Muitas pessoas estão sob a falsa impressão de que a evolução, no sentido da Biologia, é sempre benéfica. É lógico, mas não biológico, pensar que as espécies evoluem PARA superar uma dificuldade ou esticar o pescoço para alcançar o alimento. Mas a natureza é bela e amigável só até certo ponto. A partir daí, nem tanto. Isto é especialmente verdadeiro para a evolução via deriva genética. Como a seleção natural, a deriva genética remove algumas variações de uma população, mas, ao contrário da primeira, é realmente aleatória e pode remover características benéficas.
Em seus termos mais simples, a deriva genética é apenas uma mudança, ao acaso, na composição genética de uma população ao longo do tempo. Vamos lembrar um pouco da biologia do ensino médio, com os sempre populares e simpáticos genes “azão” (A) e “azinho” (a). Começando.
Seus genes estão organizados em 46 cromossomos, sendo que 23 vieram de sua mãe e 23, de seu pai. Os cromossomos formam pares. Cada par é composto por um cromossomo vindo do pai e um, da mãe. Dentro de cada par de cromossomos, os genes da mãe e do pai também formam pares: assim, você tem um gene para tipo sanguíneo no cromossomo que veio do seu pai e outro gene, para a mesma característica, no cromossomo que veio da sua mãe. Cada uma dessas cópias individuais do gene é chamada alelo. Confuso? Isso talvez fique mais claro na figura a seguir, que representa um par de cromossomos humanos.
Então, por exemplo, se você tem o tipo sanguíneo AB e sua mãe é AA e seu pai é BB, isso significa que você recebeu um cromossomo com o alelo A da mãe, enquanto o outro cromossomo desse par veio do seu pai, e continha o alelo B. Agora, toda vez que você produzir um óvulo ou um espermatozoide, você só passará metade dos seus cromossomos (um cromossomo de cada par). Assim, cada esperma ou óvulo individual receberá o alelo A ou o alelo B, mas não ambos. É importante ressaltar que o alelo que você passa para um determinado óvulo/espermatozoide é completamente aleatório; essa transmissão não é afetada pelos outros cromossomos. Essa é a chave de deriva genética.
Como os cromossomos que você passa são totalmente aleatórios, as frequências alélicas podem mudar a cada hora se, por acaso, um cromossomo passar mais do que o outro. Pegue uma moeda, faça o seguinte experimento e tudo ficará muito mais claro:
Primeiro, suponha que você tenha dois indivíduos, cada um dos quais é um heterozigoto, o que significa que eles têm uma cópia de cada alelo (Aa, Aa). Agora, para fazer o primeiro filho do casal, jogue a moeda duas vezes e, seja lá o que der, esse será o “genoma” do bebê.
A primeira jogada de moeda representa o alelo do ancestral 1: há 50% de chance de passar “A” e 50% de chance de passar “a”. A segunda jogada representa o alelo vindo do ancestral 2. Agora, faça de novo para fazer um segundo filho.
Existem apenas seis resultados possíveis para os dois bebês: ambos AA; ambos aa; ambos Aa; um aa um AA; um Aa um AA; um Aa um aa (aA e Aa representam uma mesma configuração). Anote os dois primeiros filhotes e depois “cruze-os”. Se ambos os filhos são Aa, então o procedimento é idêntico ao que você fez antes; no entanto, se um deles é homozigoto (isto é, tem apenas um tipo de alelo: AA ou aa), então ele só pode passar esse alelo (ou seja, um AA só pode passar "A" e aa só pode passar “a”). Assim, se a primeira geração for AA e aa, então, na segunda, todos os descendentes serão Aa). Faça mais dois filhos. E de novo. E de novo.
Continue lançando a moeda, e você chegará rapidamente a um ponto em que um de seus alelos desaparecerá e tudo que você tem é AA ou aa. Nesse ponto, dizemos que o alelo é “fixo”, significando que o alelo alternativo foi perdido, e cada indivíduo na população é agora homozigoto.
O alelo fixo costuma aparecer após cinco ou seis gerações, mas se você fizer isso várias vezes, perceberá que o número exato de gerações até a fixação varia. Se você tiver muita paciência e muito tempo livre, e fizer isso um número grande o suficiente de vezes, em 50 % das sequências os AAs ficarão fixos e nas outras 50%, a sorte será dos azinhos-azinhos.
Pronto! Isso é a deriva genética. A chance aleatória de produzir ligeiras variações nas frequências alélicas até que um alelo, finalmente, se torne fixo. O exercício anterior foi feito apenas com dois descendentes na primeira geração. E se você fizesse com 10? Precisaria de mais gerações para um dos alelos se fixarem na população. E com 100? 1000? Um milhão? Como você pode imaginar agora, a deriva genética ocorre tipicamente em pequenas populações, onde os alelos que ocorrem com pouca frequência enfrentam um risco maior de sumir.
Redução populacional
Agora que temos uma vaga ideia do que é a deriva genética, vamos avançar mais um pouco. Primeiro, vejamos o conceito de gargalo populacional. Gargalos costumam ser considerados um tipo de deriva genética, mas funcionam de um modo um pouco diferente do tipo de deriva genética sobre o qual estávamos falando. Nos gargalos, um grande número de indivíduos desaparece muito depressa e, como resultado, a variação genética é reduzida a um pequeno subconjunto do que era antes.
Os elefantes-marinhos do norte sofreram uma grande perda de variação genética, provavelmente por causa da caça promovida por seres humanos. O tamanho populacional da espécie caiu a apenas 20 indivíduos no final do século 19. Desde então, a população se recuperou e chegou a mais de 30.000, mas os genes ainda carregam as marcas do gargalo. Eles têm muito menos variação do que uma população de elefantes-marinhos do sul, que não foram caçados.
Uma das características de um gargalo é a perda de muitos alelos raros. Os efeitos de um gargalo são em grande parte, determinados por quantas gerações ele dura (ou seja, por quanto tempo a população permanece pequena), porque, como você lembra, pequenas populações sofrem mais com a deriva genética.
Se o gargalo matou os indivíduos aleatoriamente (como no caso da caça aos elefantes-marinhos), então podemos considerar isso como um tipo de deriva genética. No entanto, se algo mata muitos indivíduos, mas o faz selecionando suas vítimas, então deve ser realmente considerado como um evento de seleção natural.
Por exemplo, se um surto de doença mata 90% dos indivíduos, e somente os 10% de indivíduos com alelos que os tornaram resistentes à doença sobreviveram, então isso provavelmente seria um gargalo genético, mas não seria deriva genética, porque os sobreviventes foram selecionados em vez de serem escolhidos aleatoriamente. A deriva genética poderia, no entanto, entrar em ação nas gerações seguintes, se as populações não se recuperassem com rapidez suficiente (ou seja, permanecessem pequenas).
O Efeito Fundador
Um efeito fundador é realmente apenas um tipo especial de gargalo, e ocorre quando uma nova população é formada a partir de um subconjunto da população original (ou seja, a nova população contém apenas uma pequena porção da variação genética encontrada na população original). Por exemplo, vamos voltar para a nossa população de elefantes-marinhos, mas desta vez, em vez de serem caçados, imagine que, num dia de tempestade, vários deles se perdem do bando e acabam em uma ilha anteriormente desabitada.
No entanto, todos os poucos indivíduos que formam a nova população da ilha continham apenas o par de alelos AA. Descreveríamos isso como um evento fundador, porque a nova população é limitada ao material genético contido nos indivíduos que a fundaram (por exemplo, o alelo “a” não está presente nessa nova população), mas esse tipo de evento também costuma representar um gargalo, porque essas novas populações geralmente contêm apenas uma pequena parte da variação que estava na população de origem.
A deriva genética é um mecanismo evolutivo que causa mudanças aleatórias nas frequências alélicas ao longo do tempo. É mais poderoso em populações pequenas e, em algumas situações, pode realmente fazer com que os alelos prejudiciais se fixem. Como resultado, é uma grande causa de preocupação para os esforços de conservação de espécies ameaçadas, e é uma das razões pelas quais os biólogos que trabalham com a conservação da natureza priorizam a manutenção de grandes populações.
Luiz Gustavo de Almeida é doutor em microbiologia e pesquisador do Laboratório de Genética Bacteriana do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, coordenador dos projetos Cientistas Explicam e Pint of Science no estado de São Paulo