Durante a pandemia, mesmo as pessoas que não gostam de cozinhar passaram a cozinhar — além de uma necessidade, virou um passatempo. Sempre gostei de cozinhar e receber amigos para jantar. Agora, porém, aventuro-me a testar novas receitas para, quem sabe, futuramente oferecer aos amigos. Em vez de seguir as receitas à risca, como no laboratório, prefiro usar minha imaginação. Às vezes dá certo, outras vezes é um desastre. Lição número um: assim como no laboratório, para alcançar o resultado desejado é preciso seguir a receita — o protocolo — meticulosamente.
De fato, a cozinha tem muito em comum com um laboratório. Nos dois lugares, vale o velho ditado: quem tem pressa come cru. Se tirarmos o bolo cedo demais do forno, vai estar cru. Essa lição que os cozinheiros da pandemia estão aprendendo deve ser aplicada também à ciência. Nós, cientistas, nunca fomos tão cobrados por resultados rápidos como agora. Todo bom cientista sabe que ciência leva tempo e tem que ser feita com cuidado, que os resultados devem ser analisados com cautela e, muitas vezes, não são os resultados desejados. Mas é preciso aceitar os fatos.
Trabalhei num laboratório em Israel que desenvolveu o primeiro medicamento para a esclerose múltipla. Esse medicamento levou 30 anos para chegar ao mercado, desde as pesquisas iniciais, incluindo os resultados da tese de doutorado de uma aluna. Nesse mesmo laboratório, começaram a desenvolver uma vacina universal para a gripe. A ideia era que bastaria uma única vacina para nos proteger de todos os vírus da gripe, não havendo necessidade de novas vacinações todos os anos. Passados dez anos de ensaios clínicos, infelizmente constatamos que essa vacina falhou, ou seja, não protegeu mais do que o controle (placebo) contra novas cepas de vírus da gripe.
O mundo todo está tentando descobrir novas drogas ou reposicionar as antigas para que possam ser utilizadas para tratarmos a COVID-19. Nunca antes vacinas chegaram ao mercado tão rapidamente. Isso só foi possível devido ao investimento contínuo em ciência e o esforço mundial contra a doença. Mas, assim como na cozinha, devemos controlar nossa ansiedade, para não comer o bolo cru. No caso das vacinas, também é preciso aguardar os testes de fase três sem promessas, aceitar os resultados e tentar entender o porquê desses resultados. Diferentemente da política, em ciência não é possível, nem se deve, fazer promessas.
Com relação a novos medicamentos, é preciso entender melhor o problema. Muitos dos medicamentos falham nos testes clínicos porque não entendemos a doença o suficiente. Para evitar essas falhas, é preciso investir maciçamente em pesquisa básica. É importante responder a perguntas como esta: por que algumas pessoas desenvolvem uma forma grave de COVID-19 e outras não? Uma cura eficaz virá de respostas a perguntas como essa. Devemos aceitar que alguns medicamentos não funcionam e que, infelizmente, até agora a única medida eficaz contra a doença é evitar o contágio.
Enquanto isso, como na cozinha, só nos resta ter paciência para não comer o bolo cru e ter uma tremenda dor de barriga. Devemos seguir a receita. Em caso de pandemia, a receita comprovadamente eficaz é o distanciamento social, o uso de máscara e o álcool em gel. No final, com essa receita, teremos um bolo delicioso para compartilhar. Já temos os ingredientes misturados. Agora é só esperar pelo tempo certo no forno.
Deborah Schechtman é professora associada do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP