já tenho as minhas. Nada de homenzinhos verdes ou cinza. Mas o que aconteceu, então? É uma boa pergunta. Trataremos dela numa próxima oportunidade, quem sabe. Por ora, só posso dizer que algo aconteceu.
João Lucas da Silva é mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pampa, e atualmente Doutorando em Ciências Biológicas na mesma universidade