Existe mesmo um lado escuro da Lua?

Questionador questionado
25 ago 2023
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Lado oculto da Lua

 

O dia 23 de agosto de 2023 deverá ser lembrado com orgulho na Índia: foi a primeira vez que uma missão da agência de pesquisas espaciais do país (ISRO) conseguiu fazer um pouso suave na Lua. A primeira das missões indianas à Lua, operando entre 2008 e 2009, envolvia apenas orbitar o satélite e analisar dados a partir dos instrumentos a bordo. A segunda tinha o pouso como objetivo, mas acabou apresentando problemas e colidindo catastroficamente na superfície lunar em setembro de 2019.

Agora, a terceira missão, Chandrayaan-3, conseguiu pousar de modo bem-sucedido, fazendo da Índia a quarta nação a realizar a façanha, junto com Estados Unidos, União Soviética e China. O pouso indiano ocorreu apenas alguns dias depois de a Rússia pós-soviética também tentar se juntar à lista, mas sua missão Luna-25 teve problemas que a levaram a se acidentar na superfície lunar em 19 de agosto.

Diversos veículos de imprensa noticiaram o sucesso indiano afirmando que a sonda havia conseguido pousar no chamado “lado escuro da Lua”. Exemplos dessa redação você encontra aqui, aqui e aqui. Ainda outras afirmaram ser a primeira vez que um pouso bem-sucedido é feito nessa região.

Mas há vários problemas nesses informes. O primeiro é que não há um lado permanentemente escuro na Lua; o segundo é que o “lado escuro” é usado como sinônimo de “lado escondido”; o terceiro é que a missão indiana não pousou nessa região; e o quarto é que já houve missões com pousos bem-sucedidos no “lado escondido”, no passado. Vamos por partes.

 

O lado "escuro" da Lua

O fato curioso que está por trás dessa expressão é uma sincronia de movimentos que a Lua apresenta: como ela é um satélite natural do nosso planeta, permanece em órbita em torno da Terra. E o tempo que leva para completar uma volta em torno do nosso planeta é o mesmo que gasta para completar um giro em torno do próprio eixo. Essa coincidência, causada pela atração gravitacional da Terra, faz com que a Lua mantenha sempre o mesmo lado – a mesma “face” – voltado para nós.

Isso significa que nosso satélite tem, de forma permanente, em relação a observadores posicionados na superfície da Terra, uma face próxima e outra distante ou, alternativamente, podemos chamar de “lado aparente” e “lado oculto” da Lua. Há um lado da Lua que nunca vemos por que ele está permanentemente virado para longe de nós.

Quanto à iluminação, a luz que atinge a Lua de forma significativa é a solar. Some-se a isso o fato de que, ao longo do mês, a Lua se encontra em diferentes posições na sua órbita ao redor da Terra, e temos os ingredientes capazes de gerar o que chamamos de “fases da Lua”.

E, da mesma forma que a face aparente da Lua recebe luz de forma variável ao longo do mês – ficando completamente iluminada na “Lua cheia”, e escurecida na “Lua nova” –, a face escondida está submetida ao mesmo processo, só que ao contrário: quando é Lua nova, a face que vemos está escura, mas a face oposta, completamente iluminada; e na Lua cheia, o lado oculto está sem luz. Simplesmente não há uma face lunar completamente escura o tempo todo. Não existe, portanto, “o lado escuro da Lua”, que acabou se tornando uma expressão comumente usada para se referir – indevidamente – ao lado escondido do satélite.

 

O pouso da Chandrayaan-3

Uma vez entendido que “lado escuro” pode aparecer (erroneamente!) como sinônimo de “lado escondido”, será que foi mesmo nessa região que a missão Chandrayaan-3 alunissou? Aí vai outra expressão para você conhecer: “alunissar” é como nos referimos ao pouso na Lua, já que “aterrissar” é pousar aqui mesmo na Terra. Para responder à questão, pode-se consultar a página oficial da missão, obtendo-se a informação das coordenadas do local do pouso: cerca de 70 graus Sul e 30 graus Leste, o que é dentro da região aparente da Lua, conforme demarcado em cartas de referência.

O que faz a missão indiana se destacar é que ela é a primeira a pousar de modo bem-sucedido nos arredores do Polo Sul lunar (mas ainda na porção aparente da superfície). E há um grande interesse científico pelo local porque, mesmo que não seja correto afirmar que há um lado permanentemente escuro na Lua, é fato que existem algumas regiões limitadas da Lua que ficam sempre no escuro, como as profundezas de certas crateras ou partes baixas de encostas ou de trincheiras nos arredores dos polos, já que a luz solar simplesmente nunca incide diretamente sobre esses pontos: eles estão sempre na sombra.

Isso faz com que as temperaturas nesses locais sejam muito baixas, podendo ficar a menos de 200 graus Celsius negativos. Deseja-se, por exemplo, investigar a quantidade de água congelada que esses locais armazenam, já que toda a água que acabou indo parar neles, ao longo do tempo, congelou e não mais evaporou. Esse gelo pode estar misturado a outros compostos químicos, separados por camadas sobrepostas, que se relacionam a diferentes épocas do passado, formando uma espécie de “cápsula do tempo” que os cientistas querem estudar.

Ademais, ao conhecer a quantidade de água disponível na forma congelada, pode-se planejar formas de utilizá-la em futuras missões para a Lua, especialmente se forem tripuladas: a água poderia ser usada para consumo, para refrigerar equipamentos e, também, para sofrer uma reação de dissociação que acabe formando hidrogênio e oxigênio. O primeiro tem potencial combustível, e o segundo pode ser usado para abastecer tanques e sistemas de respiração. Aguardemos os achados que a missão indiana irá anunciar.

 

Nem tão escondido assim

Um dos marcos comumente considerados para o início da exploração espacial é o lançamento do primeiro satélite artificial, o Sputnik 1, em 1957. Ao longo da década de 1960, Estados Unidos e União Soviética acirraram a corrida espacial que culminaria com o primeiro pouso tripulado na Lua, em 1969, por uma tripulação norte-americana. Ao longo do processo, diversas missões espaciais foram enviadas com o objetivo de orbitar a Lua, e isso fez com que, cada vez mais, o lado escondido fosse sendo revelado.

Portanto, atualmente, já temos belas imagens mostrando, lado a lado, cada uma das faces lunares. E é curioso notar que a aparência – além de outras propriedades da superfície – é diferente de um lado para o outro, e isso também gera interesse de se continuar a investigação científica sobre nosso satélite natural.

O lado escondido da Lua até já recebeu uma missão espacial anterior que fez um pouso bem-sucedido: a Chang'e-4, dos chineses, que alunissou em 2019. Caso esteja curioso, você pode até encontrar a indicação visual dos locais para onde foram enviadas diversas missões lunares ao longo do tempo. No lado escondido, apenas uma; e a Chandrayann-3, como antes dissemos, figura soberana nos arredores do Polo Sul, mas na porção aparente do corpo lunar.

 

Marcelo Girardi Schappo é físico, com doutorado na área pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Santa Catarina, participa de projeto de pesquisa envolvendo interação da radiação com a matéria e coordena projeto de extensão voltado à divulgação científica de temas de física moderna e astronomia. É autor de livros de física para o Ensino Superior e de divulgação científica, como o “Armadilhas Camufladas de Ciências: mitos e pseudociências em nossas vidas” (Ed. Autografia)

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