Há anos especialistas vêm dizendo que que a Goop, a empresa de bem-estar – ou wellness, como prefere – e estilo de vida fundada pela atriz e empresária Gwyneth Paltrow, vende pseudociência e promessas exageradas de cura. E há anos, a despeito das críticas, a Goop continua crescendo.
Agora a empresa, avaliada em US$ 250 milhões em 2018, vai alcançar um público ainda maior: nos últimos dias, a companhia anunciou um acordo de distribuição com a gigante dos cosméticos Sephora, o lançamento de uma “uma experiência de wellness no mar” com a Celebrity Cruises e, para desespero dos defensores da ciência, a estreia, dia 24 de janeiro, de uma série de episódios na Netflix, que tem mais de 150 milhões de assinantes mundo afora.
O show vai mostrar Paltrow e colegas explorando várias práticas de cura alternativa, incluindo cura energética, exorcismo e sessões com médiuns. “O que tentamos fazer na Goop é explorar ideias que podem parecer fora de esquadro, ou assustadoras”, diz Elise Loehnen, chefe de conteúdo da empresa, no trailer da série, que também alardeia que o programa vai mostrar tratamentos perigosos e sem regulamentação. “A gente está aqui uma vez, uma vida”, diz Paltrow no trailer, exalado confiança em sua atitude de abraçar “novas ideias”. “Como realmente podemos aproveitar essa merda toda?” pergunta.
A reação foi imediata. No Twitter, médicos e cientistas questionaram a parceria entre Netflix e Goop. Indignados, usuários da Netflix anunciaram o cancelamento de suas assinaturas. “É frustrante ver que Gwyneth Paltrow e a Goop, e seu império pseudocientífico, ganharam uma nova plataforma”, disse à Undark Timothy Caulfield, professor de legislação de saúde e política de ciência da Universidade de Alberta, Canadá, e crítico da Goop há muito tempo.
A desinformação médica pode ter consequências graves, e se espalha rapidamente online. Mas o sucesso contínuo da Goop levanta a questão sobre como os especialistas devem responder a informações duvidosas, e sobre o quê a Goop está realmente vendendo para seus fãs.
Paltrow, que ganhou o Oscar de melhor atriz por sua atuação em Shakespeare Apaixonado, fundou a Goop em 2008. De início, a Goop não passava de uma newsletter com as receitas e dicas de estilo de vida preferidas da atriz, mas a empresa cresceu depressa. Hoje, a Goop mantém conteúdo em websites populares, organiza encontros caros de wellness e abriu lojas nas principais cidades do planeta.
O conteúdo é geralmente irônico – uma série de vídeos chamada “Sim! Você pode beber isso” mostrava uma editora da Goop passeando por Los Angeles e bebendo leite de camela e caldo de ossos – e voltado para mulheres ricas, preocupadas com saúde. No site da Goop, clientes podem comprar maquiagem, velas, livros de receitas ou uma camiseta de seda italiana por US$ 650. A empresa vende suplementos com nomes como “Por que me sinto tão fodidamente cansada?” (com vitaminas do complexo B, a dose mensal com 30 cápsulas vendida por US$ 90), bem como uma garrafa de água “com infusão de cristal de ametista” por US$ 84, prometendo “libertar a sua intuição”.
Afirmações assim já criaram problemas para a empresa. Em 2017, depois que a Goop afirmou que mulheres teriam inúmeros benefícios para a saúde se inserissem uma peça de jade de US$ 66 na vagina, a California Food, Drug, and Medical Device Task Force iniciou uma investigação sobre as promessas sem fundamento da empresa, referentes a esse e outros produtos, resultando numa multa de US$ 145 mil.
Essas alegações – e preços – acenderam o ceticismo, a raiva e a zombaria de muitos críticos. Jen Gunter, ginecologista, obstetra e escritora, conquistou uma grande audiência desmontando de forma viral e ácida argumentos da Goop sobre saúde da mulher, que ela descreve como “um monte de lixo”.
Mas, às vezes, parece que a crítica simplesmente alimenta ainda mais a Goop. Um perfil da atriz publicado por The New York Times em 2018 destaca que, ao falar para alunos da Harvard Business School, Paltrow, comentando as críticas, disse: “Eu posso transformar tudo isso em dinheiro”.
Esse ciclo, na verdade, é bastante familiar para os observadores do cenário da mídia digital do século 21: uma celebridade, no caso Gwyneth Paltrow, faz uma declaração. Em entrevistas e nas mídias sociais, especialistas mostram como aquela afirmação é enganosa, falsa ou perigosa. Em vez de se desculpar, a celebridade critica o especialista e dobra a posta, reforçando a declaração inicial e, de quebra, recebe ainda mais publicidade, além da aura de modernidade que acompanha a controvérsia.
Recentemente, Paltrow mostrou um certo arrependimento por algumas ações passadas da Goop. “Cometemos alguns erros no começo da empresa”, disse a atriz numa entrevista à CNBC, acrescentando que a companhia montou sua própria equipe de ciência e regulação para dar respaldo a seus produtos e conselhos de saúde – ou deixar claro quando o produto “é apenas para sua diversão”.
Mas, em declarações e entrevistas, Paltrow e a Goop defendem a exploração de tratamentos nada convencionais, justificando essa “escolha” pelo longo histórico de descaso pelas experiências femininas por parte do establishment médico. “Eu acho que a Goop se tornou popular porque as mulheres, na maior parte das vezes, se sentem ignoradas quando falam sobre seus problemas e sentimentos com seus médicos”, disse a atriz para a CNBC. “Elas querem experimentar modos alternativos de cura e ter autonomia sobre sua saúde, sobre si mesmas, sobre sua sexualidade e seus relacionamentos.”
A justificativa não satisfez os críticos da Goop. “Dar às mulheres informações sobre saúde falsas ou distorcidas, sob o disfarce do empoderamento, não é feminismo, é patriarcado”, Jen Gunter escreveu no Twitter.
Para fãs da Goop, porém, essas acusações são irrelevantes. A Goop apareceu numa época em que para muitos americanos – especialmente americanos ricos – saúde não significa apenas curar doenças, mas uma afinação perfeita do corpo, otimização de performance, exploração de novos estilos de vida e, até mesmo, alcançar experiências de êxtase. Uma enorme indústria de wellness surgiu para atender a esses desejos, baseando-se em práticas que parecem tão cool que beiram o ridículo, exóticas ou simplesmente bizarras.
E essa indústria vem sendo alimentada pelas celebridades. Em muitos casos, para práticas de medicina holística, “o relato pessoal é tão poderoso quanto a citação de uma pesquisa com peer review”, diz Chelsea Platt, socióloga da Park University, do Missouri, que estuda a cultura do wellness. Esses relatos e narrativas, segundo ela, são particularmente poderosos “quando você tem Gwyneth Paltrow ou Kourtney Kardashian ou alguém lhe dizendo, ‘Oh, essa é minha rotina diária, é o que funciona para mim’.”
Platt preocupa-se com a mensagem que empresas como a Goop estão passando – e suas preocupações dizem respeito à classe social e às concepções mais amplas do que significa ser saudável. Afinal de contas, a Goop oferece uma visão de wellness extremamente cara.
“A Goop está criando uma nova categoria a respeito do que importa em termos de estilo de vida saudável e corpo saudável, e liga o que significa fazer escolha moral e saudável a um tipo de consumo e de mercadoria,” diz Platt. “O que limita o número de pessoas que pode ter acesso a isso.”
Essas e outras críticas da máquina Goop se espalham cada vez que Paltrow anunciam uma nova parceria ou apresentam um novo produto sem credibilidade, mas não se sabe se a crítica consegue algum resultado ou se, ao contrário, dá mais fama à Goop. Eu fiz essa pergunta a Caulfield, que vem acompanhando as declarações de Paltrow sobre saúde há quase uma década e que, em 2015, publicou um livro sobre informações médicas falsas e cultura de celebridade chamado “Gwyneth Paltrow está sempre errada?” (“Is Gwyneth Paltrow Wrong About Everything?”). Desde então, claro, a plataforma de Paltrow só cresceu.
“No curto prazo, você pode estar facilitando a disseminação desses disparates, mas acho importante corrigir o que chega ao público”, disse Caulfield, citando pesquisas sobre como responder efetivamente a falsas informações. “No longo prazo, acho importante garantir que o a informação cientificamente correta esteja disponível.”
O tom da crítica, porém, é importante. “Não é eficiente caçoar e fazer piada, mas acho que sou culpado de fazer isso de vez em quando,” reconhece.” Quando ele começou a fazer comentários públicos sobre Paltrow, as pessoas manifestavam sua contrariedade, dizendo que a deixasse em paz, porque as ideias dela eram malucas, mas inofensivas.
“Ninguém mais fala isso”, diz ele. “Há um reconhecimento cada vez maior de que a divulgação de informações falsas é algo grave.”
Michael Schulson é editor colaborador da Undark. Seu trabalho também é publicado pela Wired, Salon, Slate, Pacific Standard, Daily Beast e The Washington Post, entre outros. Artigo publicado originalmente em Undark.