Medicina me ensinou a falar com adeptos de teorias da conspiração

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31 jul 2020
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zap

 

Algumas semanas atrás, fiz uma desagradável viagem pelos vídeos com teorias conspiratórias sobre a COVID-19. Como médica recém-formada, na linha de frente do atendimento às vítimas da pandemia, foi particularmente doloroso assistir àqueles vídeos. Havia o infame Plandemic, que afirma que uma parcela da elite e organizações estão usando a COVID-19 para consolidar seu poder. Há também a afirmação falsa de que Bill Gates apoiou a produção do novo coronavírus, para reduzir nossa liberdade. Assistir a esses vídeos me fez pensar por que tanta gente é atraída por eles - e como conter a propagação dessas informações falsas. Em ambas as frentes, minha experiência atendendo a pacientes me ensinou lições valiosas.

Aprendi que teorias da conspiração geralmente não são mal-intencionadas ou idiotas. Ao contrário, muita gente tem medo da própria impotência, e essas teorias fornecem a impressão de ter a situação sob controle. Acreditar que a COVID-19 foi disseminada por organizações com más intenções permite que os adeptos de teorias conspiratórias concentrem sua ansiedade num grande vilão, em vez de reconhecer nossa impotência coletiva diante dos caprichos da natureza. Elas aliviam o medo existencial que temos do Universo arbitrário e indiferente em que vivemos. Reconheço essas emoções porque as vi vezes sem conta em meus pacientes que hesitam em aceitar a recomendação médica ou por falta de informação ou por relutância em fazer uma mudança de hábitos.

Outro atrativo das teorias conspiratórias é permitir que seu seguidor seja dono de uma verdade secreta, que não depende de sua formação ou riqueza. Estudos já demonstraram que níveis mais baixos de educação correspondem à maior credulidade em explicações conspiratórias, e um deles concluiu que “a educação pode minar a dinâmica e as asserções que se refletem nas crenças conspiratórias”.

Os adeptos de teorias conspiratórias sobre a COVID-19 provavelmente nunca receberam o treinamento necessário para interpretar textos acadêmicos complexos. Não posso enviar para eles um entre as dezenas de artigos de pesquisa que li nos últimos meses e esperar que entendam as nuances do trabalho científico. Ainda assim, se eu desafiasse suas crenças, não me surpreenderia se me dissessem que fui eu quem não fez uma pesquisa correta e atenta. As teorias da conspiração florescem e se disseminam porque são fáceis de entender e se encaixam perfeitamente em sua lógica interna distorcida. A verdade é quase sempre extremamente complicada, mas as melhores mentiras são simples e fáceis de acreditar.

Felizmente, médicos têm uma ferramenta poderosa para convencer pacientes sobre várias coisas, como parar de fumar e tomar vacinas: entrevista motivacional é uma forma de terapia da conversação, usada para acessar e guiar pacientes no processo de fazer mudanças positivas para a saúde. Como parte da entrevista motivacional, pergunto a meus pacientes sobre quais os maiores obstáculos para a mudança de ideias ou hábitos. Assim, fico sabendo que preocupações ou informação errônea tenho que abordar. Nunca faço com que o paciente se sinta culpado, encha-se de medo, nem exponho o ridículo de sua ideia, porque quem se sente ameaçado aferra-se ainda mais a suas crenças.

Ao final dessas conversas, reavalio a disposição de meus pacientes para mudanças. A maioria não está disposta a abrir mão de crenças profundamente arraigadas ou de hábitos após uma única consulta, por isso permaneço aberta a novas conversas. Após algumas delas, meus pacientes passam a me conhecer e entendem que quero o melhor para eles. Ao cultivar o respeito mútuo, geralmente consigo convencê-los a adotar hábitos saudáveis, como tomar a medicação e parar de fumar.

Por isso, agora, quando encontro um adepto de teorias da conspiração sobre a COVID-19, começo a conversa buscando a empatia, reconhecendo que a doença é assustadora e todos queremos que os que amamos fiquem seguros. Digo que não confio nas conclusões de alguns desses vídeos conspiratórios da internet, e indico algumas fontes de informação mais confiáveis. Mesmo que não mudem de ideia, eles percebem que eu levo suas preocupações a sério. As conversas sobre a COVID-19 vão continuar e, com o tempo, espero que a visão baseada em evidências supere as teorias conspiratórias.

As informações falsas viralizaram durante a pandemia e muitos de nossos amigos e parentes embarcaram nessas ideias. Felizmente, há uma cura potencial para isso: doses saudáveis de atenção, empatia, paciência e respeito.

Yoo Jung Kim é médica recém-formada pela Faculdade de Medicina da Universidade Stanford e trabalha em um hospital de San Jose, Califórnia. Seus textos sobre ciência e sociedade aparecem no Washington Post, na U.S. News and World Report, San Francisco Chronicle, The Seattle Times, The San Jose Mercury e no Korea Times. Artigo publicado originalmente em Undark.

 

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