Pesquisas são mais confiáveis do que qualquer "Datapovo"

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10 set 2022
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Enquetes de intenção de voto, conduzidas online, aparecem com frequência em períodos eleitorais. Não raro, esses levantamentos, compartilhados em pequenos círculos de amizade, discordam de resultados das pesquisas realizadas pelos grandes institutos, que têm ampla divulgação na mídia. Pesquisas eleitorais são parte do jogo político e podem, de fato, retratar o que seria o resultado da eleição no momento da consulta. Mas precisam ser bem conduzidas.

O que se busca em uma pesquisa de opinião é que ela se aproxime o máximo possível do que a população realmente pensa: neste caso, dos votos que serão dados no dia da eleição. Para isso, é essencial que as pessoas selecionadas para responder às perguntas sejam representativas da totalidade dos eleitores – suponha, por exemplo, uma pesquisa de intenção de voto para a prefeitura de uma cidade da pequena nação europeia da Islândia, mas conduzida em São Paulo. É bem provável que a maioria dos votos seja para a opção não sei, um resultado, obviamente, muito distante da realidade local do município islandês.

O caso hipotético da Islândia mostra um dos motivos da baixa confiabilidade das enquetes conduzidas nas redes sociais. A seleção do espaço amostral – o conjunto de pessoas que fará parte da sua pesquisa – não pode ser viciado. A coleta das informações deve contemplar um público que represente o Brasil: pessoas de diferentes regiões, gêneros, idades, escolaridades, níveis de renda etc. Quanto mais diverso o público, mais verossímil será a pesquisa.

Portanto, achar que é possível tirar conclusões confiáveis a partir da quantidade de pessoas presentes em uma manifestação do seu candidato é parecido a ir para a quadra de uma torcida organizada de time de futebol, olhar para os lados e concluir que todo o país torce para o seu clube.

Mesmo considerando que as pesquisas sejam feitas de modo absolutamente correto, ainda é possível que duas delas, tentando retratar o mesmo momento, deem resultados diferentes. A apresentação da pesquisa depende de uma análise estatística de dados, e o erro estatístico, gerado pelo acaso, sempre pode aparecer – apesar de a probabilidade ser baixa, é possível, por exemplo, ao lançar dez dados perfeitamente honestos, obter dez faces com o mesmo número e concluir (falsamente, no caso) que os dados estão viciados. Essa incerteza da própria medida é descrita pela margem de erro que acompanha os resultados.

O cálculo da incerteza dos dados depende de questões técnicas como o tipo da distribuição da amostra e o número de dados da pesquisa, por exemplo. A incerteza ou o erro, como aparece nos veículos de imprensa, define uma região dentro da qual existe uma certa probabilidade para que o resultado de uma próxima medição (mantendo a metáfora, um próximo lance de dados), feita sob as mesmas condições, caia nesse intervalo.

Quando uma pesquisa eleitoral diz que um candidato tem “50 pontos e a margem de erro é 2 pontos para mais ou para menos”, isso significa que, se uma outra pesquisa, sob as mesmas condições, for conduzida, existe uma probabilidade maior de se encontrar o novo resultado no intervalo de 48 e 52 pontos do que fora dele. Nada impede, porém, que a próxima medição dê um resultado fora dessa região, por uma razão puramente estatística.

Existem ainda outras questões mais sutis que também podem interferir no aumento da confusão da população em relação às pesquisas. A margem de erro, por exemplo, não é algo independente do porcentual de intenção de voto. A incerteza de dois pontos porcentuais, atribuída de maneira uniforme a todos os resultados, é uma estimativa grosseira, pois o erro é maior para candidatos com maior intenção de voto do que para os menores. Pesquisas conduzidas presencialmente ou por telefone também tendem a apresentar uma diferença considerável de resultados. Esta e outras questões metodológicas podem indicar o porquê de grandes diferenças entre resultados de institutos diferentes.

É importante considerar também que os institutos de pesquisa prestam serviços, sob demanda, para vários clientes. Embora deva haver, no momento de contratação, um compromisso de divulgação dos resultados, é bem possível que um candidato não divulgue uma pesquisa, encomendada pelo seu comitê de campanha, onde ele se saia mal. A divulgação apenas de pesquisas favoráveis pode gerar um “viés de divulgação” que alimenta a guerra de narrativas políticas.

Compreender as questões de um espaço amostral representativo e da incerteza já poderia eliminar boa parte das discussões irracionais que pipocam nas redes. Política, porém, é uma disputa de discursos de convencimento sem que necessariamente sejam razoáveis ou coerentes. Neste caso, cabe a fala Upton Sinclair, epígrafe do livro “Negacionismo”, de Carlos Orsi [editor-chefe desta revista]: “É difícil conseguir que um homem entenda algo quando o salário dele depende de não entender”.

 

Marcelo Yamashita é professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência

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