Menos fake news, mais polarização na rede

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30 mar 2023
Autor
combate

Dois estudos publicados recentemente na revista Nature Human Behaviour são uma fonte moderada de esperança nestes tempos de radicalização política. No primeiro deles, experimento conduzido por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) detectou uma inesperada resistência dos eleitores americanos a se alinharem a posições de líderes políticos que contradigam seus valores. Já o segundo observou uma queda no uso da rede social Twitter para espalhar notícias falsas, desinformação ou conteúdo extremista entre as eleições presidenciais de 2016 e 2020 nos EUA. Porém, captou uma perda de influência do jornalismo independente e um aumento na polarização.

Para saber o quanto os eleitores americanos são propensos a “seguir o líder”, Ben M. Tappin, Adam J. Berinsky e David G. Rand, todos do MIT, criaram um experimento em que os participantes primeiro davam sua opinião sobre cinco de 24 questões políticas contemporâneas no país – como se imigrantes devem ou não ter acesso a seguros de saúde subsidiados pelo governo, ou se o colégio eleitoral que, na letra da lei, escolhe o presidente do país, deve ser abolido - numa escala de sete pontos entre “concordar fortemente” ou “discordar fortemente”. Depois, eles eram randomizados para serem expostos ou não à opinião dos líderes de seus respectivos partidos (o atual presidente dos EUA, Joe Biden, no caso dos que se identificavam como democratas, e o ex-presidente Donald Trump no dos que se diziam republicanos) ou de ambos sobre estes temas, para daí serem novamente randomizados em braços de “tratamento” ou "placebo" com breves textos argumentativos que contradiziam tais líderes. Por fim, eles voltaram a dar sua posição sobre o tema de forma a avaliar o impacto das informações recebidas.

Por exemplo: à questão se imigrantes devem ter acesso a seguros-saúde subsidiados – que Biden concorda e Trump discorda -, os republicanos, caso designados, leriam um texto argumentando que no longo prazo esta política reduziria os custos de saúde para todos por uma “razão muito simples: ao facilitar o acesso de imigrantes ilegais a tratamentos de saúde, seus pequenos problemas de saúde não se desenvolverão em condições mais sérias lá na frente” e assim “centros de saúde não terão que aumentar os preços de seus serviços para compensar os custos de terem que tratar condições mais sérias”. Já os democratas leriam uma mensagem dizendo que tal política pode “frear ou impedir a expansão da cobertura de saúde para cidadãos americanos em dificuldades”, pois incluir 6 milhões de pessoas que trabalham “por fora” do sistema legal, e portanto não contribuem para a seguridade social, consumiria recursos que poderiam ser usados para isso.

Ao todo, pouco mais de 5 mil pessoas completaram os questionários, fornecendo cerca de 25 mil observações aos pesquisadores. Segundo eles, a análise das respostas indica que a exposição à posição do líder de seu partido sobre determinado tema teve pouco impacto na receptividade e efeito da mensagem argumentativa. Ou seja, a opinião do líder não foi suficiente para “cegar” seus partidários para argumentos contrários à sua posição.

“Neste artigo, nós testamos se a receptividade dos eleitores americanos a mensagens persuasivas era diminuída por opiniões contrárias dos líderes partidários Donald Trump e Joe Biden”, escrevem. “Nossos resultados mostram que este não é o caso: não encontramos evidência que o efeito causal médio das mensagens persuasivas foi significativamente reduzido pela opinião contrária do líder partidário. Mais, este resultado se manteve em uma ampla gama de questões políticas, subgrupos demográficos e ambiente de informação. Estes achados contrastam com a noção de que a lealdade ao partido e a motivação para se alinhar suplantam os valores das pessoas e interferem, distorcem ou de outra forma limitam o seu processamento de mensagens contrárias. E se tais interferências e distorções ocorrem, nossos achados sugerem que são relativamente pequenas, incomuns ou podem ser evitadas com facilidade”.

 

Raciocínio motivado

Os pesquisadores ressaltam, porém, que embora seus resultados indiquem limites para o poder da lealdade ao partido e ao líder em distorcer o processamento de informações, isso não quer dizer que o raciocínio motivado, isto é, a tendência das pessoas de construir racionalizações e argumentos para apoiar suas crenças e opiniões, também enfrente limitações frente a mensagens argumentativas contrárias.

“As pessoas têm identidades variadas e motivações que não são redutíveis ao seu partidarismo”, frisam. “Uma interpretação para nossos resultados é que as mensagens persuasivas influenciam as atitudes das pessoas ao ativar motivações na direção oposta à opinião do líder partidário; e que a lealdade partidária não anulou a influência destas outras motivações direcionais. Por exemplo, nossas mensagens de tratamento frequentemente tentaram apelar para os valores das pessoas. Na medida que os valores são reforçados pela comunidade de alguém, apelar para os valores das pessoas pode mudar atitudes ao ativar uma motivação direcionada à conformidade. Mas este é apenas um exemplo. Independentemente de vários mecanismos que alguém possa propor sobre como mensagens persuasivas afetam as atitudes, nossa contribuição não muda: o efeito causal dos mecanismos não parece ser distorcido pela lealdade partidária”.

Uma limitação do experimento reconhecida pelos autores, no entanto, é que a opinião do líder político foi fornecida de modo direto e sucinto, isto é, que Trump ou Biden concordavam ou discordavam das questões propostas, como o acesso de imigrantes a seguros-saúde subsidiados pelo governo.

“Em linha com trabalhos anteriores, nosso tratamento consistia em simplesmente comunicar a posição dos líderes partidários na questão política em pauta. Mas, no mundo real, a comunicação política, tipicamente pelos líderes partidários (e seus apoiadores na mídia partidarizada) não anunciam simplesmente sua posição para o eleitorado. No lugar disso, eles gastam muito tempo e energia fornecendo justificativas para seus posicionamentos, assim como argumentos e evidências contra posições alternativas”, lembram. “A presença de tais justificativas pode permitir aos eleitores ignorar mais facilmente as mensagens contrárias e simplesmente se alinharem ao líder do partido por poderem melhor racionalizar esta atitude. Testar sistematicamente esta proposta envolveria incluir um fator de tratamento adicional no nosso desenho: randomizar se os eleitores recebem uma mensagem de apoio à posição de seu líder partidário. Consideramos esta extensão de nosso desenho uma prioridade em pesquisas futuras”.

 

Menos fake news, mais eco

Já o segundo estudo, encabeçado por Hernán A. Makse e Boleslaw K. Szymanski, respectivamente do City College of New York e do Instituto Politécnico Rensselaer, ambos no estado americano de Nova York, analisou quase 1 bilhão de publicações no Twitter em 2016 e 2020, anos de eleições presidenciais nos EUA, para avaliar como a rede social foi usada para fins políticos nas duas ocasiões. O estudo teve como base levantamento feito pelo mesmo Makse na eleição de 2016, publicado na revista Nature Communications em 2019, que revelou que 25% dos tuítes de cunho político com links para veículos de comunicação publicados na época espalharam notícias falsas ou extremamente enviesadas, tendo como autores principalmente apoiadores de Trump.

No novo estudo, Makse e equipe somaram uma amostra de 702 milhões de tuítes mencionando os nomes dos candidatos a presidente dos EUA em 2020 – Donald Trump e Joe Biden - publicados por cerca de 20 milhões de usuários entre 1 de junho e 2 de novembro, dia da eleição daquele ano, aos 171 milhões de tuítes citando o mesmo Trump e sua adversária de então, Hilary Clinton, enviados por 11 milhões de usuários da base de dados original de 2016. Dos totais, 30,7 milhões de tuítes feitos por 2,3 milhões de usuários em 2016 – ou cerca de 18% - continham links para veículos de comunicação, proporção de caiu para 10% (72,7 milhões de tuítes de 3,7 milhões de usuários) nas eleições americanas de 2020. Mais que isso, enquanto em 2016, 10% dos tuítes nestas condições direcionavam os leitores para sites conhecidos como veiculadores de notícias falsas, e 13% para veículos extremamente enviesados de direita, em 2020 estas proporções caíram para 6% nos dois casos. Já a fração de tuítes direcionados para veículos extremamente enviesados de esquerda foi de 2% em 2016 para mero 0,05% em 2020.

O levantamento, no entanto, também detectou um afastamento das publicações do centro do espectro político, cuja proporção caiu de 21% para 10% entre as duas eleições. Já a fração de tuítes direcionando a veículos de tendência considerada esquerdista subiu de 24% para 45%, enquanto as voltadas para publicações com tendência para a direita foi de 3% para 6%. Muito deste movimento, porém, se deu pelo fato de o site CNN.com, ligado ao canal de notícias CNN, ter sido caracterizado como de centro quando das eleições presidenciais americanas de 2016 e como de tendência esquerdista no pleito de 2020 pelo allsides.com, cuja avaliação foi usada como parâmetro pelos autores do estudo. Em 2020, o site da CNN recebeu mais do dobro de tuítes do que o líder na categoria “centro” daquele ano, o thehill.com.

O estudo também procurou estimar a proporção dos tuítes de cunho político que teriam sido publicados por robôs nas duas eleições. Para isso, os autores observaram quais foram enviados por aplicativos ou programas (clientes) não oficiais da rede social, muitos dos quais oferecem ferramentas automatizadas de publicação e atividade e que, segundo eles, podem ser indicativos de abrigarem robôs criados com intenções maliciosas. A proporção geral de tuítes publicados por estes tipos de programas e aplicativos caiu de 8% nas eleições americanas de 2016 para apenas 1% em 2020.

Para os pesquisadores, tanto a redução na fatia de tuítes direcionados para sites de notícias falsas ou extremamente enviesados quanto no aparente uso de robôs para espalhar desinformação podem ser resultado de ações implementadas pelo Twitter, justamente para coibir estas práticas ou limitar a viralidade deste tipo de publicação.

“O volume relativo de tuítes ligados à websites de desinformação caiou pela metade em 2020 na comparação com 2016, e a fração de usuários compartilhando notícias falsas caiu ainda mais substancialmente”, destacam. As medidas contra fake news e robôs foram implementadas no período entre os pleitos e antes da aquisição da plataforma por Elon Musk.

Isso não quer dizer, porém, que o estudo não traga sinais de alerta. Análise do tipo e atuação das contas com maior capacidade de influência nas amostras detectou um recrudescimento no fenômeno das “câmaras de eco”, que reverberam e criam “bolhas” de informação, se tornando um caminho fácil e preferencial para disseminar desinformação na rede social, e da polarização.

“Entre 2016 e 2020, o número de influenciadores afiliados a organizações jornalísticas caiu em 10%, substituídos principalmente por influenciadores afiliados a organizações políticas de centro ou de tendência de direita”, resumem os pesquisadores. “Esta mudança no cenário da mídia no Twitter indica uma migração na influência relativa de jornalistas e organizações políticas. Entre os influenciadores jornalistas profissionais, houve um afastamento do jornalismo independente em direção a um enviesamento de extrema direita e notícias falsas. Sobretudo, embora o número de tuítes e usuários propagando notícias falsas ou extremamente enviesadas tenha caído entre 2016 e 2020, a polarização aumento ao longo de todo espectro político. Observamos um aumento na divisão de influenciadores e usuários em câmaras de eco opostas da primeira para a segunda eleição. E confirmamos esta observação analisando as ideologias latentes de influenciadores e usuários, descobrindo um aumento correspondente na sua polarização. Esta análise também sugere que os novos influenciadores de 2020 têm ideologias mais polarizadas do que os influenciadores que persistiram da eleição de 2016”.

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

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