Número de mortes seguirá crescendo mesmo após pico de casos

Artigo
21 abr 2020
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“Se queres prever o futuro, estuda o passado”

Confúcio, pensador chinês.

 

Em estatística, uma série temporal é definida como uma sequência de dados obtidos ao longo do tempo[i]. Por exemplo, podemos medir, mensalmente, a quantidade de homicídios ou o número de acidentes de trânsito por semana. Investidores da bolsa de valores podem examinar a variação diária do preço das ações e gestores da saúde, computar o número de atendimentos hospitalares realizados a cada hora. Seja qual for a periodicidade escolhida (anos, meses, semanas, dias, horas), como a mensuração é espaçada no tempo, podemos utilizar métodos estatísticos para extrair a memória histórica do conjunto de dados.

De forma precisa e confiável, essas técnicas permitem estudar o passado para melhor compreender o que provavelmente nos aguarda no futuro. Nessa perspectiva, este artigo examina a variação diária de dois indicadores essenciais dentro de uma pandemia: (1) a quantidade de novos casos e (2) o número total de óbitos[ii].

O Gráfico 1 mostra o comportamento dessas variáveis na Coreia do Sul entre 31/12/2019 e 20/04/2020.

 

Grafico histórico 1

 

Houve 909 registros em 29/02/2020. Esse foi o pico de novos casos na Coreia do Sul, como demonstra a linha pontilhada preta. Desde então, a tendência é de queda (veja como a curva azul vem caindo em função do tempo). Em 20/04/2020, a base de dados indicou apenas 13 novos casos. Ou seja, foram exatamente 51 dias para abandonar um cenário de quase mil novos casos por dia, para uma situação de quase 10 novos registros em 24 horas. Note que apesar da redução no contágio, a curva de mortes continuou subindo.

 

Mantendo constante a estratégia de distanciamento social, é questão de tempo até a curva azul (novos casos) cair ainda mais e a curva vermelha (mortes) se estabilizar, formando um platô. Considerando os dados dos últimos sete dias, observamos uma média diária de 20,25 novos casos e 2,75 novas mortes. Com esses números, o sistema de saúde é capaz de funcionar adequadamente e minimizar a quantidade de vidas perdidas para a Covid-19. Vejamos a situação da Alemanha (Gráfico 2).

 

grafico história 2

 

 

O pico de novos casos na Alemanha ocorreu em 28/03/2020 quando foram registradas 6.294 ocorrências de Covid-19 (ver linha pontilhada preta). Depois disso, a curva azul exibe um comportamento oscilante, mas com clara tendência de queda. Em 20/04/2020, o país registrou 1.775 novos casos e 110 óbitos. Observe que, assim como na Coreia do Sul, a curva de mortalidade continuou subindo, a despeito da redução progressiva nos níveis de contágio. Isso porque parte dos infectados de hoje serão os óbitos de amanhã.

 

Diferente da Coreia, todavia, a inclinação da curva alemã é mais íngreme, o que significa que mais vidas se perdem diariamente. Considerando os dados da última semana, calculamos uma média diária de 2.665,14 novos casos e 229,28 novas ocorrências fatais. Normalizando pela população e considerando os dados mais recentes (20/04/2020), a mortalidade por 1 milhão de habitantes na Alemanha é de 52,56. Na Coreia do Sul, 4,6. Vejamos o caso da Itália (Gráfico 3).

 

Gráfico história 3

 

A Itália representa um exemplo ainda mais ilustrativo da relação entre o número de casos confirmados hoje e a mortalidade esperada no futuro. Observe que o pico de novos casos ocorreu em 22/03/2020, quando o país registrou 6.557 ocorrências de Covid-19. Até essa data, as curvas azul e vermelha subiam juntas, como se estivessem indo para o mesmo lugar. Mesmo com a mudança de direção no nível de contágio (a curva azul começou a cair), a quantidade de mortes manteve seu ritmo crescente. Vamos repetir: parte dos infectados de hoje serão os óbitos de amanhã. E o que dizer da nação que perdeu a maior quantidade absoluta de vidas para a Covid-19? O Gráfico 4 ilustra a evolução do número de novos casos e da quantidade total de mortes nos Estados Unidos.   

 

gráfico historia 4

 

Os Estados Unidos registraram 35.527 novos casos de Covid-19 em 11/04/2020 (linha pontilhada preta). Apesar da redução recente (a média da última semana gira em torno de 29 mil novos casos por dia), a curva de mortes permanece firme e forte. Novamente, vale a pena repetir: a quantidade de novos casos hoje serve como um termômetro da quantidade de vidas perdidas no futuro. Considerando a última semana, por exemplo, os Estados Unidos contabilizaram cerca de 2.653 óbitos por dia.

 

Normalizando pela população, são 123 óbitos a cada 1 milhão de habitantes. Comparativamente, a taxa da Alemanha (52,56) é cerca de 10 vezes maior do que a taxa da Coreia (4,6) e, por sua vez, a taxa dos Estados Unidos é o dobro da alemã.  Em números absolutos, já são mais de 40 mil óbitos de norte-americanos. A Guerra da Coreia (1950-1953) vitimizou quase 37 mil (aqui). A Guerra do Vietnã (1964-1973) produziu cerca de 59 mil mortes. Vejamos a situação do Brasil (Gráfico 5).

 

gráfico história 5

 

No dia 18/04/2020, o Brasil registrou (até agora) o seu pico de novos casos, com 3.257 registros em um único dia. Diferente da Coreia do Sul, Alemanha e Itália, ainda não conseguimos ver uma tendência de redução na curva azul (novos casos). Se a mortalidade continua subindo mesmo em locais que já exibem diminuição no contágio, o que esperar de um país em que essas curvas ainda caminham juntas? Na dúvida, mirem-se no exemplo daquelas pessoas de Seul.

Dalson Britto Figueiredo Filho é professor-assistente de Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Lucas Silva é cientista político e estudante de Medicina na Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas

Enivaldo Rocha tem graduação em Estatística (UFPE), mestrado em Estatística (USP) e doutorado em Engenharia de Produção (UFRJ). É professor titular aposentado da Universidade Federal de Pernambuco e membro do Grupo de Métodos em Pesquisa em Ciência Política (MPCP)

 

 

NOTAS

 

[i] Para saber mais, veja o livro Time Series Analysis: Forecasting and Control.

[ii] Todos os dados utilizados estão publicamente disponíveis em: <https://github.com/owid/covid-19-data/tree/master/public/data>.

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