O serviço de checagem de informações americano PolitiFact, ganhador de um Prêmio Pulitzer, elegeu o discurso de campanha do candidato à Presidência dos Estados Unidos e porta-voz do movimento antivacinas Robert F. Kennedy Jr. como “mentira do ano” de 2023. O papel de Kennedy Jr. na disseminação de teorias de conspiração que misturam mitologias caras tanto à direita quanto à esquerda já foi tema de artigo nesta Revista Questão de Ciência.
Entre as alegações demonstravelmente falsas feitas por Kennedy Jr. em sua campanha para disputar a Presidência dos Estados Unidos no fim de 2024, PolitiFact enumera diversas mentiras sobre vacinas, além de teorias conspiratórias que tentam conectar, por exemplo, a indústria farmacêutica a massacres com armas de fogo e o uso de pesticidas agrícolas a um suposto aumento no número de crianças que se declaram transexuais.
Impulsionada pelo nome famoso e pelo legado da família Kennedy, a campanha consolidou-se política e financeiramente. Kennedy Jr. abandonou a pretensão de sair candidato pelo Partido Democrata (o que exigira que ele derrotasse o atual presidente Joe Biden na disputa interna do partido) e decidiu concorrer como independente. Nessa condição, já arrecadou mais de US$ 15 milhões para campanha. Em pesquisas eleitorais recentes ele chega a marcar mais de 20% das intenções de votos (Biden e Donald Trump ficam acima dos 30%).
PolitiFact lembra que Kennedy Jr. era popular entre os comentaristas políticos conservadores antes de se lançar como candidato independente, e que vem evitando criticar abertamente Trump, exceto em questões relacionadas à COVID-19.
As chances de Kennedy Jr. chegar à Casa Branca são mínimas: desde a consolidação dos dois grandes partidos da política americana, Democrata e Republicano, na segunda metade do século 19, jamais houve um presidente eleito que não pertencesse a uma dessas agremiações. Mas candidaturas independentes podem, eventualmente, afetar o equilíbrio de forças entre os grandes, ainda mais numa disputa acirrada.
Mesmo sem perspectivas reais de vitória, a candidatura dá a Kennedy Jr. uma plataforma ampliada para disseminar suas crenças e alegações: ele tem percorrido o circuito de podcasts alternativos e conservadores, e foi entrevistado em programas de redes de TV como CNN e NBC.
PolitiFact descreve da seguinte maneira a estratégia de comunicação do candidato em entrevistas: Kennedy Jr. vasculha seu repertório retórico em busca de pontos de debate reciclados, de resultados científicos escolhidos a dedo, a fim de dar a impressão de que teve acesso a um número enorme de estudos válidos, lança especulações e tenta projetar uma aura de autoridade indiscutível. Cita instituições, pesquisadores e relatórios pelo nome, em rápida sucessão, mudando de assunto antes que os entrevistadores possam detectar o que há enganoso ou fora de contexto.
Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência, autor de "O Livro dos Milagres" (Editora da Unesp), "O Livro da Astrologia" (KDP), "Negacionismo" (Editora de Cultura) e coautor de "Pura Picaretagem" (Leya), "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto), obra ganhadora do Prêmio Jabuti, "Contra a Realidade" (Papirus 7 Mares) e "Que Bobagem!" (Editora Contexto)