Se viemos dos macacos, por que ainda há macacos?

Questionador questionado
12 dez 2018
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Os humanos NÃO evoluíram dos macacos! Antes de responder de modo mais completo à pergunta no título, primeiro temos que definir o que estamos considerando como “macaco”. Em seguida, teremos a árduo trabalho de tirar a seguinte imagem de nossas cabeças:

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Ao digitar “evolução” no Google e pesquisar por imagens, infelizmente é apenas esse tipo representação que aparece. A interpretação mais intuitiva dessa imagem é que conforme os anos passam, nós sofremos várias modificações para uma espécie “mais evoluída”, até finalmente chegar ao Homo sapiens, nome dado a nossa espécie.

Como pode ser observado na ilustração, diversas características se mantiveram ao longo do processo, como por exemplo o número de braços, pernas, pés, a posição dos olhos e das orelhas. Outras foram adquiridas de forma rápida -  como postura ereta e o bipedalismo (andar sobre apenas dois membros, como as pernas) – e outras se modificaram ao longo do tempo, como a quantidade de pelos no corpo, e o formato do rosto.

Com isso, quem se baseia na imagem conclui que, pela teoria da evolução, evoluímos de um macaco muito parecido com um chimpanzé, animais esses que ainda podemos ver na natureza e nos zoológicos. Daí surge a dúvida: se essa é a teoria da evolução, era de se esperar que todos os chimpanzés evoluíssem para humanos, e não tivéssemos mais macacos no planeta.

Será que os macacos apenas pararam de evoluir? Se os chimpanzés continuarem se reproduzindo, teremos novos humanos?

O grande problema da imagem é que ela é um recorte extremamente simples da nossa história evolutiva. Para melhor representar a origem das espécies utilizamos um cladograma, que é uma figura que se assemelha muito ao tronco, ramos, galhos e folhas de uma árvore. Um exemplo de cladograma é este:

Cladograma da evolução dos primatas

O cladograma nos ajuda a entender as relações evolutivas entre as espécies, ou seja, basicamente estudar quais são os seus “parentes” dentro da história evolutiva. Cada ramo representa uma espécie e cada nó, o último ancestral comum entre essas espécies. Assim como em uma árvore, podemos olhar apenas para uma parte de um cladograma. Imaginem que a imagem anterior é um galho bem no alto de um Ipê, extremamente longe do tronco.

Para entender um cladograma, podemos começar a partir de qualquer nó. Por exemplo, “F” é o último ancestral comum entre os orangotangos, gorilas, chimpanzés e humanos. Já a espécie “H” foi o último ancestral comum apenas entre chimpanzés e humanos.

Isso não significa que “F” ou “H” eram humanos primitivos, ou um orangotango como conhecemos hoje, mas sim uma espécie que deu origem ao que somos hoje. Mantivemos muitas características desses ancestrais e adquirimos (ou perdemos) outras. Cladogramas geralmente são acompanhados de uma linha do tempo. Notem que essa escala de tempo do lado esquerdo da imagem está em milhões de anos.

Antes de prosseguir com o raciocínio, vale chamar a atenção para o ancestral A. Reparem que mesmo parecendo uma única linha reta de “A” até o lêmure (de rabo rajado, mais à esquerda da figura), aproximadamente 40 milhões de anos se passaram entre essas duas espécies. Certamente o lêmure é muito diferente da espécie ancestral “A”. Além disso, diversas outras espécies surgiram entre A e o lêmure, mas esses galhos foram podados da imagem, para facilitar a visualização.

Mas então como surgem essas diferenças?

Principalmente através de quatro princípios da seleção natural, que são:

Variação. Organismos (dentro das populações) exibem variação individual na aparência e comportamento. Essas variações podem envolver o tamanho do corpo, cor do cabelo, marcas faciais, propriedades de voz ou número de descendentes. Por outro lado, algumas características mostram pouca ou nenhuma variação entre os indivíduos – por exemplo, número de olhos.

Herança. Algumas características são constantemente passadas dos pais para os descendentes. Tais características são hereditárias, enquanto outras características são fortemente influenciadas pelas condições ambientais e mostram fraca hereditariedade.

Se alguma variação der a esses indivíduos uma vantagem reprodutiva e também for hereditária, essa espécie terá uma alta taxa de crescimento populacional. Quanto mais indivíduos, maio a chance de manter a espécie fora do risco de extinção.

Sobrevivência do mais apto. Indivíduos que possuem características adequadas para competir pelos recursos locais terão um sucesso reprodutivo maior, e contribuirão com mais descendentes para a próxima geração.

Aliados a esses quatro princípios foram incorporados à explicação os resultados de estudos sobre o DNA, os genes e a biologia molecular. Hoje, a teoria da evolução é conhecida como a síntese evolutiva moderna (ou neodarwinismo).

Tempo, geografia e ramificações

Voltando ao cladograma, o ancestral H (último ancestral comum entre humanos e chimpanzés) viveu há pelo menos 7 ou 8 milhões de anos. E se tem algo que a evolução precisa, é tempo. O isolamento geográfico também tem um peso muito grande na seleção natural das espécies. Isso é fácil de perceber quando observamos a variedade de espécies existentes nos diversos cantos do mundo. Vide a Austrália e seus ornitorrincos, e a nossa jabuticaba (apesar dela existir também na Argentina,  México, Bolívia, Peru e no Paraguai).

A primeira imagem mostrada no artigo provavelmente foi fruto de uma simplificação e de conceitos antigos sobre a evolução. Talvez tenha virado o meme mais difícil de se explicar na história da biologia. Essa simplificação ignora todos os outros descendentes do ancestral comum aos humanos. Seria algo como “cortar” e “lixar” uma parte da árvore, eliminando todas as ramificações que mostram os ancestrais comuns dos humanos e demais primatas. Isso nos leva de volta ao erro de que evoluímos de maneira linear, como pode ser visto na figura abaixo.

Cladograma primata errado

 

E pra onde foi o ancestral comum?

Os nossos ancestrais comuns em relação a outras espécies não existem mais, seja porque entraram em extinção, ou porque adquiriram tantas modificações que não podem ser mais considerados aquelas espécies ancestrais. Inclusive, podemos ser nós a linhagem direta desse ancestral comum entre chimpanzés e humanos.

Muito bem, agora estamos preparados para responder melhor à pergunta inicial. Se você considera como “macacos” apenas chimpanzés, gorilas e orangotangos atuais, então nós NÃO evoluímos desses macacos. Eles não são nossos ancestrais. Na verdade, compartilham um ancestral comum conosco.

Se a gente considerar como “macaco” o ancestral comum que tivemos com todos os outros primatas, ainda assim não somos apenas descendes de macacos.

Mas que raio somos, então? Essa é a hora que você pode causar um problema muito grande nos encontros de família. Mais do que falar sobre política. Preparados?

Nós SOMOS macacos! Ou primatas, melhor dizendo. O termo macaco é muito abrangente. Só no Brasil temos aproximadamente 120 espécies de macaco. Para falar que somos macacos é melhor especificar um pouco melhor. Nós não temos mais cauda, por exemplo, então não somos esses macacos, somos aqueles que não têm cauda e, seguindo o cladograma, nosso último ancestral  comum rabudo foi D.

E não é porque deixamos de ter algumas características dos outros primatas que deixamos de ser primatas. Uma análise comparativa entre humanos e bonobos revelou que compartilhamos 98,7% do mesmo mapa genético. Já em relação a chimpanzés, temos uma identidade genômica média de 98.07%.

Bonobos, chimpanzés e seres humanos compartilharam um único ancestral comum cerca de 6 milhões de anos atrás. Os chimpanzés e os bonobos são irmãos mais próximos (bonobos não estão representados no cladograma) e partilharam um ancestral comum há um milhão de anos. Foi o isolamento geográfico causado por um rio que fez com que bonobos e chimpanzés se desenvolvessem em diferentes espécies.

Embora possa ser um choque, é muito mais gratificante fazer parte (e ter partes) de outras espécies, do que ser uma espécie à parte num planetinha azul isolado no Universo. Além disso, se  uma outra espécie inteligente do universo chegasse na Terra e começasse a catalogar o que existe por aqui, provavelmente seríamos classificados como um tipo de bonobo ou chimpanzé, só que com altos níveis de ansiedade e um ego bem grande.

Luiz Gustavo de Almeida é biólogo e pesquisador do Laboratório de Genética Bacteriana do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, coordenador dos projetos Cientistas Explicam e Pint of Science na cidade de São Paulo

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