Buscas online aumentam poder da desinformação, mostra estudo

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22 dez 2023
Autor
lente de aumento

 

"Uma mentira pode dar a volta ao mundo enquanto a verdade ainda calça suas botas". Esta frase e versões dela costumam ser creditadas ao escritor americano Mark Twain (1835-1910). Embora seja uma visão quase premonitória da realidade do ambiente informacional atual, em que notícias falsas viajam à velocidade da luz nos cabos de fibra ótica e satélites da internet, a citação em si também é uma peça de má informação: Mark Twain nunca disse isso. A frase, na verdade, é um amálgama de uma longa história de máximas e aforismos denotando a diferença na velocidade de disseminação de falsidades e suas devidas correções que remonta ao escritor anglo-irlandês Jonathan Swift (1667-1745). Sei disso agora que escrevo estas linhas graças a uma busca nesta mesma internet. Antes, também era um que acreditava na autoria de Twain.

Esta historinha ilustra a importância dos mecanismos de busca na luta contra a desinformação. À medida que o custo de produção e distribuição de informação caiu drasticamente nas últimas décadas, a dependência do público nos tradicionais "guardiões" das notícias - jornais, TVs, rádios, a mídia jornalística em geral - também caiu. Enquanto isso, a quantidade de informação disponível na internet explodiu. Neste cenário, os mecanismos de busca teriam assumido este papel de guardiões da informação, selecionando, ordenando e muitas vezes validando o conteúdo online. Tanto que uma das primeiras recomendações de especialistas para quem se depara com uma notícia suspeita é justamente pesquisar sobre ela.

Mas, apesar do papel fundamental dos buscadores no ecossistema digital, acadêmicos, mídia e tomadores de decisão têm focado seus esforços contra a chamada infodemia nas redes sociais, e pouca atenção tem sido dada ao estudo do impacto destas buscas na crença em desinformação. Foi tentando preencher esta lacuna que um grupo de pesquisadores de universidades americanas decidiu investigar os efeitos de buscas na internet na capacidade dos usuários em identificar notícias falsas e verdadeiras. Em uma série de experimentos relatada em artigo publicado recentemente na prestigiada revista científica Nature, eles observaram que estas consultas podem aumentar as chances das pessoas rotularem notícias mentirosas como verdadeiras, impondo um desafio adicional no combate à má informação nas redes.

 

O impacto das buscas

No primeiro dos experimentos, os pesquisadores recrutaram online pouco mais de 3 mil participantes numa amostra representativa da população americana, que foram divididos aleatoriamente em dois grupos. Em 10 dias separados, entre 21 de novembro de 2019 e 7 de janeiro de 2020, eles foram instados a avaliar a veracidade de três matérias jornalísticas publicadas nas 24 horas anteriores, tanto por veículos considerados confiáveis quanto conhecidos por sua baixa credibilidade, rotulando-as como verdadeiras, falsas ou indeterminadas e classificando-as numa escala de sete pontos, que ia de "1) definitivamente falsa" a "7) definitivamente verdadeira". O primeiro grupo, "de controle", fez isso diretamente, enquanto o segundo, "de tratamento", foi orientado a pesquisar na internet antes.

Nestes dez dias, os dois grupos cruzaram com 13 diferentes notícias apontadas como falsas ou enganosas por uma equipe independente de checadores, resultando em 1.145 avaliações válidas de 876 participantes do grupo controle e 1.130 de 872 participantes do grupo tratamento. Segundo os pesquisadores, na contramão do desfecho esperado e pré-registrado do estudo, os participantes do grupo tratamento - isto é, que fizeram buscas na internet antes de dar sua avaliação sobre a veracidade das matérias - apresentaram uma chance 19% maior de rotular erroneamente como verdadeiras as notícias falsas.

Diante disso, os pesquisadores decidiram investigar se a pesquisa online teria capacidade de mudar a avaliação dos indivíduos depois que eles já tivessem opinado sobre a veracidade da matéria. Assim, neste segundo experimento, eles primeiro pediram aos participantes para avaliar a notícia sem encorajá-los a fazer uma busca antes, e depois pediram aos respondentes para reavaliar o mesmo artigo, após buscas online.

"Se presumirmos que os respondentes têm uma tendência à consistência, isto oferece um teste ainda mais forte que o primeiro estudo, pois para achar um efeito da busca, os participantes terão de mudar sua avaliação prévia", consideram.

Para tanto, os pesquisadores recrutaram online outros cerca de 4,2 mil americanos entre 18 de novembro de 2019 e 6 de fevereiro de 2020. Neste período, pouco mais de mil foram apresentados a pelo menos uma de um conjunto de 33 notícias falsas ou enganosas de grande repercussão, publicada nas 48 horas anteriores. Novamente, os autores relatam que, ao contrário do esperado, a busca na internet aumentou em 22% a possibilidade de os participantes rotularem a notícia falsa ou enganosa como verdadeira.

Pior, os pesquisadores observaram que entre os que primeiro avaliaram corretamente a notícia como falsa, 17,6% mudaram erroneamente a avaliação para verdadeira, enquanto entre os que primeiro avaliaram a notícia falsa incorretamente como verdadeira, apenas 5,8% mudaram a avaliação após a pesquisa online. Além disso, entre os que de início responderam não ter conseguido determinar a veracidade da matéria, uma proporção maior mudou incorretamente a avaliação da notícia para verdadeira, do que corretamente para falsa.

"Isso sugere que fazer buscas online para avaliar notícias falsas ou enganosas pode erroneamente aumentar a confiança na sua veracidade", alertam.

Os pesquisadores então lembram que muitas vezes as notícias falsas só viralizam semanas ou até meses depois de sua publicação. Nestes casos, ponderam, o ambiente informacional em torno da notícia falsa seria diferente do período imediatamente após ela ser veiculada, com os mecanismos de busca retornando com desinformação similar ou pouca informação de confiança porque leva tempo para que ela seja checada e apontada como mentirosa ou enganosa, como num eco da máxima de Twain.

"Assim, podemos esperar que, à medida que o tempo passa da publicação (da notícia falsa), os indivíduos fazendo buscas online serão expostos a mais checagens profissionais e informação com credibilidade, potencialmente eliminando ou, ainda mais otimisticamente, mudando a direção dos efeitos identificados nos estudos 1 e 2", especulam.

Desta forma, eles conduziram um terceiro experimento replicando a estrutura do segundo, com novos respondentes avaliando o mesmo conjunto de notícias falsas, só que agora entre três e cinco meses depois de sua publicação original. Recrutados online entre 16 de março e 28 de abril de 2020, pouco menos de mil americanos de uma amostra total de cerca de 4 mil avaliaram pelo menos uma das mesmas 33 notícias falsas ou enganosas misturadas entre as mesmas matérias verdadeiras do conjunto do estudo 2, primeiro sem serem encorajados a fazer uma busca na internet e depois chamados a reavaliar sua opinião após a pesquisa. E, mais uma vez, tal busca teve resultado contrário do esperado, com os pesquisadores relatando uma alta de 18% na probabilidade de os respondentes avaliarem incorretamente a notícia falsa como verdadeira, depois de consultarem a internet.

"Embora seja possível que os respondentes tenham sido expostos a mais informações confiáveis meses depois da publicação (da notícia falsa), isso não parece ter anulado o impacto da busca para avaliar a veracidade da notícia na crença na desinformação", reparam.

Com estes resultados, os pesquisadores especularam se isso estaria acontecendo pelo fato de que as notícias falsas usadas nos estudos anteriores em geral abordavam assuntos populares no campo da desinformação, mas que não costumam ser objeto de cobertura de veículos mais confiáveis, atrapalhando assim sua verificação pelos participantes. Eles então produziram outro experimento focado em um assunto então em clara evidência em qualquer tipo de mídia, confiável ou não, e alvo de uma enxurrada de desinformação: a pandemia de COVID-19.

Novamente similar em estrutura aos estudos 2 e 3, ele foi realizado em oito dias ao longo de junho de 2020, com a participação de 1,13 mil respondentes, a quem foram apresentadas apenas matérias relacionadas à crise sanitária. Destes, 386 receberam em sua lista ao menos uma notícia falsa sobre a COVID-19 publicada nas 72 horas anteriores. E, novamente, o resultado foi decepcionante, com a execução da busca online aumentando em 20% a probabilidade de rotularem erroneamente a notícia falsa como verdadeira.

 

Em busca da mecânica

Intrigados, os pesquisadores decidiram investigar a possível mecânica por trás deste fenômeno, tendo como ponto de partida a teoria dos chamados "vazios de dados" (data voids, na expressão em inglês). Esta abordagem sugere que quando indivíduos fazem pesquisas online relacionadas a peças de desinformação, os mecanismos de busca podem retornar com pouca informação confiável, colocando as notícias falsas no topo dos resultados.

Segundo eles, este vazio de dados existiria por várias razões. Primeiro, veículos de baixa qualidade usam técnicas de otimização que encorajam os leitores a pesquisar por termos que usam repetidamente numa variedade de histórias, guiando os mecanismos de busca para vazios de dados que apresentam apenas um ponto de vista não confiável da notícia. Além disso, estes veículos frequentemente usam e reusam histórias uns dos outros, poluindo os resultados com várias versões da mesma má informação.

Os pesquisadores ainda citam estudos anteriores que mostram que os algoritmos do Google interagem com estratégias de comunicação da elite conservadora dos EUA que empurra a audiência para visões de mundo extremistas e, por vezes, mentirosas. Isto criaria um "ciclo autoalimentado de propaganda", uma rede de veículos noticiando a mesma desinformação e inundando os resultados das buscas com notícias falsas que parecem confirmar uma a outra. Todas com um enquadramento que também é geralmente distinto do normalmente usado pela mídia tradicional, o que também limitaria os resultados das buscas por informações relacionadas a estas notícias falsas.

Por fim, em novo eco da máxima-que-não-é-do-Twain, checagens destas notícias falsas podem demorar a ser publicadas ou mesmo nunca serem feitas, prejudicando a qualidade dos resultados das pesquisas online, especialmente no período imediato após sua divulgação.

"Por outro lado, não seria de surpreender que a exposição a notícias não confiáveis seja particularmente prevalente quando buscando online por desinformação publicada recentemente", conjecturam.

E foi para investigar o possível papel desta exposição na crença em desinformação que os pesquisadores elaboraram um quinto experimento que repetiu a estrutura de grupos de "controle" e "tratamento" do primeiro. Só que agora todos também teriam rastreados e registrados os primeiros dez resultados de suas buscas no Google, assim como sua navegação após a pesquisa. Para tanto, voltaram a recrutar online quase 1,7 mil pessoas, a quem apresentaram três matérias de grande audiência publicadas tanto por veículos tradicionais quanto por fontes pouco confiáveis em 12 dias separados entre 13 de julho e 9 de novembro de 2021, para que avaliassem sua veracidade sem ou apenas após pesquisar sobre elas.

Neste período, um total de 17 diferentes notícias falsas foram analisadas pelos dois grupos, num total de 1.485 avaliações. E, como nos experimentos anteriores da série, os participantes que foram instados a pesquisar online voltaram a mostrar uma maior probabilidade de rotular como verdadeiras as notícias falsas ou enganosas. Efeito que, destacam os autores, foi ainda mais pronunciado do que nas experiências prévias, no que creditam a um controle maior do cumprimento das etapas do estudo pelos recrutados.

Desta vez, porém, os pesquisadores também tinham os dados das buscas e da navegação dos respondentes. Primeiro, eles observaram que quando as notícias eram verdadeiras, em apenas 15% das vezes os resultados das buscas no Google retornavam com uma fonte não confiável segundo os parâmetros do NewsGuard, um serviço de avaliação da credibilidade dos veículos de mídia dos EUA, enquanto com as notícias falsas esta proporção subia para 38%.

Com isso, os pesquisadores também puderam analisar o efeito desta exposição a fontes não confiáveis nos resultados do Google sobre a crença na desinformação do grupo tratamento. As análises mostraram que a probabilidade de um participante rotular uma notícia falsa como verdadeira foi substancialmente maior no subgrupo em que pelo menos 10% dos resultados no topo da busca eram de fontes não confiáveis, mas praticamente igual à do grupo de controle se todos os resultados eram de fontes altamente confiáveis.

"Estes resultados são consistentes com a hipótese de que resultados de baixa qualidade dos mecanismos de busca podem aumentar a crença na desinformação", consideram. "Que fique claro, a informação trazida pelos resultados nas buscas no Google são pós-tratamento. Então, esta análise não infere uma relação causal, mas fornece evidências consistentes com a hipótese de que informação de baixa qualidade retornada pelos mecanismos de buscas podem explicar o efeito que identificamos".

 

Letramento digital

Os pesquisadores quiseram então tentar entender porquê alguns dos participantes do grupo tratamento tiveram uma exposição maior a fontes não confiáveis de notícias do que outros nos resultados de suas buscas no Google. Para isso, eles partiram de duas hipóteses: congruência ideológica e baixos níveis de letramento digital. No primeiro caso, os participantes teriam, conscientemente ou não, buscado informações de fontes ideologicamente alinhadas às suas ideias usando termos de busca que refletem sua perspectiva ideológica e visões de mundo. Já o baixo nível de letramento digital deixaria os indivíduos mais vulneráveis a cair nos vazios de dados.

Usando dados demográficos e outras informações fornecidas pelos participantes, incluindo relativas ao seu posicionamento político, as análises indicaram que a congruência ideológica aumentava a probabilidade de os resultados da busca no Google retornarem ao menos uma fonte não confiável, mas que esta era ainda maior no caso do baixo letramento digital. Um exemplo disso é o uso da manchete ou do endereço eletrônico (URL) da notícia falsa como termo ou parte dos termos de busca. Eles observaram que em 77% das vezes que a pesquisa foi feita usando estes termos os resultados retornaram ao menos um fonte não confiável, contra 21% das buscas que não usaram estes termos. Diferença que se manteve mesmo quando excluíram dos resultados a notícia falsa original (57% x 18%).

Os pesquisadores destacam que o uso da manchete ou de partes do lide - o parágrafo inicial de uma matéria jornalística - de uma notícia falsa como termo de busca provavelmente leva a resultados com fontes não confiáveis em razão da formatação de expressões por disseminadores de desinformação. Eles dão como exemplo uma notícia falsa usada no experimento cuja manchete afirmava que os EUA poderiam enfrentar uma "fome arquitetada" ("engineered famine" no original em inglês) à medida que restrições da COVID-19 e passaportes de vacinação provocassem perturbações no país. Nenhuma busca contendo o termo "fome" retornou qualquer fonte não confiável de notícias, mas bastou incluir a palavra "arquitetada" que 63% das buscas resultaram na exposição a pelo menos uma fonte de informação de baixa qualidade.

 

Credibilidade emprestada

Tornando este cenário ainda mais desafiador, uma última análise do efeito das buscas online na correta avaliação de notícias verdadeiras revelou que, embora pouco tenha afetado as matérias publicadas por veículos de maior credibilidade, o efeito foi significativo no caso de fontes não confiáveis. Algo como se a pesquisa emprestasse credibilidade a meios conhecidos por divulgar notícias falsas.

"O movimento QAnon recomenda que as pessoas 'façam a própria pesquisa', o que pode parecer uma estratégia contraintuitiva para um movimento conspiracionista. Mas nossos achados sugerem que a estratégia de empurrar as pessoas a verificar informação de baixa qualidade online pode paradoxalmente ser ainda mais efetiva em desinformá-las", concluem. "Aqueles que só querem saber mais se arriscam a cair em vazios de dados - ou espaços informacionais em que há muita evidência corroborativa de fontes de baixa qualidade - quando usam os mecanismos de buscas, especialmente se estão fazendo 'buscas preguiçosas' cortando e colando uma manchete ou URL".

Diante disso, os pesquisadores destacam a necessidade de mais esforços nos campos do letramento digital e do combate à desinformação para que alinhem suas recomendações a estas possibilidades, e que os mecanismos de busca invistam em soluções para enfrentar o problema, como recente iniciativa do Google de incluir avisos de falta de informação confiável nos resultados para determinados termos de busca.

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

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