Nos próximos poucos meses, centenas de milhões de pessoas, em todo o mundo, serão vacinadas contra a COVID-19. A estratégia inicial de vacinação deverá ser semelhante em quase todos os países, iniciando-se a imunização pelos grupos mais vulneráveis, como idosos, profissionais de saúde, pessoas com comorbidades, etc.
A população mundial atualmente é de mais de 7 bilhões de pessoas e, diante de um número tão imenso, a produção e distribuição dessa quantidade de vacinas pode demorar anos, principalmente considerando-se que a maior parte das vacinas para COVID-19 utiliza duas doses do imunizante para cada indivíduo.
Além disso, ainda não se sabe por quanto tempo a proteção será efetiva. E nem todos serão vacinados. Alguns grupos, como as gestantes, por exemplo, devem ficar de fora por enquanto, já que as vacinas que estão sendo lançadas ainda não tiveram sua segurança e eficácia comprovadas para essa parcela da população. Também ainda não conhecemos possíveis efeitos colaterais em bebês e crianças. A ética médica e a boa prática científica orientam-nos a não correr riscos desnecessários.
Enfrentamos ainda as campanhas antivacinação em curso, não só no Brasil, como, aparentemente, em todas as partes do mundo. Está cada dia mais claro que uma parte da população vai, simplesmente, recusar-se a receber a vacina.
Teorias conspiratórias não faltam nas redes sociais. Desde uma hipotética implantação de um tal chip líquido, desenvolvido por Bill Gates e financiado por George Soros, com a finalidade de monitorar todos os habitantes do planeta e assim, implantar uma Nova Ordem Mundial, até uma suposta alteração do DNA humano, que teria por finalidade reduzir a virilidade masculina, ou a capacidade reprodutiva feminina, no intuito de diminuir a população. Criatividade não falta a esses conspiracionistas, que parecem viver desconectados do mundo real.
Porém, por mais bizarro que pareça, somos obrigados a levar a sério os danos que esses conspiracionistas podem causar à saúde humana neste momento. Tivemos, recentemente, um caso muito simbólico, quando a pesquisa da Coronavac no Brasil foi paralisada devido ao suicídio de um voluntário, que acabou sendo tratado como um Evento Adverso Grave, como se a morte tivesse alguma relação com a vacina. Não era o caso.
Mas essa ocorrência deve servir para nos deixar alertas, já que a tragédia foi amplamente explorada pelos negacionistas da pandemia, que diziam que o comportamento suicida poderia ser um dos efeitos da vacina contra a COVID-19. Observando esse exemplo, podemos prever eventos que certamente ocorrerão nos próximos meses. Devemos ter em mente que...
Coisas ruins devem acontecer com quem for vacinado e com quem NÃO for vacinado também, mas essas ocorrências serão tratadas de formas diferentes pelos teóricos conspiracionistas.
Em meio a centenas de milhões de pessoas vacinadas, muitos vão morrer por ataques cardíacos, AVCs, câncer, acidentes de bicicleta, suicídio, etc. O mesmo vai ocorrer com os outros bilhões que ainda não receberam a vacina, com a diferença de que, entre estes, ocorrerão muitas mortes por COVID-19 também.
Mas as redes conspiratórias vão criar narrativas de grande força emocional, usando histórias trágicas que venham a ocorrer com o grupo de pessoas vacinadas. Sabemos como são eficientes em disseminar esses relatos, inventando alguns e exagerando outros, mas sempre ignorando que serão eventos fortuitos, sem conexão específica com a vacina.
Assim, parece ser uma boa estratégia nos mantermos um passo adiante deles e preparar amigos e familiares desavisados antes que comecem a receber mensagens no WhatsApp com fotos de crianças atropeladas, ou velhinhos que saltaram do quinto andar, atribuindo esses eventos à imunização.
Precisamos saber que nenhuma droga é 100% segura ou eficaz. A ciência é a melhor ferramenta que possuímos para nos proteger, mas não é infalível. Assim, problemas pontuais podem ocorrer, seja por armazenamento inadequado das vacinas, por contaminação, ou por algum efeito adverso muito raro, não detectado nos testes clínicos, mas que pode aparecer quando aplicamos a vacina em milhões de pessoas. Essas coisas acontecem com qualquer tipo de fármaco, mas vamos lembrar que o mundo já passou da absurda cifra de UM MILHÃO E SEISCENTOS MIL MORTOS por COVID-19.
Então, precisamos combater a desinformação. Temos obrigação de comunicar fatos verídicos aos nossos próximos, afinal, a vida deles, e a nossa também, pode depender disso.
Roger Bonsaver é divulgador científico e membro da Rede Brasileira de Jornalistas e Divulgadores de Ciência