Probióticos e saúde mental: o que a ciência diz?

Questionador questionado
15 dez 2022
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probiótico

 

Os probióticos e prebióticos estão ganhando espaço no campo da saúde mental. Cada vez mais pesquisas sugerem que as bactérias no intestino têm um grande impacto sobre o bem-estar mental. Neste artigo, exploraremos a ligação entre probióticos, prebióticos, ansiedade e depressão, e discutiremos como esses suplementos dietéticos podem estar relacionados com a saúde mental.

Em primeiro lugar, é importante compreender o que são probióticos e prebióticos. Os probióticos são microrganismos vivos, tais como bactérias e leveduras, semelhantes aos microrganismos benéficos encontrados no intestino. São muitas vezes chamados de bactérias “boas” porque ajudam a manter o intestino saudável, impedindo a multiplicação de bactérias nocivas. Os prebióticos, por outro lado, são carboidratos, principalmente fibras, que não conseguimos digerir e que servem de alimento para as bactérias benéficas. Ao nutrir estas bactérias boas, os prebióticos ajudam a promover um equilíbrio saudável dos microrganismos presentes no intestino.

Porém, apesar da crescente popularidade, o consumo desse tipo de produto nem sempre é uma boa ideia. Uma das principais desvantagens dos prebióticos e probióticos é que podem causar problemas digestivos. Para algumas pessoas, consumir grandes quantidades de prebióticos pode trazer inchaço, gases e outros sintomas desconfortáveis. Os probióticos, por outro lado, podem causar diarreia, dor abdominal e outros problemas digestivos, se não forem consumidos adequadamente.

Outra desvantagem potencial dos prebióticos e probióticos é que podem não ser tão eficazes quanto algumas pessoas pensam. Embora haja evidências sugerindo que essas substâncias podem melhorar a saúde intestinal, muitas das alegações sobre seus benefícios não são apoiadas por pesquisas científicas, como o famoso comercial de iogurte que prometia acabar com a prisão de ventre desde que a dieta fosse equilibrada. De fato, alguns estudos até sugeriram que prebióticos e probióticos podem não ser tão benéficos quanto se imaginava.

Além disso, estes produtos precisam ser capazes de “sobreviver” à digestão no corpo humano para fornecer benefícios à saúde. Isso significa que eles devem ser capazes de suportar o ambiente hostil do estômago e do intestino delgado, onde são expostos a enzimas digestivas e outras substâncias. Os prebióticos, em particular, precisam ser capazes de resistir à digestão para que possam atingir o cólon intactos, pois é ali que atuam como alimento para as bactérias benéficas no intestino. Os probióticos, por outro lado, precisam ser capazes de sobreviver ao processo digestivo para que possam colonizar o intestino e proporcionar benefícios à saúde. Tanto os prebióticos quanto os probióticos podem ser projetados para resistir à digestão, mas é importante escolher produtos que tenham se mostrado eficazes em estudos clínicos.

Tendo tudo isso em mente, vamos analisar as evidências sugerindo que as bactérias que vivem no intestino, conhecidas como microbiota intestinal, podem ter impacto significativo na saúde mental. A relação entre o estresse e a composição da microbiota foi descrita pela primeira vez em 1974, quando dois pesquisadores, Tannock e Savage, observaram que camundongos estressados apresentavam reduções significativas na quantidade de lactobacilos – que são um dos grupos das bactérias boazinhas – na microbiota intestinal.

Com a melhoria nas técnicas microbiológicas e de sequenciamento de DNA, outros estudos mostraram que animais e humanos com ansiedade e depressão tendem a ter uma mistura diferente de bactérias intestinais, em comparação com indivíduos sem estas condições. O acúmulo destas evidências nos leva a crer que desequilíbrios na microbiota intestinal podem ter um papel importante no desenvolvimento de condições de saúde mental.

Estudos em camundongos de laboratório sugerem que mudanças na microbiota intestinal podem desempenhar um papel no desenvolvimento e progressão da doença de Parkinson. Por exemplo, um estudo descobriu que camundongos com predisposição genética para a doença de Parkinson tinham níveis mais baixos de certas bactérias benéficas em comparação com camundongos saudáveis.

Por fim, um estudo recente e bem completo, publicado em dezembro de 2022 na Nature Communications, analisou a microbiota fecal de 2.593 humanos que apresentavam sintomas depressivos previamente diagnosticados. O estudo teve o cuidado de levar em consideração fatores de confusão, como a dieta das pessoas e se elas tomavam algum tipo de medicamento, como antibióticos, que sabidamente alteram a composição da microbiota e poderiam afetar os resultados do estudo. Foram identificados 12 gêneros e uma família microbiana associados a sintomas depressivos e que podem influenciar a depressão em humanos. As bactérias identificadas no estudo estão envolvidas na síntese de glutamato, butirato, serotonina e GABA, que são os principais neurotransmissores relevantes para a depressão.

Uma diminuição no número de bactérias envolvidas na produção destes neurotransmissores poderia afetar a disponibilidade deles, e este seria um possível mecanismo permitindo que a microbiota interfira na saúde mental.

É preciso, no entanto, ressaltar dois pontos: o primeiro é que não existe apenas um fator relacionado à depressão. Esta seria mais uma peça no complicado quebra-cabeça para entender a doença. O segundo é que constatar associações e correlações entre dois fatores (no caso, microbiota e saúde mental) não permite, a princípio, afirmar se existe relação direta de causa e efeito (ambos os fatores podem estar variando juntos por causa de um terceiro fator ainda desconhecido) ou, caso a relação exista, qual sua direção (se é a microbiota que mexe com a saúde mental ou vice-versa – o que é causa e o que é sintoma).

Apenas a título de curiosidade, os gêneros mais importantes (mas não todos) identificados no estudo foram Eggerthella, Coprococcus, Subdoligranulum e a família em destaque é a Ruminococcaceae. O estudo ainda fez uma análise de casualidade entre a presença bactéria Eggerthella e a prevalência de sintomas de depressão, mostrando, pela primeira vez, uma associação positiva entre ambos: ou seja, pessoas com sintomas de depressão tendem a ter uma concentração maior de bactérias do gênero Eggerthella na microbiota intestinal.

Há dez anos, a ideia de que a microbiota intestinal poderia influenciar o cérebro era frequentemente descartada e dada como “maluca”. Hoje, tendo em vista a quantidade de estudos com evidências cada vez mais robustas, a ideia se transformou em uma importante área de pesquisa para se compreender e procurar tratamentos para a saúde mental.

 

E os probióticos e prebióticos?

 

Como podemos perceber, a área de estudo da microbiota intestinal é relativamente nova e só agora estamos obtendo resultados mais promissores. Os estudos com probióticos e prebióticos relacionados à saúde mental estão começando a aparecer. Estes suplementos alimentares podem ajudar a restabelecer um equilíbrio saudável das bactérias no intestino e vêm se mostrando um importante aliado no combate a doenças como infecções do trato urinário, constipação intestinal e doenças inflamatórias intestinais. Já em relação a melhorias nos sintomas de ansiedade e depressão, alguns estudos demonstraram resultados promissores.

Por exemplo, um estudo publicado na revista Psychiatry Research descobriu que indivíduos com ansiedade e depressão que tomaram um suplemento probiótico durante oito semanas experimentaram uma redução significativa dos seus sintomas, em comparação com aqueles que não tomaram o suplemento. Outro estudo, publicado na revista Nutrients, descobriu que indivíduos com depressão que tomaram um suplemento prebiótico durante oito semanas experimentaram uma melhoria nos seus sintomas em comparação com aqueles que não tomaram o suplemento.

Nos estudos sobre doença de Parkinson em camundongos, os pesquisadores também descobriram que suplementar os animais com probióticos melhorou os sintomas motores e aumentou os níveis de bactérias benéficas na microbiota intestinal.

Três revisões sistemáticas com meta-análise avaliaram recentemente centenas de estudos sobre o efeito de probióticos para o tratamento da depressão e/ou ansiedade. As conclusões das três publicações são bem semelhantes: evidências de qualidade moderada e baixa mostraram que os probióticos, administrados como tratamento complementar, melhoram os sintomas de depressão e ansiedade em pacientes clínicos. Porém, todas as análises ressaltam a necessidade de estudos de longo prazo e de ensaios clínicos randomizados com um número grande de voluntários para determinar enfaticamente o papel dos probióticos no controle da depressão e da ansiedade.

É importante notar que os probióticos e os prebióticos não são uma espécie de cura-tudo para a ansiedade, depressão ou qualquer outra condição em que a microbiota possa ter influência. Embora possam ajudar algumas pessoas, podem não servir para outras, justamente porque dependem de dieta e da interação com espécies já estabelecidas no intestino. E são estas particularidades que precisamos entender. A recomendação é sempre consultar um profissional de saúde antes de tomar qualquer suplemento dietético, incluindo probióticos e prebióticos, e nunca cessar o tratamento já em curso para substituir apenas pelos suplementos.

Em conclusão, os probióticos e prebióticos estão ganhando muita atenção no campo da saúde mental devido ao seu potencial para melhorar os sintomas de ansiedade e depressão. O termo “psicobióticos” surgiu para enfatizar esse potencial efeito terapêutico. Embora as descobertas recentes sejam encorajadoras, o uso destes suplementos na prática clínica ainda carece de evidências suficientemente robustas que permitam afirmar segurança, eficácia e compreender plenamente os seus efeitos sobre o microbioma intestinal e a saúde mental.

 

Luiz Gustavo de Almeida é doutor em microbiologia e atual coordenador nacional do Pint of Science no Brasil

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