A relevante irrelevância dos rankings universitários

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6 out 2023
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Homem olha para fora da abóboda celeste

 

No último 29 de setembro a Utrecht University (UU) anunciou que deixaria de participar do ranking universitário mundial de 2024 publicado pela Times Higher Education (THE), uma das grandes empresas de classificação de universidades. Dentre os motivos alegados para a saída estão: os rankings geram muito estresse e competição, enquanto a UU está focada em colaborações e ciência aberta; é impossível capturar, em um único número, toda a complexidade da universidade; e os critérios de classificação utilizados pela THE são altamente questionáveis.

As justificativas são fracas porque, com pequenas variações, quase tudo na vida pode ser criticado com queixas semelhantes às apresentadas acima e, portanto, os motivos enumerados seriam razões para não se fazer nada em lugar nenhum. Queixar-se de estresse e competição é institucionalizar uma reclamação juvenil. Dizer que a avaliação é uma simplificação de algo muito mais complexo e que os critérios são questionáveis são platitudes que nada acrescentam – talvez fosse mais sincero dizer, apenas, que os rankings não servem para muita coisa.

As pessoas em geral têm fixação por rankings dos mais variados. Desde os queijos mais fedidos do mundo até uma lista dos piores insultos, classificações que podem envolver critérios tão arbitrários quanto se queira - e o décimo lugar pode facilmente tornar-se o primeiro. Embora rankings universitários tenham critérios mais objetivos do que uma relação das melhores feijoadas do Brasil, não se pode desconsiderar que são definidos por empresas externas à Academia e que, na maioria das vezes, pouco sabem da realidade das instituições que estão avaliando.

Publicados pela Editora Abril, os primeiros rankings brasileiros surgiram nos anos 1980 para ajudar os estudantes na escolha do curso no vestibular. Em 1988, surge o Guia do Estudante, uma das principais referências para a classificação das universidades nacionais (no exterior, é provável que as listas pioneiras de classificação tenham sido publicadas no início do século 20). Nos dias de hoje, porém, parece que os rankings mudaram o seu objetivo principal: no lugar de servirem como um guia para alunos optarem por uma faculdade, eles fomentam uma corrida inglória para as instituições, que enxergam os indicadores como metas.

A disputa por melhores posições na corrida entre universidades, apesar de explicitar algumas fortalezas e deficiências de cada instituição, gera poucos efeitos práticos no cotidiano acadêmico. Será que os pesquisadores precisam de uma lista para saber que é melhor publicar mais artigos em revistas científicas de boa qualidade? Saber que a sua instituição tem menos projetos aprovados em agências de fomento do que as “concorrentes” vai fazer com que os pesquisadores elaborem propostas melhores? Estabelecer metas quantitativas na universidade, visando a melhoria dos indicadores de ranking, é pior do que ficar feliz com o ganho de posições numa dessas listas.

É surpreendente, porém, notar que boa parte da comunidade acadêmica brasileira, normalmente refratária à iniciativa privada, não se incomode em emprestar o prestígio de suas instituições para fazer marketing de luxo e gratuito para as companhias de ranking, pondo as estruturas de comunicação social das universidades a serviço da disseminação de cada nova edição das listagens. No caso da THE, além da publicidade, o trabalho de alimentação da base de dados é feito pelas próprias universidades – é a servidão voluntária elevada a outro patamar. Não é o caso de demonizar produtos de empresas comerciais – muitos são úteis e de boa qualidade –, mas é preciso uma reflexão mais aprofundada do motivo de certas ações.

Uma universidade pode continuar exatamente como está e ainda assim subir em um ranking, porque as concorrentes pioraram ou porque simplesmente se esqueceram de enviar algum dado importante. Ações internas positivas, como contratar formalmente pós-doutores que já se encontram atuando na instituição, aumentaria o número oficial de cientistas “da casa”, reduzindo a razão artigo/pesquisador, um indicador que pode entrar na composição de rankings. Essas hipóteses, que podem não estar muito distantes da realidade, servem para mostrar que, ao fim e ao cabo, a análise do que é bom ou ruim vem mesmo de dentro da comunidade, através de uma autoavaliação.

Já existe um movimento organizado de universidades holandesas (UNL) visando a adoção de uma postura mais crítica em relação aos rankings universitários globais, mas, por enquanto, na Holanda, somente a UU tomou uma atitude mais objetiva. Nos Estados Unidos, importantes instituições como Columbia, Harvard e Yale já registraram publicamente o descontentamento com rankings. A revista Science publicou o editorial “Revolta contra rankings acadêmicos”.

Assim como em grupos de escolas onde pais e mães combinam de continuar dando presentes para os professores mesmo que os filhos tenham já 18 anos de idade, pode ser que as universidades continuem participando dos rankings só para não ficar de fora e escapar de um eventual cancelamento pelos meandros das redes sociais. Às vezes, porém, basta uma universidade importante deixar de dar importância para essas classificações para vermos que era só uma minoria que realmente levava isso a sério.

Marcelo Yamashita é professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência

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