Óleos essenciais são só perfumaria

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16 set 2021
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Uma massagem com um óleo essencial pode ter um efeito relaxante e agradável, mas não vai "estimular as defesas naturais do corpo" ou "renovar a energia". Esses óleos não são chamados “essenciais” por terem algum papel fundamental na saúde humana, mas porque são os responsáveis pelo odor característico (a “essência”) das plantas de onde são extraídos. Um nome melhor seria “óleos voláteis”, porque evaporam rapidamente em contato com o ar.

Óleos essenciais são usados para produzir perfumes e adicionar aroma a cosméticos e produtos de limpeza. Também são usados como aromatizantes em alimentos e bebidas, e têm sido utilizados, historicamente, como tratamentos médicos por aplicação na pele, por ingestão ou por inalação, sendo esta última prática comumente chamada de "aromaterapia".

Em alguns casos, como nas frutas cítricas, o óleo essencial pode ser isolado apenas espremendo a casca. A extração utilizando solventes como metanol, etanol ou éter é outro caminho para os óleos essenciais. O tratamento de material vegetal (lavanda, laranja, melaleuca, etc), com algum destes componentes, extrai uma mistura de compostos orgânicos, restando apenas os óleos essenciais quando o solvente é removido. No entanto, o método mais eficiente e amplamente utilizado para isolar um óleo essencial é a destilação.

A destilação foi introduzida em algum momento durante o século 12 e envolve o aquecimento de uma mistura de substâncias, seguida da condensação dos vapores produzidos em um líquido. Os compostos com pontos de ebulição mais baixos podem ser separados daqueles que não fervem prontamente. Um problema é que muitos compostos vegetais se decompõem em altas temperaturas.

A destilação a vapor, técnica que introduz água ou vapor d’água no aparelho de destilação, é uma forma de contornar esse problema: mesmo temperaturas abaixo do ponto de ebulição podem fazer com que moléculas se libertem da superfície de um líquido, e o vapor então carrega essas moléculas soltas até o recipiente onde ocorre a condensação. Uma vez condensados os vapores, o óleo e a água, em estado líquido, separam-se naturalmente. Vale ressaltar que o processo de extração varia bastante de empresa para empresa, portanto não há um padrão da concentração dos componentes orgânicos nos óleos essenciais que são utilizados para a aromaterapia, o que já representa um primeiro problema.

Agora passamos da extração dos óleos essenciais para a pseudociência. A quantidade de artigos publicados sobre o assunto, na literatura supostamente científica, é inversamente proporcional à qualidade dos trabalhos. Uma busca rápida no Google Acadêmico retorna mais de 26 mil artigos sobre “óleos essenciais em aromaterapia”. Há autores que dizem que se  você cheirar o óleo essencial certo ou esfregá-lo na pele vai estimular o sistema imune (uma expressão desprovida de sentido, como já falamos aqui), melhorar o humor, promover o sono, limpar os órgãos do corpo, aumentar a libido, aliviar a respiração, promover o estado de alerta, tratar pedras nos rins, oxigenar o sangue, aliviar a dor, reduzir a raiva, prevenir a constipação e, claro, eliminar as toxinas (outra frase que, a rigor, não significa nada).

Se isso não for suficiente, os óleos essenciais também têm fama de reajustar chakras, harmonizar frequências bioelétricas, limpar energias negativas, expulsar espíritos malignos e promover estimulação sexual. Para os interessados, este último envolve massagear as partes apropriadas com óleo de jasmim. E, neste caso, é muito provável que a ação funcione mesmo sem o óleo.

Desnecessário dizer que, de acordo com os entusiastas, os óleos essenciais devem ser preparados apenas de compostos naturais, os sintéticos não prestam. O motivo? As substâncias naturais possuem algum tipo de "força vital" ausente nos sintéticos. Força vital à parte, Friedrich Wohler demonstrou há mais de dois séculos que a ureia que ele havia sintetizado em laboratório era idêntica à versão natural, isolada da urina. Logo, seria interessante aromaterapeutas padronizarem a síntese dos componentes orgânicos utilizados nos óleos essenciais. Isso eliminaria o problema de as concentrações dos compostos orgânicos variarem conforme o lote das plantas utilizadas no processo.

 

Baixa qualidade

Não é de se espantar que existam pilhas de artigos sobre aromaterapia publicados em revistas revisadas pelos pares. Isso não significa dizer que a prática tenha o selo de qualidade científica. Já discutimos que nem tudo que sai em revistas científicas é para levar a sério, aqui. E a aromaterapia segue o mesmo roteiro da homeopatia, acupuntura e outras práticas pseudocientíficas: a falta de rigor científico nos estudos publicados. Além disso, todas seguem um padrão comum a trabalhos mais preocupados em confirmar a fé dos autores do que em descobrir a verdade – padrão que já apontamos aqui, aqui e aqui.

Os estudos são feitos com um número pequeno de voluntários, os desfechos são subjetivos (como a diminuição da dor autodeclarada) e os efeitos não são lá essas coisas. Os autores costumam concluir mais do que os seus métodos e resultados permitem e, contrariando toda a maravilha milagrosa que descobriram, escrevem na última linha que “mais estudos precisam ser feitos para confirmar o achado”.

Vasculhando em sites de bem-estar e de promoção de saúde com aromaterapia, dá para notar que alguns estudos são citados com mais frequência. A maioria é voltada para saúde feminina, e os textos que os indicam, também. Mostrando uma tendência de que a prática tem como alvo preferencial o público feminino, embora pareça não haver dados oficiais sobre o perfil dos consumidores da aromaterapia.

Dentre os estudos mais citados, há uma  revisão sistemática apontando que a prática reduz danos que afetam a vida de pacientes que precisam de hemodiálise. Dentre os danos “reduzidos” estão: ansiedade, fadiga, depressão, estresse, dor de cabeça e má qualidade do sono. A revisão selecionou 22 estudos que envolviam aromaterapia e pacientes em hemodiálise.

Ao analisar os estudos selecionados, observamos o esperado: número pequeno de pacientes e falta de controles adequados. É complicado pensar em um placebo para estudos de aromaterapia, uma vez que teriam que mimetizar o cheiro do óleo, mas sem utilizar o composto orgânico. Poderia se pensar em um odor sintético, uma vez que os praticantes da aromaterapia prezam pelos óleos essenciais naturais, logo o odor sintético não deveria, nessa lógica, causar o mesmo efeito. Mas, em vez disso, o grupo controle recebe apenas o tratamento padrão em todos os estudos.

Isso pode gerar um ruído grande nos resultados, todos de caráter subjetivo e emocional, uma vez que os pacientes do grupo que recebeu a aromaterapia certamente foram atendidos por mais tempo e tiveram mais carinho e atenção durante a sessão de hemodiálise do que as pessoas que ficaram apenas sentadas, esperando a máquina fazer o serviço.

Outro ponto que vale a pena considerar a respeito dos estudos selecionados nesta revisão é que não seguem muito um padrão. Uns aplicam a aromaterapia via inalação, outros via massagem. E as sessões de massagem têm tempo de duração e acontecem a intervalos diferentes dependendo do estudo. Inalação, idem. Algumas vezes são três gotas, três vezes por semana, em outros estudos são duas gotas, todos os dias, por sete dias seguidos. Fica complicado jogar trabalhos tão diversos em uma única análise, com tamanha discrepância entre os métodos de aplicação, somada à falta de controles adequados.

Já quanto aos estudos voltados para a saúde feminina, os mais citados nos blogs de bem-estar são relacionados à menopausa, dor do parto e dismenorreia (dor abdominal inferior que ocorre durante a menstruação) – as famosas cólicas. Os benefícios alegados são melhora relacionada à ansiedade e à depressão, efeitos analgésicos e redução da dor, respectivamente.

O artigo sobre o afeito da aromaterapia no tratamento de sintomas psicológicos na pós-menopausa é ao mesmo tempo uma revisão sistemática e uma meta-análise. Tudo em quatro páginas, sendo que uma das páginas é ocupada por uma única tabela com a descrição dos 4 estudos que passaram no crivo da seleção da revisão sistemática. Para a meta-análise (um procedimento estatístico que cria uma espécie de estudo virtual, combinando dados e resultados dos estudos reais que o compõem) foram selecionados três trabalhos.

Os autores da revisão-metanálise ressaltam as limitações que mencionei no caso do estudo da hemodiálise. Os pacientes que foram selecionados para receber a aromaterapia tiveram um suporte emocional maior do que o grupo que recebeu o tratamento padrão, o que pode também ter influenciado no resultado ligeiramente positivo a favor da aromaterapia.

Sobre os efeitos analgésicos e de redução de dor, os próprios autores relatam que o método para medir os desfechos são subjetivos e que mais estudos precisam ser feitos para confirmar o resultado encontrado.

Se óleos essenciais têm algum efeito sobre a saúde humana, esse efeito não se deve a alguma propriedade “energética”, mística ou “quântica”, e sim à estimulação agradável dos sentidos – olfato ou, no caso das massagens, o olfato e o tato – de forma análoga aos efeitos relaxantes produzidos por contemplar uma paisagem (estímulo agradável da visão), ou de ouvir certas músicas (audição).

Como os óleos são misturas de moléculas orgânicas, não é absurdo que alguns tenham efeito fisiológico se ingeridos, inalados ou em contato com a pele – como outras moléculas orgânicas originadas em plantas, da aspirina ao ópio e à cocaína, por exemplo, têm. Mas, se existem, esses efeitos precisam ser especificados (quais são exatamente, quais as moléculas que os produzem) e demonstrados em estudos de boa qualidade. Não há dúvida de que uma massagem com óleo essencial ou imersão em um banho perfumado pode ter um efeito relaxante e agradável, mas não vai “reparar seu campo de energia” ou “manter seus nervos em equilíbrio”. Na verdade, a única coisa que essas afirmações podem fazer com os nervos é desgastá-los.

Óleos essenciais, por fim, não são livres de riscos: dependendo das concentrações, podem causar alergias e queimaduras. Um levantamento sobre a segurança da aromaterapia publicado em 2012 encontrou dezenas de relatos de efeitos adversos, incluindo uma morte.

 

Luiz Gustavo de Almeida é doutor em microbiologia e atual coordenador nacional do Pint of Science no Brasil

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