Qual seria o estrago da COVID-19 se ouvíssemos os negacionistas?

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17 dez 2020
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bonecas russas

 

Qual é a eficiência das medidas não farmacológicas – lavar as mãos com frequência, usar máscaras, evitar aglomerações, manter distância entre as pessoas, fechar provisoriamente locais de natural intensa movimentação humana, etc. – adotadas para controlar a COVID-19?

Responder a isso com precisão e avaliar a eficiência de cada uma dessas medidas separadamente é um assunto sobre o qual muitos especialistas estão debruçados. Mas não restam dúvidas quanto ao fato de que essas medidas, em seu conjunto, evitaram uma catástrofe maior. Isso é facilmente comprovado quando, a cada início de um novo surto, novas restrições impostas em diversos países, regiões ou cidades fazem a doença retroceder. Não fossem essas restrições, a doença se espalharia de forma descontrolada.

De que tamanho seria a catástrofe na ausência dessas medidas? Uma avaliação simples pode ser feita a partir da observação de como essas mesmas medidas levaram a uma redução dos casos de gripe desde o início de 2020.

Comparações entre a quantidade de casos de gripe, após a adoção das medidas não farmacológicas para contenção da COVID-19, com os casos em anos anteriores, em vários países, indicam uma redução de um fator entre 5 e 10. Ou seja, se as providências para conter o vírus SARS-CoV-2 não tivessem sido adotadas, teríamos cerca de cinco a dez vezes mais casos de gripe e, possivelmente, também de COVID-19, já que tais medidas reduzem ambas as doenças, causadas por vírus e que se transmitem de modo semelhante, pela saliva e secreção nasal.

Assim, poderíamos estar fechando este ano de 2020, não com cerca de 200 mil mortes por COVID-19 no Brasil, mas com um número muitas vezes maior. Mesmo se considerássemos uma simples regra de três e apenas multiplicássemos os números atuais por 5 ou 10, chegaríamos no final de 2020 com uma marca entre um e dois milhões de mortes! Mas como um enorme aumento na quantidade de casos levaria ao colapso total do sistema de saúde, esse número poderia ir muito além dos dois milhões.

Uma pessoa só não teria vários mortos entre amigos, parentes, colegas de trabalho, vizinhos ou entre aquelas pessoas com as quais cruzamos diariamente nas portarias, restaurantes, clubes etc., se ela mesma tivesse morrido!

Na ausência das medidas de contenção, uma cidade como São Paulo teria cerca de 100 ou 200 mil mortes por COVID-19 em 2020, por simples regra de três. Isso já seria suficiente para derrubar o sistema funerário da cidade, capaz de dar conta de não mais do que 300 ou 400 mortes por dia; se em lugar de termos cem a duzentas mortes adicionais por dia no período mais agudo tivéssemos mil ou duas mil, restaria o recolhimento de cadáveres abandonados nas ruas e as covas coletivas. Mas, como já observado, mesmo com muitos e muitos hospitais de campanha, o sistema de saúde estaria totalmente inviabilizado pela falta de recursos materiais e de trabalhadores, e os números de mortes seriam ainda muito maiores do que uma simples regra de três poderia indicar.

Em escala mundial, em lugar de fecharmos 2020 com perto de 1,8 milhão de mortes, poderíamos já ter ultrapassado os dez ou quinze milhões, ou muito mais por causa do colapso total da capacidade de atendimento pelos sistemas e saúde. Tais quantidades de mortos só seriam superadas, entre as guerras que afetaram o mundo ocidental nos últimos 500 anos, pela Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Nesse mesmo período de 500 anos, apenas duas epidemias, a gripe espanhola e a aids, teriam superado as mortes por COVID-19 caso as pessoas, em lugar de seguirem a orientação dos especialistas em saúde, preferissem as recomendações dos supersticiosos e negacionistas.

 

Otaviano Helene é professor sênior do Instituto de Física da USP

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