Imagine alguém que é abordado, em uma pesquisa de opinião, com a seguinte pergunta: propostas terapêuticas que comprovadamente não funcionam para tratar nenhuma condição de saúde deveriam ser oferecidas no SUS? Dificilmente alguém responderia que sim. No entanto, o Sistema Único de Saúde abraça a homeopatia, pseudociência que, no Brasil, conta com o endosso do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Ministério da Saúde. Nosso calendário oficial até celebra o 21 de novembro como “Dia Nacional da Homeopatia”, em memória da data em que o homeopata francês Benoit Mure, responsável pela introdução da prática no país, chegou ao Brasil.
Mure desembarcou no Rio de Janeiro em 1840. Nos quase dois séculos que nos separam daquele dia, o debate científico sobre a eficácia da homeopatia concluiu-se de forma tão definitiva quanto o da forma da Terra. A teoria homeopática – que requer diluições seguidas do que seria o princípio ativo, até que, no “medicamento” final, só existe água, álcool ou açúcar – viola tudo o que a ciência conhece sobre química e biologia. Também sabemos, graças a inúmeros testes e estudos exaustivos, que o tratamento homeopático não passa de um placebo. Já faz quase 20 anos que a revista médica britânica Lancet clamou, em editorial, pelo “fim da homeopatia”.
Pode-se argumentar que se a homeopatia é popular, por que não um dia só para ela? Mas será que seus fãs sabem o que admiram? Pesquisa conduzida pelo Center for Inquiry, associação sem fins lucrativos baseada nos EUA, mostrou que a maior parte das pessoas que compram produtos homeopáticos nas farmácias desconhece como são feitos, no que diferem de medicamentos convencionais e quais são os princípios teóricos da homeopatia. Muitos acreditavam que eram “remédios de plantas”. Quando informados sobre as diluições extremas, sentiram-se enganados e frustrados. Achavam que estavam adquirindo um remédio testado e aprovado pela FDA (agência regulatória de medicamentos e alimentos dos EUA).
Preparados homeopáticos são feitos de nada. Portanto, a pergunta que deve ser formulada não é se homeopatia ou outras práticas ditas integrativas e complementares devem estar no SUS. Ou se homeopatia deveria ser modalidade médica. Ou se lhe cabe homenagem. A pergunta correta é: pensamento magico e remédios de mentira deveriam fazer parte do SUS e do rol de especialidades médicas oficiais no Brasil? Na esfera pessoal, cada um tem o direito de decidir o que quiser sobre sua saúde e como se tratar. Quando se trata de estabelecer uma política que vai consumir recursos públicos, no entanto, o que para cada um de nós poderia ser apenas questão de gosto vira questão de eficácia, e da evidência que sustenta essa eficácia.
O consenso científico internacional, após inúmeros estudos clínicos, além de revisões e análises estatísticas que combinam os resultados de estudos diversos, é de que a homeopatia não funciona melhor do que um placebo: uma pílula de mentira. Esta conclusão sólida levou países como Inglaterra, Austrália e França a retirar a prática de suas redes de saúde pública. Nos Estados Unidos, o órgão federal de defesa do consumidor passou a exigir que todo medicamento homeopático informe, na bula, que é baseado em princípios contrários ao conhecimento científico. O Brasil, portanto, deve parar de desperdiçar recursos escassos de saúde pública no que, no fim, não passa de terraplanismo médico.
Natalia Pasternak é microbiologista, professora e pesquisadora na Universidade de Columbia (EUA), presidente do Instituto Questão de Ciência e autora do livro “Que Bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério”, da editora Contexto.