As palavras têm poder. Historicamente, a oratória e sua “irmã”, a retórica, foram usadas para convencer as pessoas sobre praticamente tudo, tendo sido a base do trabalho de advogados, políticos, filósofos e poetas. Assim, não é de surpreender que charlatões e picaretas de todo tipo também tenham lançado mão delas para persuadir o público, propalando os benefícios e a eficácia de seus produtos e serviços, de infusões milagrosas a previsões astrológicas.
Mais recentemente, porém, o desenvolvimento da sociedade capitalista levou ao surgimento de uma nova arte de lidar com as palavras, a publicidade, com seus slogans, jingles e bordões que “grudam” na cabeça dos consumidores e procuram direcionar suas escolhas. E, mais uma vez, os picaretas não ficaram para trás. Despidas de seu significado, palavras se transformam em ferramentas de marketing para propagandear todo tipo de alegação extraordinária. Que o diga o termo “quântico”, muitas vezes “roubado” da física para vender de coaches a colchões.
Diante disso, é bom ficar atento a algumas palavras e expressões “da moda” que pregadas em rótulos de produtos, anúncios e ofertas de serviços de saúde e bem-estar devem levantar suspeitas de que estamos lidando com uma pseudociência:
“Natural”
Comecemos então por uma clássica da enganação, a falácia do “apelo ao natural”. A intenção aqui é transmitir a ideia de que tudo que é “natural” é bom, em contraposição ao “artificial”, que seria ruim ou, ao menos, pior do que o que “vem da natureza”. Esquece-se, por exemplo, que muitos venenos são “naturais”, enquanto boa parte dos remédios que consumimos para tratar – e curar – os mais diversos sintomas e doenças são sintéticos, ou seja, “artificiais”. A ilusão de que o que é “natural” é melhor, mais saudável e seguro está por trás de um mercado bilionário que abrange desde produtos rotulados como “sem aditivos”, “sem conservantes”, “sem ingredientes artificiais” e outras expressões do tipo ao movimento em favor dos alimentos orgânicos e contra organismos geneticamente modificados.
“Superalimento”
Criado para descrever alimentos de alta densidade nutricional, isto é, ricos em determinados nutrientes, como vitaminas, minerais ou fibras, numa lista que vai de bagas exóticas ao tradicional alho, o termo acabou se tornando uma poderosa ferramenta de vendas para os mais variados produtos ditos “funcionais”. Só entre 2011 e 2015, mais que triplicou o número de produtos nas prateleiras e gôndolas de todo mundo que traziam em seus rótulos as palavras “superalimento”, “supergrão” ou “superfruta”. E embora alguns estudos indiquem que substâncias presentes nestes alimentos possam trazer benefícios para a saúde, sendo associadas a melhorias na circulação, redução da pressão sanguínea e ação antioxidante, traduzir estes resultados da bancada dos laboratórios para a vida real tem se mostrado um desafio. Assim, a recomendação dos especialistas ainda é focar menos em alguns poucos “superalimentos” e mais numa dieta variada e equilibrada.
“Detox”
Derivados da febre da alimentação saudável que impulsionou a onda dos orgânicos e superalimentos, os produtos e preparados “detox” prometem ajudar o corpo a se livrar de “toxinas”. O problema é que já temos três órgãos que fazem isso todos os dias, 24 horas por dia: os dois rins e, principalmente, o fígado. Multifuncional e multitarefa, o fígado é responsável por centenas de processos em nosso organismo, da síntese de proteínas e enzimas digestivas à “reciclagem” de hemácias (glóbulos vermelhos) mortas, produção de hormônios e dos aminoácidos que formam nosso DNA, e não há nenhuma evidência de que ele precise de ajuda externa para isso. Basta não sobrecarregá-lo (por isso não se deve tomar alguns remédios com álcool, já que ambos são metabolizados pelo fígado) e, novamente, manter uma dieta variada e equilibrada.
“Sem glúten”
Se você não tem doença celíaca ou a ainda muito mal compreendida sensibilidade ao glúten não-celíaca (SGNC), deixar-se seduzir pelo rótulo “sem glúten” muitas vezes só vai fazer com que pague mais caro por um produto talvez pior para sua saúde do que o “normal”. Nome genérico para toda uma família de proteínas presentes em grãos como trigo (gliadina e glutenina), aveia (avenina), centeio (secalina) e cevada (hordeína), o glúten é importante parte da dieta humana desde a Revolução Neolítica, há cerca de 11 mil anos, quando nossos antepassados trocaram a vida nômade de caçadores-coletores pela agricultura e o sedentarismo. Um estudo limitado, com poucos voluntários saudáveis, indica que a adoção de uma dieta sem glúten sem necessidade provoca alterações na flora intestinal, com redução das populações de bactérias benéficas e consequentes impactos na capacidade de absorção de nutrientes e estimulação do sistema imune.
“Imune”
Isso nos leva a outras alegações muito comuns nos rótulos de produtos de saúde e bem-estar, de que promovem o “fortalecimento” ou a “melhoria” do sistema imune. Acontece que o sistema imune é extremamente complexo, envolvendo a ação coordenada de inúmeras células e proteínas regida por diversos processos e mecanismos biológicos. Então, o quê o produto estaria “fortalecendo” ou “melhorando”? Os glóbulos brancos? Anticorpos? A verdade é que nada. Afora a vacinação, que prepara previamente o organismo para enfrentar vírus, bactérias e outros agentes causadores de doença, a única maneira comprovada de manter seu sistema imune realmente forte é ter um estilo de vida saudável, isto é, a velha receita de dieta equilibrada, atividade física regular e boas noites de sono.
“Energia”
Saindo dos produtos, chegamos à primeira palavra muito comum na oferta serviços de saúde e bem-estar. Várias das práticas da chamada medicina alternativa, como reiki, imposição de mãos, magnetoterapia, bioressonância e acupuntura, recorrem à suposta manipulação de algum tipo de energia – real, no caso do eletromagnetismo, ou fantasiosa, como o conceito de Chi na acupuntura – para explicar seus mecanismos de ação. Faltam, porém, evidências robustas de que qualquer uma delas funcione, muito menos da existência das “energias vitais” ou outras propriedades metafísicas que dizem se basear. Então, se alguém ou algum produto afirmar que vai “mexer” com a sua “energia”, pode ficar com os dois pés para trás, pois é quase certo que se trata de uma pseudociência.
“Holístico”
Outra informação que aparece muito nas ofertas de medicina alternativa é de que são práticas “holísticas”. Embora o conceito do holismo, ou não reducionismo, de que “o todo é maior que a soma das partes”, seja filosoficamente válido, esta noção não pode ser traduzida diretamente do mundo das ideias para a realidade física. Ignorando isso, porém, estas práticas, que incluem da homeopatia à antroposofia, passando pela terapia neural, se propõem a tratar os pacientes sob diversos aspectos - psicológico, familiar, social, ético e espiritual - para a promoção de sua saúde ou cura, acreditando que o desequilíbrio em uma destas áreas afeta todas as outras. E claro, mais uma vez, não apresentam qualquer evidência de boa qualidade de sua eficácia. Um outro exemplo disso é a chamada “Constelação Familiar”, que ainda junta conceitos da física e um fantasioso “campo morfogenético” em sua salada pseudocientífica.
“Integrativo”
Aí chegamos na última palavra que serve como “guarda-chuva” para muitas pseudociências e tratamentos alternativos. Tanto que a iniciativa que as contempla no Sistema Único de Saúde (SUS), a “Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares” (PNPICs), a inclui. Então fique atento: falou que faz “medicina integrativa”, pode ter certeza que lá vem picaretagem.
Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência