O filme "O Primeiro Homem", do diretor americano Damien Chazelle, que descreve a história de Neil Alden Armstrong (1930-2012), astronauta e engenheiro aeronáutico americano e o primeiro homem a pisar na Lua, é incrível porque nos ensina várias lições. O astronauta americano passou inúmeras dificuldades, insucessos e dramas pessoais, perdendo uma filha ainda criança e amigos próximos na sua jornada até o histórico pouso da Apollo 11, em 20 de julho de 1969. Armstrong, ao pisar no “arenoso” solo lunar, falou a célebre frase: "um pequeno passo para um homem, um grande passo para a Humanidade", e ele tinha razão.
Por muitos séculos olhamos maravilhados para a Lua, nosso belo satélite, com inspirações românticas ou, como na infância, acreditando que lá residia São Jorge e seu cavalo. Lua cheia de crateras, cicatrizes do tempo e de muitos impactos durante bilhões de anos. Quem poderia pensar que um dia chegaríamos lá, que conseguiríamos vencer os 384.402 km (em média) que nos separam da Lua – algo aparentemente impossível quando não existia a ciência.
Cientistas visionários, muitas vezes pobres e ridiculizados por terem sonhos grandiosos, estabeleceram os alicerces para que a Humanidade pudesse assistir, estarrecida, astronautas americanos pisarem na Lua em 1969. Um deles foi o russo Konstantin Tsiolkovski (1857-1935), um pobre e solitário professor de ensino médio. Ainda muito jovem Tsiolkovski costumava passar horas e horas na biblioteca da sua cidade “devorando” livros de física e aprendendo as leis de Newton. Ele tinha um sonho grandioso: viajar em um foguete para a Lua e depois para Marte. Autodidata, estabeleceu, sozinho, a base teórica da tecnologia de foguetes e calculou a velocidade mínima que um foguete tem que ter para escapar da gravidade da Terra: 40.233 km/h. Deduzindo a relação matemática conhecida, até hoje, como a “equação do foguete” pela primeira vez, Tsiolkovski calculou a quantidade de impulso necessária para ir à Lua.
Tsiolkovski foi um visionário e sonhador. Ele acreditava que, no futuro, a Humanidade deveria buscar no espaço um novo lar; dizia que “(...) a Terra é o berço Humanidade, mas não se pode viver no berço para sempre (...)”. Em 1911, escreveu que suas ideias, como pousar na Lua, pareciam absurdas, mas que acreditava que um dia poderiam ser concretizadas. O sonhador Konstantin Tsiolkovski não tinha os meios para construir um foguete baseado nas suas equações, tinha apenas seus sonhos. Mas estabeleceu a base teórica para quem pudesse fazer, como os engenheiros de foguetes Robert Goddard (1882-1945) e Wernher von Braun (1912-1977), o último, um rico filho de um aristocrata alemão.
Quando criança, o americano Goddard ficou admirado quando um eletricista instalou a fiação da sua casa. Logo tornou-se um amante da ciência, paixão que aumentou ainda mais quando o seu pai o presenteou com um telescópio, um microscópio e um exemplar da Scientific American. O jovem Goddard aprendeu as Leis de Newton frequentando a biblioteca da sua escola e lendo o Principia Mathematica, escrito pelo próprio Newton, uma obra-prima que mudou a história da física. Com o tempo, Goddard desenvolveu o hobby de construir miniaturas de foguetes, e chegou a participar do clube de construtores de foguetes amadores da sua cidade.
Progressivamente, Goddard foi adquirindo conhecimento científico formal e construiu protótipos de foguetes cada vez melhores, estabelecendo três inovações fundamentais que mudaram a história da engenharia de foguetes: os combustíveis podiam ser líquidos, e não apenas derivados da pólvora, como muitos propunham; os foguetes, ao serem lançados, poderiam ter mais de um tanque, que podiam ser descartados durante o voo, diminuindo o peso final; e, finalmente, a introdução do princípio do giroscópio à construção dos foguetes, contribuindo para a estabilidade do foguete lançado, que manteria a direção desejada.
Em 1926, Goddard fez um incrível lançamento de um protótipo com combustível líquido, seguindo os princípios por ele desenvolvidos. Seu foguete subiu por 12 metros, voou por cerca de 4 segundos e caiu no solo a uma distância de, aproximadamente, 50 metros. A decolagem desse protótipo é considerada um marco histórico na corrida espacial. O pequeno foguete de Goddard foi a base para a construção dos foguetes modernos de Von Braun. Este, depois de trabalhar para os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, entregou-se aos aliados em 1945, trabalhando depois para a Nasa no projeto que levou ao histórico pouso da Apollo 11 na Lua.
Em 1920, o importante jornal americano The New York Times ridicularizou Robert Goddard quando soube que aquele físico e professor do Clark College, em Worcester, Massachusetts, EUA, queria enviar um foguete ao espaço. “Como esse professor almeja sonhos tão elevados, se não conhece nem a ‘lei da ação reação?’”, escreveram em um editorial. Como poderia um foguete se movimentar no espaço sem ar, se a presença do ar é necessária para o movimento, segundo a Terceira Lei de Newton – a lei da “ação e reação”.
Os editores do jornal imaginavam que o foguete precisava da atmosfera externa para reagir – o jato do foguete empurraria o ar para trás, e seria, então, empurrado para a frente. Na verdade, porém, o jato reage contra a estrutura do próprio foguete – o jato empurra o foguete para a frente e, em reação, é expelido para trás –, e por isso é perfeitamente capaz de produzir aceleração num vácuo.
Quando a Apollo 11 pousou na Lua, o New York Times reconheceu seu erro e pediu desculpas, admitindo que foguetes poderiam movimentar-se no espaço. Goddard morreu em 1945, não vivendo para ver a alunissagem da Apollo 11, 24 anos depois.
Hoje, milhares de pessoas em todo o mundo ainda não acreditam que os astronautas chegaram à Lua. Acham que foi uma armação. Mitos e teorias da conspiração foram criados a esse respeito, entre eles, os de que, nas fotos originais, não aparecem estrelas, as pegadas dos astronautas na Lua ficaram muito nítidas, a bandeira americana parece estar tremulando onde não existe ar, e a paisagem de fundo é sempre a mesma.
Todas estas teorias da conspiração foram respondidas pela ciência. Por exemplo, as estrelas não apareceram nas fotos da alunissagem porque o pouso foi realizado durante o dia lunar e a tênue luz das estrelas distantes é ofuscada pela luz do Lol, refletida pela poeira do solo lunar. Além disso, as câmeras utilizadas não tinham resolução suficiente para captar a luz das estrelas. Em fotos tiradas de ônibus espaciais, segundo mostrou-se depois, as estrelas raramente aparecem.
Neil Alden Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua, tinha razão. Foi um grande passo para a Humanidade, um imenso triunfo da razão, da ciência e da tecnologia, que permitiu à nossa espécie sonhar ainda mais longe, alcançando outros planetas com sondas não tripuladas e, talvez um dia, presencialmente, pousar em Marte ou em outro lugar do Cosmos.
Na minha opinião, não é a linguagem, não é a inteligência e nem a expansão do córtex cerebral, a fina camada de tecido neural na superfície do cérebro, que nos fazem especiais. Essas foram ferramentas evolutivas que culminaram na ciência, indubitavelmente, o maior atributo da mente humana, o que realmente nos diferencia das outras espécies.
O ex-presidente americano Ronald Reagan (1911-2004) disse uma vez: “Por que temos que financiar a curiosidade intelectual dos outros?”. Mas John Kennedy (1917-1963) acreditou e disse: "Nós escolhemos ir à Lua nesta década, e fazer ainda mais, não porque seja fácil, mas sim porque é difícil!". Que os governantes pensem mais como Kennedy, e menos como Reagan.
Walace Gomes Leal é neurocientista e professor associado do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará