Na entrada do mais recente outono no Hemisfério Norte, vacinas para a COVID-19 já estavam disponíveis há meses. Mesmo assim, um grupo considerável de americanos segue com dúvidas sobre elas e não se vacinou. Na época do Halloween, numerosos memes de “Eu fiz minha própria pesquisa” apareceram na internet. Em Vancouver, o dono de uma casa chamou a atenção da mídia ao pendurar um esqueleto na sua varanda com um cartaz pendurado no pescoço com os dizeres “Eu fiz minha própria pesquisa”. Claro, o único dado de pesquisas que qualquer um deveria precisar é o da porcentagem de mortes por COVID-19 entre não vacinados (ver a Figura 1), mas as pessoas que rejeitam as vacinas parecem estar focadas em outras coisas.
A maioria de nós entende que, quando a questão é médica, é melhor deixar as pesquisas nas mãos de pessoas que passaram vários anos estudando o tema. Mas, como Thomas Nichols sugeriu em seu livro “The Death of Expertise: The Campaign Against Established Knowledge and Why It Matters” (“A morte da especialização: A campanha contra o conhecimento estabelecido e porquê isso importa”, em tradução livre), de 2017, entramos numa era em qualquer um, e ninguém, é um especialista. Pelo menos no que se refere a vacinas, muitas pessoas que nunca abriram um livro-texto de Medicina acham que sabem mais que seus médicos.
Sua própria pesquisa
Acontece que existem evidências substanciais de que pessoas que endossam crenças estranhas não são boas em pesquisas. Por exemplo, uma recente publicação no periódico Nature Scientific Reports mostrou que, quando instadas a testar uma teoria simples, pessoas que acreditam em pseudociências requisitaram de menos evidências do que as que não acreditam em pseudociências (Rodriguez-Ferreiro e Barberia 2021).
No primeiro dos dois experimentos, 59 participantes online tiveram que determinar de qual, entre duas jarras, estavam retirando esferas – uma com 60 esferas vermelhas e 40 azuis ou uma segunda com 40 esferas vermelhas e 60 azuis (ver Figura 2). Os jogadores foram informados de que uma das jarras havia sido colocada em uma caixa imaginária, fora da vista, e sua função era retirar esferas até que estivessem prontos para dizer de qual das duas jarras elas estavam vindo. Cada vez que tiravam uma esfera, eles tinham a escolha entre responder à questão da jarra e encerrar a tarefa, ou continuar a colher esferas. Depois que cada um dos participantes respondeu à questão e parou de jogar, eles tiveram que responder dois questionários: uma escala de crenças pseudocientíficas e outra que mede crenças paranormais.
À medida que retiraram bolinhas virtuais da jarra virtual, todos participantes encontraram a mesma sequência fixa de esferas vermelhas e azuis numa ordem ao acaso. A sequência permitia até 50 sorteios, incluindo um total de 30 bolinhas azuis e 20 vermelhas. Embora este procedimento envolvesse no máximo até metade do número de esferas na jarra – e, como resultado, ambas jarras continuavam a ser uma possível resposta correta ao final da sequência –, apenas um participante terminou a sequência e colheu todas 50 esferas permitidas. Os resultados são apresentados em um gráfico na Figura 3. As relações estão longe de perfeitas, mas, em geral, os participantes com uma maior crença em pseudociências e no paranormal encerraram a tarefa antes dos colegas mais céticos, e as correlações foram estatisticamente significativas. (1)
Em um segundo experimento, estudantes de psicologia jogaram um videogame de armadilha de camundongo (veja a Figura 4). Os estudantes podiam mover o camundongo pelo labirinto com as teclas de setas, e quando caíam em uma armadilha, às vezes o computador reportava “o camundongo pegou o queijo!” e em outras tentativas informava “o camundongo foi capturado!”. Os estudantes foram informados que seu trabalho era descobrir a regra que determinava como o camundongo poderia evitar ser capturado e pegar o queijo. Mais importante, os estudantes foram informados que poderiam jogar o jogo quantas vezes quisessem – até cem vezes – antes de dizer qual a regra.
Apenas sete dos 62 estudantes descobriram a verdadeira regra, que era que, se o camundongo entrasse no quadrado da armadilha pelo menos 4 segundos após o início da tentativa, ele chegaria ao queijo, mas uma entrada mais rápida neste quadrado capturaria o camundongo. Assim, em geral, as pessoas tinham problemas em descobrir o segredo do jogo, mas um dos achados mais significativos do estudo foi que o número de tentativas estava negativamente correlacionado com a crença no paranormal ou em pseudociências: quanto mais a pessoa acreditava em ideias bizarras e sem fundamento, mais rápido ela parava de jogar.
É importante lembrar que todos estes achados são correlações. Não podemos dizer o que causa tanto os jogos mais curtos quanto a crença em ideias sem fundamento, mas se você pensar em fazer os testes (seja o das esferas ou o jogo de armadilha) como “fazer sua própria pesquisa”, os resultados sugerem que os crentes em pseudociências e no paranormal estão menos motivados a achar a verdade. Fazem a própria pesquisa, mas não muito. Alguns pesquisadores se referem a isso como viés de conclusões precipitadas, ou “a tendência de chegar a uma inferência com base em informações muito limitadas” (Irwin et al. 2014, 70).
Conclusões precipitadas
Este viés de conclusões precipitadas também está ligado a ver falsas relações de causa e efeito. Em outro estudo recente, pesquisadores pediram aos participantes para completar a mesma tarefa de jarras e esferas usada no estudo de Rodriguez-Ferreiro e Barberia (2021), e também um teste para determinar se um remédio fictício era eficaz no tratamento de uma doença fictícia (Moreno-Fernández et al. 2021). Na tarefa do remédio, os participantes leram um número de “prontuários de pacientes” em que o paciente ou tomou o novo remédio, ou não, e mostravam se ele melhorou, ou não (ver Figura 5). Os participantes podiam ler até 45 prontuários de pacientes, mas também tinham opção de encerrar antes e dar seu veredicto. Sem os participantes saberem, os pesquisadores estabeleceram uma série fixa de prontuários que frequentemente mostrava os pacientes tomando o remédio e melhorando, mas que na verdade não apresentava qualquer correlação entre tomar o remédio e o desfecho. Como mostrado na Figura 6, para cada grupo de nove tentativas, as chances de melhorar eram as mesmas tendo o paciente tomado o remédio (quatro de seis, ou 67%) ou não tendo tomado o remédio (dois de três, ou 67%).
Notadamente, embora sejam dois experimentos diferentes, os participantes que desistiram antes e chegaram a uma conclusão precipitada na tarefa das jarras com esferas relataram um efeito maior do remédio na segunda tarefa. Claro, não houve efeito do remédio fictício nos pacientes fictícios, então qualquer relação observada entre tomar o remédio e melhorar não passou de uma ilusão.
Mais uma vez, os resultados não foram robustos, mas foram estatisticamente significativos. De acordo com este estudo, pessoas que tiram conclusões precipitadas são mais propensas a ver relações causais onde elas não existem. Se estes resultados forem generalizáveis para situações fora do laboratório, sugerem que pessoas que não são muito minuciosas em sua “pesquisa” são mais propensas a ver coisas que não estão lá, seja o efeito positivo de sopas apimentadas na COVID-19 ou da camisa da sorte no seu placar no Minecraft.
Estranho e precipitado
Então, pessoas que chegam a conclusões precipitadas são mais sujeitas a acreditar em coisas estranhas e ver relações de causa e efeito onde não existem. Claro, nós também temos que ser cautelosos sobre o que causa estas relações, pois não podemos realmente saber. Parece pouco provável que acreditar no paranormal faça de você alguém que seja facilmente convencido. A relação oposta parece mais plausível. Mas também é possível que um terceiro fator, não medido pelos pesquisadores, leve pessoas a terem tanto o viés de conclusões precipitadas quanto crenças supersticiosas ou pseudocientíficas.
Qualquer que seja a verdadeira relação causal, porém, o padrão de resultados não é uma boa notícia para todas estas pessoas que estão por aí “fazendo a própria pesquisa” em importantes questões médicas – assim como para todos que entram em contato com elas. Por esta e muitas outras razões, a não ser que você seja treinado em ciência, é melhor deixar as pesquisas nas mãos de quem é.
Stuart Vyse é psicólogo e autor de “Believing in Magic: The Psychology of Superstition”, que ganhou o William James Book Award da Associação Americana de Psicologia. Ele também é autor de “Going Broke: Why Americans Can’t Hold on to Their Money”. Como especialista em comportamento irracional, é frequentemente citado na imprensa e fez numerosas aparições na CNN International, PBS NewsHour e Science Friday, da NPR. Ele pode ser encontrado no Twitter em @stuartvyse
Artigo publicado originalmente na revista Skeptical Inquirer. Traduzido com permissão.
NOTA
Para verificar se o caso da única pessoa que terminou a sequência e tirou todas 50 esferas afetaram os resultados, os autores descartaram seus dados e recalcularam as correlações. Os resultados foram similares, e ainda estatisticamente significativos.
REFERÊNCIAS
Irwin, H.J., K. Drinkwater, and N. Dagnall. 2014. Are believers in the paranormal inclined to jump to conclusions? Australian Journal of Parapsychology 14: 69–82.
Moreno-Fernández, María Manuela, Fernando Blanco, and Helena Matute. 2021. The tendency to stop collecting information is linked to illusions of causality. Nature Scientific Reports 11(1): 1–15. Disponível online em https://doi.org/10.1038/s41598-021-82075-w.
Nichols, T. 2017. The Death of Expertise. The Campaign Against Established Knowledge and Why It Matters. New York: Oxford University Press.
Rodríguez-Ferreiro, Javier, and Itxaso Barberia. 2021. Believers in pseudoscience present lower evidential criteria. Nature Scientific Reports 11(1): 1–7. Disponível online em https://doi.org/10.1038/s41598-021-03816-5.
World Health Organization. N.d. Covid-19 mythbusters. Disponível online em https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public/myth-busters.