Jacques Lacan, o oráculo da impostura

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2 jan 2023
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A historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco refere-se a Jacques Lacan (1901-1981) como o “último grande pensador da aventura intelectual” psicanalítica. É no mínimo curioso, portanto, que acusações de charlatanismo, obscurantismo deliberado e vacuidade intelectual tenham-no perseguido ainda em vida, e persistam – de fato, acumulem-se cada vez mais – décadas depois de sua morte.

A comparação da psicanálise com uma religião não é nenhuma novidade entre os seus críticos. E especialmente a comparação do lacanismo com uma espécie de seita vem de ninguém menos que Maria Pierrakos: a estenotipista que registrou os discursos de Lacan durante doze anos, no auge do sucesso de seus seminários, e que escreveu um pequeno livro chamado A "batedora" de Lacan, onde expõe justamente a sua visão privilegiada sobre as aulas do mestre.

Ao longo de uma carreira profissional que lhe permitiu presenciar várias figuras ilustres, eis o que nos diz sobre o exótico psicanalista francês:

"Desde o primeiro momento, tive a impressão de um logro, de uma ilusão. Jamais, em tempo algum, nenhum dos personagens que desfilaram diante de mim, nem mesmo o sinistro médico-legista que se apresentou para os coronéis gregos diante da Comissão dos Direitos Humanos em Estrasburgo, nenhum me causou a impressão de impostura, impressão jamais desmentida ao longo dos anos.

"A impostura revelava-se no ser monstruoso representado pela entidade Lacan/auditório, par perverso que comungava numa linguagem secreta e em ritos sectários, por um lado desvelando mistérios; por outro, a submissão e a adoração. O murmúrio orgástico aplaudindo os ditos espirituosos do grande homem, os movimentos varrendo a massa no momento de um achado, o abandono desse grande corpo às ondas provocadas pela voz do Mestre, havia lá alguma coisa de quase obsceno para aqueles que, como eu, não participavam da comunhão, estando na posição de observador.

"A estenotipista deve ser um instrumento fiel e silencioso, ela deve ser o mais transparente possível; sua existência só deve ser manifestada pela qualidade de seus relatórios. Contudo, essa existência não é totalmente negada: do ministro afável ao sindicalista resmungão - ou vice-versa - meus colegas e eu encontramos todos os graus de cortesia comum. Porém, a medalha de ouro em matéria de boçalidade, confiro-a solenemente a Jacques Lacan que, em doze anos, não me dirigiu uma única vez a palavra (tudo era intermediado pela gentilíssima tesoureira da Escola Freudiana)".

Como se vê, a opinião de Maria Pierrakos não é nada favorável a Lacan e seus sectários. E do ponto de vista histórico estamos diante de uma testemunha praticamente ideal: pois ao mesmo tempo em que presenciou mais aulas do que provavelmente qualquer aluno de Lacan, não estava emocionalmente envolvida pelo mestre, que descreve, basicamente, como um impostor. E apesar de ser uma obra curta e bastante despretensiosa, em seu livro é capaz de resumir em poucas palavras o obscurantismo pseudomístico do discurso lacaniano, bem como o clima de fanatismo religioso dos seus seminários:

"... um outro procedimento atuava ainda no seminário, ou seja, o uso de fórmulas sibilinas, abissais, desencadeia uma excitação na interpretação: o real é o impossível; a mulher, isso não existe; existe o Um; não existe relação sexual etc".

De fato, esse talvez seja o principal mecanismo da sedução lacaniana: usando fórmulas paradoxais e incompreensíveis, ele sabia envolver o discurso em uma aura de mistério e falsa profundidade que, como realça Maria Pierrakos, sempre foi algo fascinante ao ser humano: 

"O homem sempre amou as fórmulas misteriosas e venerou seus intérpretes. O papel dos grandes sacerdotes de Delfos era interpretar o oráculo; o papel dos grandes sacerdotes de Epidauro – dos quais somos os descendentes, a partir de Freud – era interpretar os sonhos dos doentes. Porém, Lacan não se satisfez, enquanto bom analista, em ser intérprete, ele assumiu o lugar do deus ou da esfinge ou da Pítia, ele é a Pítia e o grande sacerdote; ele diz o enigma e ele o resolve".

Não obstante, se Lacan era propositalmente obscuro na forma de expressar e interpretar seus próprios oráculos, qual seria exatamente o conteúdo do seu discurso que foi capaz de atrair tantos jovens intelectuais?

Para esclarecer esse aspecto do problema, a obra de François Roustang – um ex-aluno que posteriormente veio a se "desconverter" do movimento – é de extrema relevância. A seguir exponho algumas considerações que faz em seu livro Lacan, do equívoco ao impasse, na primeira seção onde ele se questiona justamente sobre Porquê o seguimos durante tanto tempo?

"Como se sabe, ele [Lacan] estabeleceu elos entre, de um lado, a psicanálise e, de outro, a filosofia, a etnologia, a linguística, a matemática, a etologia e até mesmo a teologia. Daí a impressão de que ele realizava, numa época de especializações, o que só havia sido possível nos séculos precedentes, uma síntese de todos os conhecimentos, uma reaparição do bonnête homme.

"Assim é que, desde 1968, havia-se difundido uma crença excessiva que fazia de Lacan o detentor do grande segredo, aquele que ia ser capaz de fazer ou refazer a unidade do conhecimento".

Sendo assim, ao abordar as mais diversas disciplinas, Lacan soube imprimir em seu discurso a aparência de um certo universalismo no qual todas as ciências seriam convocadas para fazer uma revisão epistemológica da psicanálise: e isso se demonstra, por exemplo, na sua tentativa de associar a linguística de Ferdinand Saussure e o estruturalismo de Claude Levi-Strauss às teorias de Freud, ou as filosofias de Hegel e Heidegger. Nesse sentido, numa "época de especializações", o grande truque de Lacan foi vender a imagem de que ele estaria fazendo a "síntese de todos os conhecimentos" – a restauração da unidade da ciência, e não apenas da psicanálise –, ou pelo menos essa teria sido a impressão transmitida aos seus discípulos: a ilusão de que Lacan seria o portador do "grande segredo".

No entanto, ao invés de uma “releitura” epistemológica da psicanálise através da filosofia, Lacan tentou justamente o contrário: colocar a própria psicanálise como a filosofia suprema, da qual ele mesmo seria o mestre supremo, como explica Roustang:

"A abertura para o exterior transformou-se aos poucos na certeza de que qualquer coisa podia vir a encontrar, nessa Escola e sob a orientação desse mestre, a luz que lhe faltava. Houve uma espécie de retorno: todos os conhecimentos, que se tratou de interrogar a princípio, só desempenharam depois um papel de segundo plano, que visava a evidenciar aos olhos de todos a superioridade da psicanálise. Uma pretensão incomensurável de ser o dono da verdade, já tão difundida entre os psicanalistas de todas as correntes, tornava possível um terrorismo intelectual que selava os lábios de todos os que confessavam não compreender e que ousavam não aprovar tudo quanto se dizia ou acontecia.

"Se seguimos Lacan, é porque ele foi um prestidigitador de gênio. Ele havia a princípio convocado todas as disciplinas, pedindo-lhes que o ajudassem a tirar a psicanálise de sua clausura. Contudo, mal elas se aproximavam, tratava-as como doentes; elas só mostravam então ao grande médico (ele só via nelas) suas chagas, seus defeitos, seus limites. Como a psicanálise se havia tornado, nesse meio-tempo, uma especialista incomparável em chagas, defeitos, hiâncias, falhas e outros gêneros de imperfeições, isso equivalia a dizer que, conhecedora da falha das falhas, ela passava a ser, de agora em diante, a disciplina das disciplinas, ou seja, a ciência das ciências.

(...)

"Ao assumir a posição de mestre e ao produzir alunos que deviam permanecer indefinidamente nessa situação, Lacan já não era apenas aquele em quem o saber é um pressuposto; sabia e pretendia até ser o único a saber. Quantas vezes, efetivamente, não nos repetiu ele que, acerca desta ou daquela questão, não podíamos ultrapassar o ponto a que havia chegado, e que, para avançar um pouco mais, teríamos de aguardar que ele se dignasse a dar um passo à frente. Não se podia nem pensar em desautorizar o seu saber, que ele convertera num marco intransponível".

Portanto, além de exercer uma forma de terrorismo intelectual sobre seus alunos – do tipo “se você não me seguir eu não vou te contar o grande segredo” –, para se tornar essa espécie de mestre absoluto, Lacan basicamente tentou colocar a psicanálise acima de todas as ciências, e a si mesmo acima de Deus.

Mas seria muita ingenuidade entender os discípulos de Lacan somente como figuras passivas em todo esse processo de histeria coletiva ocorrida ao longo de seus Seminários. Por mais paradoxal que isso possa parecer, não apenas aquele que engana, mas os enganados também devem exercer algum papel ativo na própria enganação: como uma hipnose que não funciona sem o consentimento da vítima.

Lembremos que Maria Pierrakos não atribui o qualitativo de impostura apenas a Lacan, e sim ao "par monstruoso Lacan/auditório"; enquanto o psicanalista Cornelius Castoriades, referindo-se ao livro de François Roustang que acabamos de citar, também chega à mesma consideração: "O que Roustang quer dizer deixa-se resumir facilmente no seguinte: sim, o lacanismo é monstruoso. Sim, Lacan e os lacanianos formam um círculo alienado e alienante (...)".

Outro excelente trabalho que explora esse aspecto do “caso Lacan” é um artigo escrito pelos acadêmicos Filip Buekens e Maarten Boudry, intitulado The Dark Side of the Loon: Explaining the Temptations of Obscurantism (O lado escuro do lunático: explicando as tentações do obscurantismo). De forma geral, os autores identificam não apenas os truques utilizados pelo mestre obscurantista na sua forma de ensinar, como também os mecanismos psicológicos que, da parte daqueles que recebem o ensinamento, contribuem para a aceitação do discurso obscurantista.

Por "obscurantismo" os autores compreendem um movimento deliberado no qual o sujeito elabora um complexo jogo verbal de espelhos e fumaça para sugerir profundidade e insight onde não existem. A acusação é de que o obscurantista não tem nada de significativo para dizer e realmente não compreende a complexidade do assunto que está tratando mas, mesmo assim, quer manter as aparências. Consequentemente, essa promessa de atingir um conhecimento profundo mantém seus interlocutores cativos em uma busca permanente de compreensão.

Os autores identificam duas maneiras pelas quais o mestre obscurantista tenta blindar sua teoria contra qualquer forma de crítica: através de estratégias imunizadoras e mecanismos epistêmicos de defesa.

A estratégia imunizadora consiste de elementos que não são essenciais à teoria proposta pelo mestre, mas que são utilizados justamente para reforçá-la em relação às críticas: como, por exemplo, o relativismo radical a respeito da verdade ("a verdade é sempre relativa a um discurso, então, se você critica Lacan, os seus argumentos perdem o sentido porque você está falando de um tipo diferente de discurso"), certas formas de construtivismo social ("todo discurso cria sua própria versão do mundo, então a sua crítica não se aplica ao meu paradigma"), ou falácias em geral (argumentos ad hominem, espantalhos, falsos dilemas etc).

Já os mecanismos epistêmicos de defesa são elementos internos à teoria que tornam a tese obscurantista praticamente irrefutável. Por exemplo: se você procura expor a falsidade do discurso lacaniano, então você não compreendeu que "a verdade tem uma estrutura de ficção"; e se você o acusa de nunca fornecer respostas definitivas é porque você não captou que "o significante remete sempre a outro significante"; e se você argumenta que sua teoria é ilógica e incompatível com a realidade, então você ignora que o real é "impossível", "sem lei", "sem ordem", etc.

Em relação aos discípulos do obscurantista, os autores identificam dois mecanismos psicológicos que alimentam a teoria: o que eles chamam de caridade interpretativa e a aversão à perda.

A caridade interpretativa (ou "acomodação racional") consiste basicamente no seguinte: quando ouvimos um discurso sobre um assunto que não compreendemos, tendemos a supor que, no mínimo, o emissor do discurso o compreende; dessa forma, quando não compreendemos algo, presumimos que isso se deve à nossa própria ignorância, e assim buscamos reconstruir uma interpretação mais caridosa sobre o que foi dito, conforme a própria natureza cooperativa da comunicação. Nesse sentido, se de fato não é possível aceitar completamente uma teoria antes de entendê-la, também é natural aceitarmos certos pressupostos da teoria antes de compreendê-la. Como explicam os autores, a estratégia obscurantista se fundamenta numa espécie de perversão desse mecanismo cognitivo: "a promessa velada é que você o compreenderá completamente – você irá apreender o significado escondido e adquirir um insight profundo – mas não antes de aceitar suas proposições".

A aversão à perda, por outro lado, também desempenha uma influência importante em todo esse processo. Como observam os autores, do ponto de vista racional não importa quanto tempo e esforço você investiu para estudar e interpretar o obscurantista, isso por si só não deveria afetar sua avaliação sobre o valor científico do conteúdo estudado. No entanto, não foi preciso o advento da psicanálise para nos ensinar que o homem nem sempre age conforme as motivações racionais. A simples vergonha de ter sido enganado já é o suficiente para acionar essa espécie de "mecanismo de defesa" pelo qual o intérprete ludibriado abusa da caridade interpretativa para escapar de admitir que, no final das contas, não havia nenhum significado profundo e tudo foi uma grande perda de tempo.

Ademais, como a teoria de Lacan é estruturalmente vaga, por assim dizer, – algo obscuro é algo que não possui nitidez, algo cuja forma não se define – ela estimula o intérprete a projetar significados que não estão efetivamente contidos em suas proposições. Assim, o indivíduo acha que está "interpretando" Lacan, quando na verdade ele mesmo está inventando sua própria "teoria”, baseada em Lacan.

Muito mais agradável do que lidar com a boa e velha aversão à perda – a "castração", como se diz –, ao "lacaniano" se oferece a possibilidade incrível de não se limitar a ser apenas um simples filósofo ou cientista no sentido tradicional, mas praticamente o intérprete de um oráculo: um dos poucos iluminados que conseguem compreender o mestre, tornando-se ele mesmo o portador do grande segredo.

Ainda sobre o obscurantismo lacaniano, vale conferir o artigo de Richard Webster intitulado The cult of Lacan – Freud, Lacan and the mirror stage. Além de exemplificar as diversas desonestidades intelectuais do mestre, o autor relata alguns depoimentos de pessoas que conviveram com Lacan ou leram seus escritos na época em que foram publicados. Entre eles encontra-se outro ex-aluno de Lacan, chamado Didier Anzieu, que em 1967 condena seu professor por manter os seus alunos aprisionados a uma "dependência interminável de um ídolo, uma lógica ou uma linguagem, estendendo a promessa de revelar verdades fundamentais mas apenas em um momento posterior, e apenas àqueles que continuarem viajando com ele".

Ademais, Webster ressalta o efeito intimidador do obscurantismo lacaniano:

"(...) Para leitores preocupados com os seus próprios poderes intelectuais o seu hábito [de Lacan] de se referir ao arcano, ou a teorias pessoais e indiossincráticas como se elas fossem ortodoxias familiares, irá quase certamente intensificar sentimentos de insegurança intelectual. Dessa forma, a prosa de Lacan pode conquistar o leitor pelo seu poder absoluto de constranger e intimidar. O poder intimidatório de suas formulações é intensificado pela absoluta obscuridade de sua prosa. (...)".

Em contrapartida, se Lacan conseguia conquistar os jovens estudantes intelectualmente inseguros e despreparados, o mesmo não acontecia entre os seus pares. Numa biografia de Lacan publicada em 1997, Elisabeth Roudinesco conta que:

"Lacan escandalizou todo mundo ao responder a uma questão sobre o pensamento feita por Noam Chomsky. 'Nós pensamos que pensamos com nossos cérebros', disse Lacan. 'Mas eu particularmente penso com os meus pés. Essa é a única forma que eu entro em contato com algo sólido. De fato eu ocasionalmente penso com a minha testa, quando esbarro em algo. Mas já vi eletroencefalogramas suficientes para saber que não há o menor traço de pensamento no cérebro'. Ao ouvir isso, Chomsky concluiu que ele devia ser um louco. (...)".

Em uma entrevista concedida em 1989 à revista “Radical Philosophy”, Chomsky elaborou sua visão de Lacan:

“Minha opinião sincera é de que se tratava de um charlatão consciente, e estava apenas pregando peças na comunidade intelectual de Paris, para ver quanto de absurdo era possível produzir e ainda assim ser levado a sério. E digo isso literalmente. Eu o conhecia. Se você o levasse a sério era meio vergonhoso, então era preciso presumir que alguma outra coisa estava acontecendo, num nível que não dava para entender direito”.

Como se vê, três testemunhas completamente independentes fornecem a mesma visão sobre Lacan: considerado como uma espécie de charlatão intelectual por Noam Chomsky, e um pseudoguru por Maria Pierrakos e François Roustang. Além disso, Buekens, Boudry e Webster descrevem algumas das falácias teóricas e dos mecanismos psicológicos por trás do culto lacaniano. Não obstante, qual seria a visão que alguém de fora das “ciências humanas” poderia ter sobre a obra de Lacan?

Nesse sentido, o livro dos acadêmicos Alan Sokal e Jean Bricmont – ambos especialistas em matemática e física – chamado Fashionable Nonsense: Post Modern Intellectuals Abuse of Science, é extremamente valioso para responder essa questão, uma vez que o seu objetivo é demonstrar justamente os diversos abusos teóricos que certos intelectuais franceses, denominados "pós-modernos", fazem das ciências naturais, entre eles o Sr. Jaques Lacan.

De forma específica, os autores se concentram em demonstrar os abusos teóricos com relação à matemática, uma vez que, durante praticamente todo o seu ensino, Lacan procura fazer associações entre conceitos matemáticos e psicológicos, como no exemplo a seguir:

"Se vocês me permitirem usar uma dessas fórmulas que me ocorrem enquanto escrevo as minhas notas, a vida humana poderia ser definida como um cálculo em que zero fosse irracional. Essa fórmula é apenas uma imagem, uma metáfora matemática. Quando eu digo 'irracional', eu estou me referindo não a um estado emocional insondável, mas precisamente ao que é chamado de número imaginário".

Como os autores ressaltam, ao mesmo tempo em que se gaba de ser "preciso", Lacan confunde duas entidades matemáticas absolutamente diferentes: o número irracional e o número imaginário. Não obstante, o que a vida humana poderia ter a ver com "um cálculo em que zero fosse irracional"? Lacan não fornece nenhum argumento para justificar tal estupidez – o que também seria impossível, uma vez que ele simplesmente não domina os conceitos utilizados.

Nesse sentido, trata-se de um exemplo daquilo que os autores definem como o principal problema entre os intelectuais pós-modernos: seus discursos teóricos desconectados de qualquer fundamentação empírica e frequentemente desprovidos sequer de lógica interna. A “teoria” de Lacan nada mais é do que uma salada mista de outras teorias filosóficas mal digeridas e ressignificadas conforme o capricho do oráculo parisiense. Ele aplica a estética literária do surrealismo e do dadaísmo a conceitos “roubados” (de forma inepta) de áreas como matemática e linguística, acrescentando à receita termos da moda intelectual francesa dos anos 50-60, como “estrutura”, por exemplo no aforismo "o inconsciente é estruturado como uma linguagem".

Por fim, se uma imagem vale mais do que mil palavras, temos a oportunidade de ver o próprio Lacan encenando o seu teatro dadaísta diante das câmeras, em duas gravações antigas que estão disponíveis no YouTube. A primeira é uma “entrevista” dirigida pelo seu genro Jaques Alain Miller; enquanto a outra é a gravação de uma conferência que Lacan realizou na Universidade Católica de Louvain, em 1972.

Em ambas nós vemos exatamente o que Sokal e Bricmont descrevem sobre as “teorias” pós-modernistas: um discurso desconectado de qualquer referência empírica e desprovido de lógica interna. A arrogância lacaniana é diretamente proporcional ao obscurantismo: ao mesmo tempo em que deseja posar como um grande intelectual, Lacan não fala e nem age como um intelectual que propõe uma determinada tese e a defende com evidências e argumentos lógicos, mas como um oráculo que canaliza uma mensagem do “inconsciente”. Enquanto um intelectual normal adapta a sua linguagem de acordo com o público a que se dirige, e tem a preocupação de ser compreendido, Lacan quer transmitir a impressão de que possui uma “verdade” tão profunda que é necessário inventar uma nova “linguagem”. E assim é o público que, intimidado, esforça-se para imbuir de sentido um discurso sibilino e surrealista.

 

Vinny Oliveira Carvalho de Melo é filósofo e psicólogo pós-graduado em saúde mental

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