Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro, a comunidade internacional vem manifestando receio em torno da possibilidade do uso de armas nucleares no conflito. O temor é compreensível, uma vez que são consideradas armas de destruição em massa: a detonação de uma delas pode matar ou causar danos severos a milhares de pessoas de uma só vez. Não é à toa que existem campanhas ativas em favor do desarmamento nuclear, como a ICAN e a CND. Para entender a importância disso, vamos explorar como essas armas funcionam e os efeitos que causam tanto no curto como no longo prazo.
Armas nucleares têm seu princípio de funcionamento relacionado a processos que ocorrem no mundo submicroscópico dos núcleos atômicos: lá onde estão os prótons e os nêutrons que aprendemos na escola. Relembrando: a identidade de um elemento químico está relacionada à quantidade de prótons que seu núcleo abriga - um próton para o hidrogênio, seis para o carbono, 92 para urânio e 94 para plutônio, por exemplo. E também existem diferentes “isótopos” de um mesmo elemento, que se caracterizam por quantidades distintas de nêutrons no núcleo. Veja: urânio-238 e urânio-235 são isótopos; o primeiro tem 146 nêutrons, e o segundo, 143. A soma de prótons e nêutrons nos núcleos são de 238 e 235, respectivamente, daí os números usados para distinguir entre eles. Isótopos diferentes têm propriedades físicas distintas.
Fissão nuclear
A fissão nuclear é uma reação que ocorre quando átomos mais pesados se fragmentam em átomos menores, a partir da partição do núcleo, algo que pode ocorrer de modo espontâneo ou induzido, quando há uma interação com o núcleo que acaba por levá-lo a partir-se. Nas armas de fissão, também chamadas usualmente de “bombas atômicas”, a causa da intensa explosão e liberação de energia é um conjunto de reações em cadeia, descontroladas, de fissões induzidas.
Primeiro, é necessário utilizar um elemento para servir de “combustível”: urânio-235 e plutônio-239 são escolhas comuns. Quando sofrem fissão induzida, geram, como parte dos subprodutos, nêutrons livres, que podem ser absorvidos em novos núcleos do material combustível, gerando novas fissões induzidas, que geram novos nêutrons livres, e assim por diante. Da estrutura da bomba também faz parte uma fonte de nêutrons, que é um dispositivo onde ocorrem reações específicas para liberação de nêutrons que participam da formação das reações de fissão em cadeia. Nem todo nêutron livre entra na reação: alguns são absorvidos por materiais que não sofrem fissão, outros escapam para o ambiente externo.
O destino dos nêutrons é importante porque faz com que exista uma quantidade ideal de matéria (chamada de “massa crítica”) para que a reação em cadeia esteja “em equilíbrio”: quando, em média, para cada 1 nêutron que iniciou uma fissão, apenas 1 nêutron emitido gerará uma nova fissão. O valor da massa crítica depende de qual elemento está sendo usado como combustível, da pureza química da amostra, da temperatura, da forma como está distribuída, da pressão a que está submetida etc. Todos esses fatores precisam ser conhecidos no momento de projetar uma arma nuclear, já que a explosão só ocorre quando a reação em cadeia fica fora de controle, o que requer uma massa de combustível acima do valor crítico.
O suprimento comercial de urânio vem de atividades de mineração. Ora, se o urânio é capaz de gerar uma reação em cadeia fora de controle e explodir, por que as minas de urânio não explodem? O segredo está nos tais dos “isótopos”. O urânio capaz de gerar as reações em cadeia usadas nas armas nucleares é o urânio-235, mas mais de 99% do urânio encontrado na natureza é do tipo 238. É por isso que, após a mineração, o urânio tem que passar por um processo de “enriquecimento”, de modo a gerar uma amostra final com concentração acima de 90% da variante 235. Já o plutônio usado para armas nucleares não vem da mineração, sendo produzido por reações nucleares em que o urânio-238 é bombardeado com nêutrons.
É hora da prática: duas detonações famosas de bombas de fissão ocorreram no final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, sobre o Japão. No dia 6 de agosto, a bomba “Little Boy” explodiu a centenas de metros do solo sobre a cidade de Hiroshima, após ter sido lançada do avião B-29 “Enola Gay”. Como combustível, ela carregava cerca de 60 kg de urânio, o que é acima da massa crítica, em duas peças separadas. No momento da detonação, explosivos convencionais arremessaram abruptamente uma das peças sobre a outra, reunindo a massa supercrítica e causando a explosão nuclear.
Três dias mais tarde, sobre Nagasaki, também a centenas de metros de altura, explodiu a “Fat Man”, depois de lançada de outro B-29. Agora, uma bomba de fissão que utilizava por volta de 6 kg de plutônio, uma massa inferior à crítica, sob pressão atmosférica normal. No entanto, seu mecanismo de detonação foi diferente, do tipo “implosivo”: ao redor da massa de plutônio foi montado um arranjo de explosivos convencionais, de modo que, quando acionados, aumentam a pressão para comprimir o combustível, fazendo com que o valor da massa crítica fique abaixo dos 6 kg que lá estavam, e, consequentemente, desencadeando uma explosão nuclear.
Fusão nuclear
A fusão é o contrário da fissão: elementos mais pesados são formados a partir da interação de núcleos de átomos mais leves. Nas bombas desse tipo, promove-se a fusão de hidrogênio em hélio, a partir da utilização de hidreto de lítio deuterado como combustível – um sólido que contém lítio e deutério, que são os ingredientes que nos interessam aqui. Lítio, hidrogênio e hélio são nomes mais facilmente conhecidos, pois figuram na tabela periódica. Já o deutério é um isótopo do hidrogênio.
Dentro da estrutura das armas de fusão usuais, encontram-se seus dois estágios de detonação. O primário consiste de uma bomba de fissão. Ela detona primeiro. Sua função é promover um aumento de temperatura e pressão consideráveis, para comprimir o hidreto de lítio e aquecê-lo a centenas de milhões de graus Celsius, gerando as condições necessárias para que ocorram as reações de fusão. Curiosamente, esse cenário é análogo ao naturalmente encontrado dentro das estrelas, como o Sol, que fundem elementos leves em pesados e emitem a energia liberada para o espaço.
A massa de hidreto de lítio traz, em seu centro, uma estrutura à base de plutônio. Quando ele implode, acaba comprimindo a massa de plutônio, fazendo com que nele se estabeleça, como antes vimos, uma reação de fissão em cadeia e fora de controle, liberando energia e nêutrons para o entorno. Isso é importante porque esses nêutrons vão participar de várias reações, como, por exemplo, uma interação com o lítio, que gera hélio e trítio (outro isótopo do hidrogênio), que, por sua vez, interage com deutério e também leva à formação de hélio. Essas reações também liberam nêutrons, que vão causar novas fissões ou participar de novas fusões, formando um sistema que se retroalimenta e vai liberando mais e mais energia.
Tudo isso ocorre rapidamente, em frações de segundo, de modo que a explosão da bomba acaba sendo o efeito combinado das explosões primária e secundária. Por isso, costuma causar mais estrago que uma bomba exclusivamente à base de fissão. As bombas de fusão podem também ser chamadas de “bombas de hidrogênio”, ou, em alusão às condições de temperatura e pressão necessárias para fazer as reações acontecerem, “bombas termonucleares”. Ainda há variações estruturais que podem ser implementadas para potencializar a emissão de nêutrons para o ambiente: quando aplicadas, fazem com que a arma nuclear em questão seja chamada “bomba de nêutrons”.
Na prática, felizmente nenhuma bomba à base de fusão já foi utilizada em um conflito real. No entanto, o maior teste nuclear da história envolveu uma bomba deste tipo, a chamada “TSAR Bomba”, detonada pela União Soviética em 1961, em uma ilha no Oceano Ártico. Lançada a partir de um avião, explodiu a 4 km de altura, e sua famosa nuvem em forma de cogumelo ergueu-se a 60 km do solo.
Energia e destruição
Nos dois tipos de armas, a fonte de energia é a mesma: a perda de massa nas reações nucleares que abrigam. Por exemplo, quando ocorre a fissão induzida do urânio ou do plutônio, ou quando deutério e trítio reagem para formar hélio, a soma das massas dos produtos é menor que a soma das massas iniciais. Essa “perda”, na verdade, converte-se em energia, que é liberada nas reações. O fenômeno pode ser quantificado por uma famosa equação desenvolvida por Einstein: E = m.c2, que é a equivalência massa-energia, onde “c” corresponde ao valor da velocidade da luz no vácuo. A Revista Time já estampou na capa tanto a equação como seu autor, em uma edição de 1946.
As explosões nucleares são tão intensas que costumam ser comparadas pela estimativa de qual seria a massa necessária de TNT – trinitrotolueno, um explosivo baseado em reações químicas, e não nucleares – que deveria explodir para gerar uma liberação equivalente de energia. Este vídeo mostra uma detonação nuclear nos Estados Unidos, em um teste realizado em 1955, envolvendo uma explosão equivalente a 1 “kiloton” (1.000 toneladas de TNT).
A “Little Boy” e a “Fat Man” tiveram poder destrutivo estimado em 15 e 21 kilotons, respectivamente. Elas destruíram cerca de 10 quilômetros quadrados de terreno e causaram em torno de 100 mil mortes cada uma. Uma bomba como a TSAR, cuja explosão foi equivalente a 50 megatons de TNT (mais de 3.000 vezes o que foi alcançado com a “Little Boy”), teria condições de causar danos estruturais e queimaduras em indivíduos a mais de 100 km do local da explosão.
Caso não tenha ficado claro, armas nucleares são devastadoras. Bombas assim, se detonadas em grandes cidades, podem matar milhares (se não milhões) de pessoas imediatamente, além de destruir toda rede de suporte à vida, como hospitais e serviços de emergência, o que faria com que muitos feridos ficassem sem tratamento e também sucumbissem.
Radioatividade e inverno nuclear
Atualmente, ainda se fala em “armas nucleares táticas”, que funcionam com base nos mesmos mecanismos que exploramos antes, mas, por conterem menos combustível, causam efeitos de destruição mais localizados – o que, por consequência, poderia fazer com que o atacante usasse várias delas para combater o inimigo. No entanto, mesmo estas ainda espalham materiais radioativos no ambiente, o que é outro efeito característico de armamentos nucleares.
Quando o urânio ou o plutônio sofrem fissão, seus núcleos grandes se partem em núcleos de elementos mais leves, sendo muitos deles, radioativos. Isso significa que têm uma configuração instável de prótons e nêutrons, fazendo com que emitam algum tipo de radiação ionizante ao longo do tempo. Dependendo da intensidade e do tempo de exposição, essa radiação causa diversos efeitos adversos em seres vivos e, claro, no corpo humano: indo desde queimaduras até câncer.
As explosões de bombas nucleares, portanto, contaminam o ambiente com materiais emissores de radiação, impregnando construções, parques, plantações, ruas, animais e pessoas. Muitos sobreviventes são expostos de imediato a doses letais de radiação e acabam morrendo por consequência da detonação, mesmo anos depois do fim da guerra.
É importante lembrar que, hoje, diversos países têm armas nucleares em seus arsenais, sendo os Estados Unidos e a Rússia os principais. Em um eventual conflito em que dezenas de armas fossem disparadas por ambos os lados, as consequências seriam globais: com a quantidade de poeira levantada pelas explosões e pelos incêndios subsequentes, haveria uma contaminação atmosférica persistente que bloquearia parte da luz solar e poderia durar meses ou anos para se dissipar, levando a uma desestabilização da agricultura, a um rebaixamento da temperatura média mundial – o que se chama de “inverno nuclear” –, e a uma contaminação significativa do ambiente por elementos radioativos, principalmente nos locais atingidos.
Não gosto muito de usar citações sobre as quais não se tem certeza da autoria, mas vou me permitir fazer isso aqui, dada a importância da mensagem que o trecho carrega: "Eu não sei quais são as armas que serão usadas na Terceira Guerra Mundial, mas a Quarta Guerra Mundial será travada com paus e pedras" (tradução nossa). Há alguma controvérsia sobre se foi mesmo Albert Einstein quem proferiu essas palavras, mas a lição é clara: uma eventual Terceira Guerra Mundial regada a arsenais nucleares pode ser tão devastadora – destruindo meios de produção, zonas tecnológicas e sistemas de telecomunicações – a ponto de somente sobrarem as armas da Idade da Pedra para os combatentes de um próximo conflito.
Marcelo Girardi Schappo é físico, com doutorado na área pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Santa Catarina, participa de projeto de pesquisa envolvendo interação da radiação com a matéria e coordena projeto de extensão voltado à divulgação científica de temas de física moderna e astronomia. É autor de livros de física para o Ensino Superior e de divulgação científica, como o “Armadilhas Camufladas de Ciências: mitos e pseudociências em nossas vidas” (Ed. Autografia)