"Possibilidade" de vida alienígena não é o que a mídia insinua

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28 set 2023
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ETs em casas de abóbora

 

Em textos de ciência pouco importam as crenças pessoais dos personagens que aparecem. Assim, manchetes como a que saiu no Estadão (“ETs: ‘Minha resposta é sim’, diz diretor da Nasa sobre acreditar em vida em outros planetas”) não acrescentam muita coisa e servem apenas como caça-cliques, ao alimentar fantasias sobre alienígenas. Até este momento, não existe nenhuma evidência científica que aponte para a existência de vida inteligente fora da Terra.

Não há nenhum problema no estímulo à imaginação das pessoas, mas isso deve ser feito nos locais apropriados. Diferentemente de um cinema ou teatro, onde a suspensão de descrença se mostra como algo saudável, os produtos jornalísticos deveriam tomar mais cuidado com aquilo que é veiculado, evitando misturar ficção com realidade e confundir o debate público. Recentemente, porém, uma onda de assuntos envolvendo extraterrestres tem crescido bastante, motivada, ao que tudo indica, por uma série de eventos no Congresso americano que envolveram especulações sobre alienígenas.

Imagine o seguinte experimento mental, onde um fazendeiro nos cede 500 cabeças de gado para uma pesquisa científica. As vacas são conduzidas para o alto de uma montanha onde é possível se aproximar de um penhasco. Uma por uma, elas são colocadas à beira do abismo para em seguida serem empurradas para frente por um trator até que todas caiam e se espatifem no chão. Ao fim e ao cabo verifica-se que nenhuma alçou voo para se salvar da queda. Conseguimos provar que vacas não voam? A resposta é não.

Provamos apenas que aquelas vacas, naquele penhasco e com uma determinada condição do clima não conseguem ou não querem voar. Nesta situação não é possível generalizar ou provar a negativa: quem pode afirmar que não existe uma vaca voadora em uma ilha isolada, no meio do oceano, e que sempre se esconde quando qualquer pessoa tenta observá-la?

O exemplo acima é apenas uma ilustração de que a prova de uma negação não é trivial – na situação fictícia, a inexistência da habilidade aeronáutica bovina. Proposições lógico-matemáticas ou exemplos particulares não se encaixam aqui. É possível, por exemplo, provar uma afirmação do tipo: “não existe um livro sobre esta mesa”, pois basta olhar para ver se o exemplar está lá ou não. O problema ocorre quando se tenta uma generalização em contextos muito abrangentes e, neste caso, poucas coisas podem ser tão abrangentes como o Universo.

Uma afirmação como a que está colocada na manchete do Estadão não diz nada além do trivial (algo como “no Universo não podemos descartar a existência do Curupira”) e, portanto, não há notícia aí. O fato novo, que aparece na matéria, é a divulgação de um relatório da Nasa sobre fenômenos anômalos não identificados (UAP, na sigla em inglês). Apesar de o relatório ser contundente ao afirmar que “na literatura científica revisada por pares não há evidências conclusivas [não há sequer evidência fraca] que sugiram uma origem extraterrestre para os óvnis [objetos voadores não identificados]”, ele deixa vários ganchos para o jornalismo sensacionalista se pendurar.

A palavra extraterrestre é mencionada 12 vezes no relatório, e em alguns pontos existe até uma citação ao detetive Sherlock Holmes: “Depois de eliminar o impossível, o que resta, por mais improvável que seja, deve ser a verdade”. O fato é que existem hipóteses mais plausíveis antes de se apelar para o sobrenatural (ou extraterrestre). Apesar da comissão que elaborou o relatório mencionar a astrobiologia – uma área séria de pesquisa –, é importante que se diga que não se deve confundir a procura por vida extraterrestre, focada em microrganismos, e a busca por um ser alienígena humanoide que recomenda “buscar conhecimento”.

Existe uma grande diferença entre “não descartar” uma hipótese e considerá-la plausível. Avi Loeb, físico americano, publicou recentemente um artigo preliminar onde também não descarta a hipótese de ter encontrado tecnologia extraterrestre, ao estudar algumas esferas descobertas no fundo do mar. A questão é que outras hipóteses que ele também considera são muito mais prováveis, e não exigem que se pressuponha a existência de coisas fantásticas.

Em uma entrevista recente para a WAMC/Northeast Public Radio, a senadora americana Kirsten Gillibrand, do Partido Democrata, questionada sobre a questão dos óvnis, simplesmente responde que a pressão que ela tem feito sobre o assunto junto ao Departamento de Defesa restringe-se unicamente à melhora da vigilância do espaço aéreo norte-americano. Acrescenta que é preciso ter superioridade aérea para garantir a segurança nacional, e que o principal motivo das audiências no Congresso é a preocupação quanto a balões e drones de espionagem vindos, provavelmente, de adversários como China, Rússia ou Irã. Ou seja, nada a ver com tecnologia alienígena.

É importante lembrar mais uma vez que “ausência de evidência” é diferente de “evidência da ausência”, mas que existe um limite saudável onde é importante distinguir fanatismo, obsessão e teimosia daquilo que configura uma busca genuína pelo desconhecido. Como finaliza o relatório da Nasa, “não há razão para concluir que os relatos de óvnis tenham uma fonte extraterrestre” e, afinal, o ônus da prova cabe a quem afirma a existência de algo: se você tem uma vaca voadora, não espere que as pessoas aceitem sua palavra. Mostre-a ao mundo.

 

Marcelo Yamashita é professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência

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