“Acelerar é fácil. Difícil é consolar uma família”. Essas palavras legendaram, em um dos últimos dias de 2024, postagem nas redes sociais da Polícia Militar Rodoviária de Santa Catarina. Na ocasião, o órgão tornou pública uma aferição de velocidade feita por um de seus radares móveis, quando se flagrou uma BMW X6, em Chapecó (SC), trafegando em uma rodovia estadual a 168 km/h, mais do que o dobro do máximo permitido no local.
Não fosse o flagrante feito pela utilização de um radar móvel, se o condutor em questão conhecesse todos os locais da via onde os radares fixos estão, ele poderia trafegar com a velocidade que quisesse sem nunca ser multado. Como? Bastando realizar aquela clássica “manobra” de colocar o pé no freio logo antes do radar.
Isso ocorre porque, no Brasil, todos os radares regulamentados determinam a velocidade instantânea do veículo, aquela que ele está desenvolvendo apenas no momento da medida, e desprezam todo o histórico de velocidades mantidas antes ou depois de o veículo passar por eles. É dentro desse contexto, de se tentar penalizar de forma mais apropriada aqueles infratores que extrapolam a velocidade máxima permitida de forma consistente, que se está testando, no país, os chamados “radares de velocidade média”. A primeira concessão federal a receber equipamentos desse tipo foi a BR-050, em Minas Gerais.
Fora do Brasil, já são uma realidade. Um notório caso de sucesso vem da Escócia: em uma das rodovias que liga a região central ao norte do país, com um tráfego médio de cerca de 23 mil veículos por dia, cerca de 60% dos motoristas extrapolavam o limite máximo de velocidade ao longo da viagem; depois da instalação de sistemas de monitoramento por velocidade média, apenas 1% dos motoristas seguiram cometendo a infração. Há estudos apontando que radares desse tipo podem reduzir em mais de 50% o número de acidentes graves onde estão instalados.
Vale lembrar que esses equipamentos, por aqui, ainda não aplicam multa, mas o quanto antes as pessoas puderem se informar sobre como funcionam, melhor preparadas estarão para não cair na ingênua tentação de tentar contestar uma multa legítima recebida após uma viagem (supondo, claro, não ter havido algum mal funcionamento no equipamento, ou veículo com placa clonada etc.), mesmo “jurando” que estavam conduzindo a baixa velocidade ao passarem pelos radares. Em outras palavras: de nada interessa, neste outro tipo de radar, a velocidade com que o veículo passa por ele.
Velocidade média
A velocidade média é uma definição usada na Física para, de certa forma, quantificar a rapidez com que um móvel percorreu determinado trajeto. Diferentemente da velocidade instantânea, que pode variar momento a momento enquanto o móvel viaja, a velocidade média é uma espécie de “velocidade constante equivalente” para todo o percurso. Veja: se você levou 2 horas para viajar por 100 km, isso é equivalente a você manter, durante todo o trajeto, uma velocidade constante de 50 km/h. Pronto, essa foi a sua velocidade média. Na prática, isso significa uma das duas possibilidades a seguir: ou você realmente fez a viagem com uma velocidade bem próxima de 50 km/h o tempo todo; ou que você viajou tanto abaixo como – e aqui está o segredo da ópera – acima dela, podendo talvez nunca ter viajado a exatos 50 km/h. Curioso, não?
E é nisso que se baseia a aplicação da multa no radar de velocidade média: se seu valor calculado em um trajeto longo fica acima da velocidade limite da via, então, com certeza, pelo menos em algum momento o motorista extrapolou o limite; mas, se o valor calculado ficar exatamente no limite, nenhuma multa é aplicada, pois, embora seja possível, como acabamos de discutir, que o motorista tenha viajado ocasionalmente acima da velocidade máxima permitida, sempre há a possibilidade dele ter realmente se mantido o tempo todo com uma velocidade bem próxima ao limite, o que é suficiente para garantir a presunção de inocência.
Para determinar a velocidade média (em km/h) no trânsito, é necessário dividir o deslocamento total do percurso (em km) pelo intervalo de tempo (em horas) que o veículo precisou para percorrê-lo. Na prática, este tipo de fiscalização deve ocorrer sempre a partir de dois radares, um de início e outro de fim do trajeto analisado. Em cada um deles, registram-se os veículos que estão passando (identificados pela placa) e o horário da passagem. Com isso, como a distância entre os radares é conhecida por princípio, o computador do equipamento usa os horários inicial e final para determinar o intervalo de tempo do percurso e, por fim, calcular a velocidade média de cada veículo.
Velocidade instantânea
Vale destacar que a implantação definitiva e a eventual disseminação de radares de velocidade média não tornarão inúteis os radares de velocidade instantânea. Muito pelo contrário. Eles continuarão em uso, mas poderão ser instalados de maneira estratégica, em locais em que a redução pontual da velocidade precisa ser incentivada, como em trechos sinuosos ou nos arredores de locais com grande movimentação de pedestres, por exemplo. Prova disso é o resultado da instalação desse tipo de radar na descida do Morro do Boi, em 2012, na BR-101, entre Balneário Camboriú e Itapema, em Santa Catarina: de acordo com o estudo de uma série histórica envolvendo acidentes em dias de condições meteorológicas desfavoráveis na região, verificou-se o registro de 660 ocorrências e oito mortes nos quatro anos anteriores à implantação do controlador de velocidade, seguido de uma queda para 332 ocorrências e dois mortos nos quatro anos posteriores.
De maneira geral, viajar a velocidades mais baixas é sempre mais seguro, e a Física nos ajuda a entender o porquê: um carro que acelera de 80 km/h para 100 km/h está sofrendo um incremento de apenas 25% na velocidade instantânea, mas sua energia cinética aumenta mais do que o dobro disso, cerca de 56%. A energia cinética é uma forma de energia associada ao movimento e, em uma colisão, toda ela precisa ser “drenada” para outras formas de energia (já que energia se conserva) para fazer os veículos e seus ocupantes pararem. É claro que esse fator não pode ser usado, sozinho, para antecipar a gravidade de um acidente (a dinâmica da colisão, os modelos dos veículos, quanto de carga levam etc. são, também, fatores importantes), mas ele é significativo para indicar os potenciais danos que podem sofrer os veículos e as pessoas.
Mas como os radares de velocidade instantânea funcionam?
Uma possibilidade é que eles sigam a mesma lógica estabelecida para os radares de velocidade média: medir o tempo para que o veículo percorra uma distância fixa estabelecida pela instalação do equipamento e, a partir daí, calcular a velocidade. A diferença é que, no sistema por velocidade média, a distância entre o sensor inicial e o final é da ordem de quilômetros, e, no radar de velocidade instantânea, os sensores estão cravados na estrada bem próximos um do outro. Cada um desses sensores, agora, não é mais um identificador de placas, mas um chamado “laço indutivo”, onde a percepção do tráfego ocorre por meio de uma perturbação elétrica que eles sofrem quando são sobrepassados por diferentes veículos, já que carros, motos, caminhos e ônibus, por exemplo, são constituídos por estruturas metálicas de diferentes tamanhos e formas. Ora, se esse sistema mede o tempo para o veículo percorrer a distância entre laços sequenciais distantes um do outro, ele, então, não estaria também medindo a velocidade média? Em tese, sim, mas como os sensores, agora, estão a distância relativamente pequena, essa velocidade corresponde, com boa aproximação, à velocidade instantânea do veículo.
Outra possibilidade é que eles funcionem a partir do chamado “efeito doppler”. Esse efeito pode ser percebido por qualquer um que resolva prestar atenção à diferença no som que se ouve quando um carro de corrida se aproxima e quando se afasta da câmera/microfone que captura o momento. O som na aproximação é mais agudo que no afastamento, e isso é, fisicamente falando, consequência de uma mudança em uma propriedade das ondas sonoras se propagando no ar em cada um desses dois momentos: a frequência. Sempre que há afastamento ou aproximação relativa entre um observador e uma fonte emissora de ondas, a frequência dessas ondas será recebida pelo detector de forma diferente da que realmente foi emitida na fonte. No caso desse tipo de radar, ao invés das ondas sonoras, usam-se sinais de radiofrequência. O aparelho emite essas ondas, que refletem no veículo e voltam para o aparelho, que é capaz de medir a diferença entre a frequência recebida e a emitida. Com essa informação, ele calcula a velocidade do veículo.
Os radares móveis – aqueles do tipo “pistola”, que os agentes de trânsito usam espalhados ao longo da via – funcionam dessa segunda maneira. Os fixos podem operar com base nas duas possibilidades anteriores. A vantagem dos que operam por efeito doppler é que conseguem até mesmo acompanhar a evolução da velocidade dos veículos por vários metros antes e depois do local onde estão instalados, o que também contribui para flagrar os “espertinhos” que freiam apenas em cima do radar.
Como evitar a multa?
Primeiro, a resposta óbvia, e que vale em qualquer estrada e para qualquer tipo de radar: para não ser multado, respeite os limites de velocidade da via. Agora, elaboraremos a resposta um pouco mais, considerando aqueles motoristas que querem ultrapassar o limite sempre que possível, mas não querem “pagar o preço” por isso.
Para radares que trabalham medindo a velocidade instantânea – sejam eles móveis ou fixos – a regra é muito simples: passando com velocidade apropriada pelas proximidades deles, independentemente do que o condutor fizer no resto da viagem, evita-se qualquer punição.
Quanto ao sistema que opera com base na velocidade média, as coisas ficam, digamos, bem menos convidativas para o motorista infrator. Não que ele não possa burlar o sistema e ultrapassar a velocidade máxima sem receber a multa. Ele até pode, mas, para isso, não basta apenas conhecer precisamente onde estão localizados os pardais que marcam o início e o fim do percurso considerado para a medida.
Basicamente, o condutor (ou algum ajudante de plantão que viaje junto com ele) precisa dividir a distância total que separa os sensores de início e de fim do sistema (e, talvez, os aplicativos de navegação por GPS, futuramente, concedam essa informação) pela velocidade máxima da via. Isso irá fornecer o tempo total que precisa transcorrer antes do veículo poder atingir a posição do segundo radar, cabendo ao motorista controlar o “peso do pé” para respeitá-lo.
Ou seja, se o nosso amigo da BMW tivesse trafegado com os mesmos 168 km/h dentro de uma região com monitoração por velocidade média, ele precisaria compensar isso – viajando bem abaixo do limite da via por algum tempo, ou, quem sabe, parando para fazer um lanche – antes de atingir a posição do segundo radar, que “fecha a conta” e determina se uma penalidade deve ou não ser aplicada.
Ao fim e ao cabo, a verdade é que se torna muito mais prático simplesmente não ultrapassar a velocidade máxima da via e deixar a matemática e o cronômetro de lado durante a viagem.
Observação: ao longo deste artigo, desprezamos alguns pormenores físicos relacionados ao estudo e à descrição dos movimentos, como a diferença entre deslocamento e distância percorrida (que usamos como sinônimos), discussões vetoriais sobre movimentos que ocorrem em múltiplas dimensões (como as estradas verdadeiramente são), as diferenças entre velocidade média e velocidade escalar média etc. Embora importantes, optou-se, aqui, por usar as nomenclaturas comuns que circulam nos materiais sobre o assunto direcionados ao público geral e aos motoristas. De qualquer maneira, fica o registro para quem quiser se apropriar mais profundamente dessa interessante área de estudo da Física.
Marcelo Girardi Schappo é físico, com doutorado na área pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Santa Catarina, participa de projeto de pesquisa envolvendo interação da radiação com a matéria e coordena projeto de extensão voltado à divulgação científica de temas de física moderna e astronomia. É autor de livros de física para o Ensino Superior e de divulgação científica, como o “Armadilhas Camufladas de Ciências: mitos e pseudociências em nossas vidas” (Ed. Autografia)