Um artista agrário está fazendo rascunhos no Ceará: é provável que, em breve, vejamos alguns sinais atribuídos a inteligências alienígenas aparecerem no Nordeste brasileiro, para deleite dos piadistas. É, ao menos, o que indica o surgimento de uma área achatada de vegetação achatada na Fazenda Bico D’Arara, no município cearense de Itapiúna.
A notícia, divulgada no último fim de semana, é do jornal Diário do Nordeste, e a publicação inclui um vídeo de moradores da fazenda contando como foram assustados por uma luz azul intensa e pelo “barulho de uma moto”, à noite, para, no dia seguinte, encontrarem uma área de plantas, pacaviras, “amassado, como se tivesse baixado um helicóptero”, nas palavras de Francisco Alberto Leite Barros, morador do local.
A comparação com o motor de moto foi feita por seu irmão, Francisco Belchior, de acordo com as entrevistas conduzidas pelo jornal nordestino.
Diferente dos “agroglifos”, ou desenhos de plantação, mais famosos, o da Fazenda Bico D’Arara é incipiente: as imagens do vídeo disponível online indicam que não tem estrutura geométrica clara. Uma foto feita à distância sugere um formato circular, mas nada muito impressionante.
Conexão UFO
A ideia de que desenhos circulares que aparecem em áreas rurais, produzidos pelo achatamento de plantas – as hastes dos vegetais são amassadas de encontro ao solo – seriam algum tipo de mensagem alienígena foi popularizada por grupos ufológicos na Inglaterra, na década de 80 do século passado.
Mas, já em 1986, o primeiro livro sobre o assunto (de autoria de um grupo de ufólogos!), “Mystery of the Circles”, afirmava que a explicação mais plausível envolveria uma mistura de fenômenos naturais e ação humana – gente a fim de fazer arte (ou pregar peças).
Em 1990, outro livro do mesmo grupo, “Crop Circles: A Mystery Solved?”, aumentava a ênfase na questão da ação humana e previa que os artistas responsáveis viriam a criar padrões cada vez mais complexos, previsão que logo se cumpriu.
Um ano depois, dois artistas, Doug Bower e Dave Chorley, confessaram terem sido os autores dos principais círculos dos anos 80, e ainda criaram, sob os olhos da imprensa, um círculo que enganou direitinho Pat Delgado, o ufólogo que mais havia propagado a ideia de que os desenhos “misteriosos” seria obra de extraterrestres.
A confissão da dupla levou a uma explosão de imitadores, que passaram a disputar entre si a criação de imagens cada vez mais sofisticadas, e até algumas paródias, como campos achatados com a forma do emblema do browser Firefox.
De fato, em 1992 foi realizado, também na Inglaterra, o Primeiro e Último Concurso Internacional de Criação de Círculos de Plantação, que pagou um prêmio de 3 mil libras (algo perto de 15 mil reais, em dinheiro de hoje) para os vencedores: um trio de engenheiros que criou um padrão complexo de hieróglifos “alienígenas” em apenas uma noite de trabalho.
Eles usaram um cano de PVC para achatar as plantas, além de um par de escadas de alumínio e uma tábua para criar pontes temporárias que lhes permitiam andar pelo campo cultivado sem deixar rastros muito evidentes.
Na mesma época, um grupo de artistas, chamado Circlemakers, começou a espalhar círculos em plantações pelo mundo – esse coletivo ainda está em atividade e tem um site bem interessante, aliás.
Para completar, em 2009 uma edição especial da revista britânica Fortean Times trouxe um depoimento detalhado de Mark Pilktington, que faz a seguinte “confissão”: “Círculos em plantações são feitos por pessoas, pelo menos desde meados dos anos 70, e durante muitos anos, eu fui uma delas”.
“Se talvez não saibamos quem está por trás de cada um dos círculos – embora a comunidade seja bem unida e, em geral, tenda a saber quem está fazendo o quê – sabemos o que está por trás deles: criatividade humana”, prossegue o artista, que dedica boa parte de seu artigo a apresentar um rápido tutorial da prática. Em resumo, basta uma tábua com um laço de corda em cada lateral.
O desenhista segura as cordas, enquanto caminha pela plantação pressionando a tábua com um dos pés, para amassar as plantas. “Uma tábua de vinte centímetros de largura por um metro de comprimento é o ideal”, aconselha. O artigo também traz dicas sobre como demarcar referências visuais no terreno, para seguir o desenho à risca.
A despeito de todas as análises lógicas, confissões, tutoriais e círculos fantásticos inegavelmente criados por mãos (e pés) humanas, como o do Firefox, ainda há quem insista que o fenômeno é inexplicável e deve ser atribuído a alienígenas.
Entre nós
No Brasil, o agroglifo é uma arte eminentemente sulista: o mais famoso foi produzido no município paranaense de Prudentópolis, e os arquivos dos noticiários online de Paraná e Santa Catarina, na última década, estão cheios de notas sobre o assunto.
A maioria cai na armadilha daquilo que os americanos chamam de “mystery mongering”, ou “tráfico de mistério”, em que se finge que não existe explicação racional razoável e a questão é deixada propositalmente “no ar”.
Não raro, a única fonte ouvida é um ufólogo que insinua, ou afirma, a origem extraterrestre do desenho. Quando cientistas também têm voz, suas opiniões costumam ser postas no mesmo plano que as dos ufologistas, e o público é deixado a ver navios para escolher entre elas, como se fossem opções igualmente prováveis.
A aparição de um rascunho do Ceará é, portanto, uma espécie de quebra de padrão, ao menos no sentido geográfico. O som de motor de moto ouvido por uma das testemunhas pode ser uma pista importante para desvendar o “mistério”, que segundo o Diário do Nordeste será investigado por um ufólogo local.
Claro, é imprudente descartar logo de cara possíveis explicações naturais (ou humanas, só que acidentais ou com outros tipos de motivação) para o ocorrido, mas a associação entre forte luz azul e som de motocicleta deixa a expectativa de que ainda veremos um artista agrário do Nordeste tentando obras mais ambiciosas e sofisticadas, no futuro.
Carlos Orsi é jornalista e editor-chefe da Revista Questão de Ciência