O avanço do extremismo político e a consequente polarização do público mundo afora colocam em risco a democracia. Outrora a prática da conciliação e do compromisso em torno do bem comum e interesses coletivos da sociedade, a política deste início de século 21 está se tornando um campo de batalha em que opositores passam a ser vistos como inimigos a serem subjugados ou aniquilados, no lugar de adversários a serem convencidos ou respeitados.
Preocupados com isso, cientistas e especialistas em psicologia social e comportamento buscam maneiras de ajudar a desarmar o debate, desenvolvendo intervenções que promovam a aproximação das partes e diminuam a radicalização. E agora 25 destas intervenções de “despolarização” – incluindo desde vídeos, textos, áudios e jogos a sessões guiadas de meditação e conversa – foram colocadas à prova em um mega-experimento controlado, envolvendo mais de 32 mil pessoas nos EUA.
Organizado como um “torneio”, o estudo, conduzido por pesquisadores liderados por Robb Willer e Jan Gerrit Voelkel, do Laboratório de Polarização e Mudança Social do Departamento de Sociologia da Universidade Stanford, EUA, testou e comparou a eficácia das diferentes estratégias tendo como desfechos principais a redução da animosidade partidária e do apoio à violência política e a atitudes antidemocráticas entre os participantes, aferida por questionários e testes, e teve seus resultados publicados em artigo preliminar, e ainda não revisado por pares, divulgado em 16 de agosto último pela instituição.
Segundo os cientistas, 23 das 25 intervenções do “torneio” se mostraram capazes de reduzir a animosidade partidária dos participantes – todos eleitores americanos que se identificaram como democratas ou independentes com tendências democratas, ou republicanos ou independentes com tendências republicanas - na comparação com o grupo de controle. As intervenções mais poderosas conseguiram reverter em cerca de 50% o crescimento observado na hostilidade entre republicanos e democratas nos últimos 40 anos. Outras seis atuaram de forma significativa na redução do apoio a atitudes antidemocráticas, e cinco sobre o apoio à violência política.
Os efeitos, porém, variaram muito, e por vezes foram até paradoxais. Uma das intervenções mais eficazes na redução do apoio a atitudes antidemocráticas, por exemplo, acabou por estimular a violência política entre os eleitores republicanos. E embora os achados sejam limitados ao cenário político americano, marcado por um bipartidarismo histórico, eles podem ser úteis para a elaboração e aplicação de intervenções similares em países com realidades políticas mais complexas que também estão sofrendo com a radicalização e polarização que ameaçam a democracia, como o Brasil sob a Presidência de Jair Bolsonaro.
“De uma forma geral, a base das intervenções é a mesma, qualquer que seja o contexto político”, disse Voelkel em entrevista à Revista Questão de Ciência. “Reforçar o compromisso com princípios democráticos, promover uma visão realista das crenças dos outros, sem preconceitos ou vieses, e informar-se sobre as consequências de um colapso real da democracia são intervenções poderosas, com potencial de funcionar em diferentes contextos. Mas para saber isso é importante dar prosseguimento ao nosso trabalho, testando o impacto delas sob outras realidades políticas, outros países, ver que estratégias funcionam e saber mais sobre as causas dos sentimentos antidemocráticos”.
Seleção e comparação
O experimento começou com uma seleção das intervenções, num chamado global que atraiu 252 propostas vindas de 419 autores de 17 países. Os proponentes puderam indicar quais dos três desfechos primários seriam os alvos das suas intervenções - se a animosidade partidária, o apoio à violência política ou a atitudes antidemocráticas, ou uma combinação deles. A grande maioria das intervenções focou na redução da animosidade partidária: 86% das 252 propostas e 96% das 25 selecionadas tinham este parâmetro como um de seus alvos. Assim, se por um lado isto contribuiu para que os resultados neste braço do experimento fossem mais robustos, por outro demonstrou como as pesquisas em despolarização ainda estão muito concentradas na animosidade partidária.
Mas os pesquisadores também colheram dados para outros cinco desfechos secundários que consideraram relevantes no atual cenário político americano: apoio a candidatos com discursos antidemocráticos; oposição à colaboração e iniciativas bipartidárias; desconfiança na sociedade e nas pessoas em geral; distanciamento social e resistência a contato com pessoas do outro partido; e julgamento enviesado de fatos políticos, como a crença em alegações sem provas de fraudes eleitorais. Segundo eles, isso permitiu que fossem além da animosidade partidária como foco padrão das pesquisas sobre despolarização, e também como todas estas questões se inter-relacionam.
“Ao usar um único experimento com medições consistentes e a mesma amostra populacional para todas as intervenções, permitimos a identificação não só dos efeitos absolutos das intervenções testadas como comparações da eficácia das intervenções relativas umas às outras”, escrevem os autores no artigo preliminar sobre o estudo.
As intervenções escolhidas para o “torneio”, enviadas por pesquisadores e acadêmicos de diversas áreas das ciências sociais, como psicólogos, cientistas políticos, sociólogos, comunicólogos, economistas e outros, adotavam estratégias variadas, entre elas demonstrações de, ou estímulo a, contatos interpartidários; exibição de exemplos positivos de indivíduos do partido oposto; invocar as visões de líderes influentes; descrição de outras formas de identidade de grupo interpartidárias; correção de percepções equivocadas sobre pessoas do partido oposto; e mostrar indivíduos pró-democracia como mais “típicos”, ou os com atitudes antidemocráticas como extremistas.
Já a amostra foi obtida junto a três empresas especializadas em pesquisas via internet - Bovitz-Forthright (19%), Luth (18%) e Dynata (63%), num trabalho coordenado pela primeira. Antes das intervenções, os participantes foram submetidos a uma série de testes e questionários online que avaliaram sua capacidade de atenção e compreensão, além de darem seu consentimento e informações sobre suas características demográficas e inclinações políticas.
Cumpridos os critérios de inclusão, eles foram então divididos aleatoriamente (randomizados) em 27 grupos homogêneos entre si: 25 para avaliar os impactos da exposição a cada uma das intervenções; um grupo de controle nulo, que pulou direto para os testes que avaliaram seus níveis de animosidade partidária e os outros desfechos definidos no estudo; e um grupo de controle alternativo, que antes de responder a estes mesmos testes tiveram que ler um texto explicando a estrutura de governo de Estados democráticos divididos em três Poderes independentes, Executivo, Legislativo e Judiciário.
Aplicação e efeitos
A aplicação das intervenções seguiram basicamente um mesmo formato. Em geral, antes de cada uma, os participantes são instados a escolher se querem prosseguir como republicanos ou democratas, e quando as intervenções incluíam textos e/ou questionários, lê-los e respondê-los sob o ponto de vista escolhido, às vezes também convidando para compartilhar sua experiência com outras pessoas. Após realizarem as tarefas, os participantes dos diferentes grupos de “tratamento” tiveram sua posição quanto aos três desfechos principais e cinco secundários aferida com os mesmos testes respondidos pelos grupos de controle.
Segundo os pesquisadores, duas estratégias se destacaram como as mais eficazes na redução da animosidade partidária: mostrar de forma positiva relações de pessoas com diferentes posições políticas e ressaltar elementos de identidade comum interpartidária, como o apreço à democracia e a confiança nas instituições.
A primeira foi usada pela intervenção com o maior efeito neste parâmetro, “Contact Project”, que ilustrou a importância de furar “bolhas” de informação e as “câmaras de eco” das mídias sociais, em que as pessoas interagem apenas ou majoritariamente com outras com opiniões similares. Nela, os participantes foram convidados a assistir “World’s Apart”, um comercial britânico produzido em 2017 para a Heineken.
Idêntico sob qualquer ponto de vista que tivessem escolhido participar da pesquisa, o vídeo mostra pares de pessoas que discordam sobre temas como mudanças climáticas, feminismo e identidade de gênero se conhecendo e trabalhando juntas para depois decidirem se discutem suas diferenças de opinião bebendo uma cerveja. Depois de ver o comercial, o participante deveria responder corretamente duas de três perguntas sobre o conteúdo do vídeo para confirmar ter prestado atenção nas discussões exibidas, e então escolher se compartilhava o comercial, ou uma de três opções de texto, com um partidário da visão oposta à sua.
Os pesquisadores relatam no artigo que esta intervenção conseguiu reduzir o nível de animosidade partidária entre os participantes deste braço do estudo em pouco mais de 10 pontos numa escala de 100. Pode não parecer muito, mas Voelkel frisa que ela representa cerca da metade do crescimento da visão desfavorável de integrantes de partidos opostos observado em pesquisas ao longo dos últimos 40 anos nos EUA, com testes conduzidos duas semanas depois da realização da tarefa indicando também mudanças comportamentais e duradouras nos sujeitos.
“Saber se podemos mudar a visão das pessoas sobre seus rivais políticos é a grande questão, e este experimento mostrou que podemos fazer isso de maneira significativa”, considerou o pesquisador. “A lembrança de que, como seres humanos, temos mais em comum do que diferenças provocou uma mudança sustentável no tempo, e também comportamental, como mostrado em um jogo econômico no qual os participantes decidiam se dariam uma pequena quantia de dinheiro a um participante do outro partido na pesquisa”.
Algumas das intervenções também tiveram impactos significativos e mensuráveis sobre os outros dois desfechos primários – redução do apoio a atitudes antidemocráticas e à violência política -, apesar de seus efeitos não terem sido tão acentuados quanto os observados sobre o anterior. No caso da redução do apoio a atitudes antidemocráticas, as duas intervenções mais eficazes usaram estratégias bem diferentes das mais bem-sucedidas na animosidade partidária.
A primeira, “Misperception Democratic”, se baseou em pesquisas recentes indicando que republicanos e democratas têm noções muito equivocadas sobre a visão de seus opostos no espectro político em torno de diversos assuntos, de seu perfil demográfico e socioeconômico ao radicalismo de suas posições, e que corrigir estes preconceitos ajuda a diminuir a polarização. Assim, a intervenção perguntou aos participantes quais achavam ser os níveis de apoio entre os opositores a práticas antidemocráticas, como a rejeição dos resultados de eleições e o uso da violência ou reinterpretação do texto constitucional para barrar leis e decisões judiciais, mostrando que pesquisas de opinião apontam que são bem menores do que muitos imaginam.
Já a segunda, “Democratic Fear”, encorajava os participantes a considerar as consequências potencialmente dramáticas e caóticas de um colapso da democracia com a exibição de um vídeo com imagens vívidas de violência e repressão contra manifestantes em países onde crises políticas nos últimos anos descambaram para ditaduras ou regimes de exceção, como Zimbábue, Venezuela, Rússia e Turquia, para depois questionar se o mesmo poderia acontecer nos EUA, mostrando então cenas da invasão do Capitólio, a sede de Poder Legislativo do país, por partidários do ex-presidente Donald Trump em janeiro de 2021.
A seguir, eles tiveram que confirmar a leitura de frases reafirmando valores de uma democracia forte, a importância do diálogo e o repúdio à violência política para então responder breve questionário sobre o quão ruim, ou bom, para a democracia consideram atitudes como uso da violência para atingir objetivos políticos ou contra opositores, rejeitar resultados de eleições desfavoráveis, ignorar decisões judiciais emitidas por magistrados nomeados por políticos adversários ou perseguir jornalistas.
Curiosamente, esta mesma intervenção teve um efeito indesejado no apoio à violência política, notadamente entre os eleitores republicanos. Os autores especulam que isso se deu porque muitos deles consideram os distúrbios de 6 de janeiro de 2021 um protesto legítimo, e para Voelkel é um indicativo de que o campo de estudos sobre despolarização precisa deixar de lado o foco na animosidade partidária e a ideia de que reduzi-la terá impacto positivo em outras atitudes e opiniões relacionadas à política.
“Um achado muito interessante de nosso estudo é que as pessoas frequentemente pensam que os diferentes desfechos são basicamente a mesma coisa, mas o que vimos é que as reduções da animosidade partidária, do apoio a atitudes antidemocráticas ou à violência política não caminham necessariamente juntas”, disse. “Então, uma lição que tiramos deste experimento é que precisamos desenhar as intervenções especificamente para o problema que queremos atacar, e ser cuidadosos para que elas não acabem piorando outro. Para as pessoas que estejam tentando fazer isso funcionar com campanhas para fortalecer a democracia para o público de massa, é importante pensar muito precisamente o que se quer mudar e como. Se você quer reduzir a animosidade partidária, nosso estudo identificou 23 intervenções que têm impacto nisso, algumas delas muito forte. Mas se seu interesse é reduzir o apoio à violência política, ou as atitudes antidemocráticas, você tem algumas opções que funcionam, mas que são diferentes das que serviram para a animosidade partidária. Não podemos esperar que uma intervenção sirva muito bem para tudo”.
Isso não quer dizer, no entanto, que as intervenções não possam ser refinadas para ampliar seu impacto. Um sinal disso é justamente a com melhor resultado na redução do apoio à violência política no “torneio”, intitulada “Misperception Film”. De forma similar à estratégia que apresentou maior redução no apoio a atitudes antidemocráticas, esta intervenção procurou corrigir visões equivocadas que as pessoas têm de outras no lado oposto do espectro político.
Para isso, no entanto, usou-se um vídeo com entrevistas com pessoas de ambos lados contando sua posição quanto a um tema particularmente controverso no país, imigração, numa escala de zero a cem, e perguntando onde achavam que os rivais se posicionariam na mesma escala. Após mostrar que ambos os lados na verdade convergem para o meio da escala, o vídeo prossegue com perguntas sobre quão “evoluídas” elas acham que são as pessoas do partido oposto, promovendo assim sua humanização.
Aplicação em grande escala
E esta é justamente outra importante contribuição do megaexperimento, considerou Voelkel. Segundo ele, do desenho aos resultados o estudo abre caminho para o desenvolvimento de intervenções eficazes e de grande alcance para lidar com a desinformação e a radicalização que estão colocando em risco a democracia em várias partes do mundo.
“Desenhamos o torneio de uma maneira que testamos intervenções que são muito facilmente escaláveis e não exigem muito esforço para serem aplicadas”, frisou. “Temos trabalhado de perto com organizações da sociedade civil que estão atuando em campo na tentativa de reconciliar os eleitores republicanos e democratas, para desenvolver intervenções que destaquem sua identidade comum e como podem se relacionar com as pessoas do outro lado, corrigindo noções errôneas que têm um dos outros”.
Outros parceiros importantes numa grande campanha de fortalecimento da democracia, apontou, são as empresas de mídias sociais. Para Voelkel, a capacidade que elas têm de aproximar as pessoas poderia ser explorada para promover o diálogo entre elas nos moldes das intervenções mais bem-sucedidas na redução da animosidade partidária no lugar de mantê-las presas nas suas “bolhas” de informação e opinião.
“Elas também podem impulsionar e destacar conteúdos que sejam consistentes com algumas das intervenções que testamos”, acrescentou o pesquisador.
E o mesmo vale para lideranças políticas e sociais. Algumas das intervenções testadas e mais bem-sucedidas na despolarização no agregado dos oito desfechos - os três principais e mais cinco secundários - tiraram sua força justamente de depoimentos e outras amostras de posicionamento firme a favor da democracia e de valores democráticos da parte de pessoas influentes de ambos partidos.
Foi o caso da intitulada “Utah Cues”, composta de um vídeo em que Spencer Cox e Chris Peterson, candidatos democrata e republicano ao governo do estado americano de Utah nas eleições de 2020, discutem seu compromisso mútuo de honrar os resultados do pleito. Estratégia que também pode ser usada para desestimular a atuação de políticos que buscam se aproveitar eleitoralmente do aumento da polarização e do radicalismo, sugeriu Voelkel.
“Vejo duas maneiras de incentivar os políticos a se comprometerem com princípios democráticos. A primeira é os financiadores das campanhas condicionarem suas contribuições à divulgação de vídeos como este em que endossam os valores da democracia”, disse. “Outra é que observamos que, ao reduzir a animosidade partidária, os eleitores se tornam mais abertos em votar nos candidatos do outro partido se os candidatos de seu partido são vistos como apoiando atitudes antidemocráticas. Assim, uma vez que os políticos percebam que terão uma penalidade eleitoral por se engajarem em discursos antidemocráticos, mais e mais deles vão procurar se comprometer abertamente com os princípios democráticos”.
Limitações e críticas
Apesar do otimismo dos autores do megaexperimento, o estudo tem seus problemas. O primeiro é o fato de ter sido divulgado ainda como preprint, sem passar pela revisão por pares e publicação em um periódico. Segundo Voelkel, isso se deu por duas razões. A primeira foi satisfazer a curiosidade dos colegas de todo mundo que propuseram as intervenções testadas no “torneio” e pressionavam para saber logo os resultados.
Além disso, ele conta que é uma prática muito comum do Laboratório de Polarização e Mudança Social da Universidade Stanford, chefiado por Willer, buscar divulgar rapidamente seus trabalhos. Voelkel explicou que a ideia é coletar críticas e avaliações diretamente da comunidade de estudos sobre a despolarização, que já estão sendo incorporadas ao artigo, e que nas próximas semanas deverá ser submetido formalmente para publicação em um periódico acadêmico.
Mas não é só isso. Professor de Psicologia Social da Universidade de Brasília (UnB), Ronaldo Pilati lembra que, “como tudo em ciência comportamental”, o estudo tem limitações. A primeira é a falta de um controle explícito para um fator de confusão conhecido como “desejabilidade social”, que leva participantes a responderem questões não com sua verdadeira opinião, mas com o que acham ser a resposta “certa” ou socialmente aceitável.
“Não vi nenhuma preocupação metodológica para avaliar em algum nível o impacto da desejabilidade social nos resultados”, criticou. “Por outro lado, eles mediram muitas variáveis como resultado das intervenções, assim como fizeram outros controles e medições nos desfechos, e claramente observaram efeitos significativos, principalmente na animosidade partidária. Então, não seria incorreto supor de que tenham algum nível de controle da desejabilidade social, mas, de qualquer forma, o estudo não foi desenhado para controlar e medir isso”.
Pilati também não considera que os resultados sejam a descoberta da “chave” para combater a polarização política, mas concorda que ele traz elementos que podem ajudar muito nesta luta.
“As intervenções variaram demais dentro dos desfechos”, observa. “Não podemos dizer que temos aqui um pacote completo para resolver a questão da polarização, que temos todas as ferramentas à mão, mas o estudo traz muitos elementos que podem ajudar bastante no desenvolvimento de intervenções contra estes problemas, especialmente a animosidade partidária. Imaginar uma intervenção destas é a parte mais fácil. Difícil é produzir evidências científicas de que elas funcionam de fato. E este é o maior mérito deste trabalho: produzir ferramentas baseadas em evidências para desenvolver intervenções eficazes de despolarização”.
Segundo Pilati, também chama a atenção a magnitude do experimento.
“É muito raro ver uma amostra tão grande com um desenho experimental capaz de testar tantas hipóteses”, elogiou.
Quanto à transposição das intervenções e resultados para outros cenários políticos, como o do Brasil, que também sofre com a polarização e vê a democracia ameaçada pela crescente radicalização dos eleitores, especialmente na extrema direita, Pilati diz serem necessários mais estudos focados na realidade de cada país para ajudar a desenvolver iniciativas desenhadas para cada necessidade e sistemas políticos específicos.
“Para termos uma compreensão mais global deste fenômeno teríamos que partir para um projeto transcultural, com amostras populacionais de outros países, para ver como estas intervenções de despolarização operam em realidades políticas diferentes”, indica. “O Brasil, por exemplo, tem dezenas de partidos políticos. A gente não tem uma polarização simples como republicanos versus democratas como a proposta nas intervenções e variáveis do estudo. Animosidade partidária desta forma não faz o mínimo sentido aqui. Não temos esta característica entre nós. Então, temos que produzir dados ligados à nossa realidade”.
Segundo Pilati, mesmo trabalhar com os conceitos de “direita” e “esquerda” é insuficiente para aproximar esta característica da política americana à realidade brasileira.
“O processo de identificação como ‘esquerda’ ou ‘direita’ no Brasil é muito atrelado a fatores demográficos. Vemos pessoas que dizem ter orientação política de esquerda e mesmo assim votar em Bolsonaro por uma questão ou outra. Só vamos encontrando maior coerência eleitoral à medida que vamos acrescentando outras variáveis demográficas, como sexo, renda etc. Então, até a ideia de orientação política no Brasil tem suas particularidades”.
O professor da UnB ressalta, porém, que mesmo assim podemos imaginar intervenções voltadas para a realidade brasileira derivadas das usadas no estudo, principalmente as que atacam o apoio a atitudes antidemocráticas e violência política.
“A que aborda o medo perlo colapso da democracia, por exemplo, pode ser útil”, aponta. “É possível estudar o fenômeno da polarização e desenvolver e aplicar intervenções de despolarização no Brasil, mas elas vão ter que ser contextualmente adaptadas”.
Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência