Resultado do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), divulgado em 18 de junho, mostra que 54% dos estudantes brasileiros de 15 anos foram avaliados como tendo uma baixa capacidade de pensamento criativo. A OCDE, organização intergovernamental que conduz a prova, define criatividade como “a competência para se envolver produtivamente na geração, avaliação e melhoria de ideias que podem resultar em soluções originais e eficazes, avanços no conhecimento e expressões impactantes da imaginação”.
Dentre as questões selecionadas para avaliar a criatividade estavam, por exemplo, dar três títulos para uma imagem, escrever duas ideias de histórias sobre a interação de um humano e um robô inteligente, preencher balões de diálogo de uma história em quadrinhos com uma conversa entre a Terra e o Sol, criar um pôster para uma feira de ciências com o tema “vida no espaço profundo”, sugerir três ideias diferentes para melhorar a acessibilidade para cadeiras de rodas em uma biblioteca, e dar duas ideias diferentes e testáveis para explicar o declínio de uma população de sapos de um rio próximo a uma cidade.
No Brasil, a prova foi aplicada a 10.798 alunos de 599 escolas – mais da metade desses estudantes, 54%, não atende o mínimo que seria esperado em termos de criatividade. No caso das habilidades em matemática, o resultado é ainda mais desastroso, com 73% dos alunos com desempenho insatisfatório. Para as habilidades de leitura e ciências, o número de estudantes com desempenho abaixo do esperado corresponde a, respectivamente, 50% e 55%.
É possível recorrer à lista de classificação dos 81 países que participaram desta edição e ver alguma vantagem de não ter ficado em último lugar. A realidade, porém, mostra que o Brasil vai mal na formação dos jovens. O desempenho dos estudantes brasileiros é sofrível, e as políticas públicas da educação básica não estão funcionando.
Um dos motivos frequentemente apontados como causador da baixa qualidade do ensino é o sistema de progressão continuada. Neste processo, os estudantes avançam para a série seguinte ainda que não tenham atingido as condições mínimas para a progressão. Grosso modo, o objetivo é reduzir a evasão dos estudantes através de um processo contínuo de aprendizagem, com apoio pedagógico para que os estudantes possam superar as dificuldades sem que sejam separados de sua turma.
A ideia da progressão continuada é interessante e tem reduzido a evasão – de 2007 a 2020, a evasão no ensino fundamental brasileiro caiu de 5% para 2,2% –, mas não tem funcionado para lidar com a realidade do país, e o recente resultado do Pisa retrata isso. É equivocado, porém, pensar que a reprovação dos estudantes poderia amenizar os problemas educacionais no Brasil.
O sistema de progressão continuada não é utilizado em todos os lugares. Relatório do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), de 2021, mostra que estados com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) semelhantes não têm diferenças significativas nas notas de proficiência em língua portuguesa e em matemática, por exemplo. Para estudantes do 9o ano do ensino fundamental, os estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina têm, respectivamente, notas 268,4; 264,5 e 268,4 para português, e 267,1; 267,1 e 270,5 para matemática. São Paulo adota o sistema de progressão continuada, mas Paraná e Santa Catarina, não. O Amazonas teve a pior nota em português, 251,7, e o Maranhão foi o pior em matemática, com 229,3.
Os resultados do Saeb são convincentes o bastante para mostrar que o problema educacional brasileiro, escancarado pelos resultados do Pisa, vai além de questões conjunturais, relacionadas à progressão dos estudantes, e atinge de maneira relativamente homogênea o sistema público como um todo.
O atual Plano Nacional de Educação (PNE) data de 2014 e deveria ter encerrado o seu decênio no último 25 de junho. Recentemente, foi aprovada a prorrogação até 31 de dezembro de 2024. Relatório do 5o ciclo de monitoramento das metas do PNE, publicado em 2024 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), pode dar uma indicação de um dos principais problemas estruturais que atingem o sistema educacional.
Embora exista uma rede complexa de fatores afetando a educação pública, não há dúvida de que um investimento mínimo é necessário para começar a enxergar alguma mudança positiva. A defesa de que 10% do Produto Interno Bruto (PIB) sejam aplicados na educação pública surgiu na esteira da Constituição de 1988 e, mais especificamente, no II Congresso Nacional de Educação, de 1997. Este número foi calculado com base na renda per capita e nos investimentos médios por estudantes em vários países. Os detalhes estão descritos no livro “Um diagnóstico da educação brasileira e de seu financiamento”, de Otaviano Helene.
A meta 20 do atual PNE preconiza especificamente o cumprimento desse porcentual. O gasto público com educação pública deveria ser de 7,0% do PIB até 2019 e 10% do PIB até 2024. O relatório do Inep mostra que esta meta está longe de ser cumprida – até 2022, investiu-se somente “5,1%”. O número foi colocado entre aspas porque não é preciso ir além das informações oficiais para ver que este porcentual é enganoso, e está superestimado.
Na página dos Indicadores Financeiros Educacionais do Inep consta, logo no início:
“O Investimento Público Total em Educação compreende os valores despendidos nas seguintes Naturezas de Despesas: Pessoal Ativo e seus Encargos Sociais, Ajuda Financeira aos Estudantes (bolsas de estudos e financiamento estudantil), Despesas com Pesquisa e Desenvolvimento, Transferências ao Setor Privado, outras Despesas Correntes e de Capital, e a estimativa para o complemento da aposentadoria futura do pessoal que está na ativa (Essa estimativa foi calculada em 20% dos gastos com o Pessoal Ativo)”.
Ora, “transferências ao setor privado” e “complemento da aposentadoria futura do pessoal que está na ativa” não são investimentos em educação pública. Um gasto estimado de 20% com aposentadorias representa aproximadamente 1% do PIB, ou seja, se incluirmos ainda os repasses para o setor privado, o investimento deve ser menor do que 4% do PIB.
Na física, quando ocorre uma manipulação de números com a finalidade de se chegar a algum resultado pré-determinado, dizemos que o pesquisador está cozinhando os dados. No caso do cálculo do investimento em educação, podemos dizer que foi feita uma completa ceia natalina. Não é difícil, portanto, ver por que a educação pública vai mal. Um investimento adequado pode não ser o único fator para melhorar a educação, mas certamente, um aporte de menos de 4% do PIB dificulta a execução de qualquer boa ideia. Não existe solução mágica. Sem um investimento adequado, o Brasil vai continuar fracassando na educação da população.
Marcelo Yamashita é professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência. Este artigo também foi reproduzido em The Conversation.