EUA declaram violência armada crise de saúde pública

Questão de Fato
26 jun 2024
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arma de fogo

 

O cirurgião-geral dos Estados Unidos, cargo similar ao de ministro da Saúde, Vivek Murthy, declarou a violência por armas de fogo uma crise de saúde pública. Mortes e ferimentos por armas tornaram-se parte do dia a dia nos EUA.

Até agora, em praticamente todos os dias do ano, uma rajada de balas atingiu pelo menos quatro pessoas em algum ponto do país. Em certos dias, comunidades assistiram a quatro ou cinco tiroteios.

O cirurgião-geral pediu aos formuladores de políticas públicas que estudem medidas como a proibição de armas de assalto e de carregadores de munição de alta capacidade, e a checagem universal de antecedentes para todos os compradores de armas de fogo. Sua manifestação também pede um “aumento significativo” no financiamento para pesquisa científica sobre ferimentos e mortes causados por armas, bem como maior acesso a cuidados de saúde mental e recursos para pessoas que sofreram violência por arma de fogo.

Em 2022, mais de 48.000 pessoas foram mortas por armas nos EUA, ou cerca de 132 pessoas por dia, e os suicídios foram responsáveis por mais da metade dessas mortes, de acordo com dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Mais de 200 americanos procuram atendimento de emergência para ferimentos por arma de fogo todos os dias, de acordo com estimativas  da Universidade Johns Hopkins. Nenhum banco de dados federal registra ferimentos não fatais por armas.

O Gabinete do Cirurgião-Geral não estabelece ou executa política de armas, mas historicamente seus relatórios e avisos têm empurrado os formuladores de políticas públicas e legisladores a agir.

Murthy, que é médico, disse à KFF Health News que esperava comunicar o custo mais amplo que a violência armada impõe à nação, e a necessidade de uma resposta urgente de saúde pública. Ele citou o aumento das mortes por armas entre crianças e adolescentes e observou que “o custo de saúde mental da violência por arma de fogo é muito mais profundo e difundido do que muitos de nós reconhecemos”.

“A cada dia que passa, perdemos mais crianças para a violência armada”, disse Murthy. “Quanto mais crianças testemunham episódios de violência armada, mais crianças que são baleadas e sobrevivem que estão lidando com uma vida inteira de impactos na saúde física e mental”.

Os homicídios relacionados a armas de fogo, na última década, e os suicídios nas últimas duas décadas impulsionaram o aumento acentuado das mortes por armas, diz o alerta.

As armas são a principal causa de morte para crianças e adolescentes, com taxas de mortalidade mais altas entre os jovens negros e hispânicos. Pesquisadores da Universidade de Boston descobriram que, durante o auge da pandemia de COVID-19, as crianças negras tinham 100 vezes mais chances de sofrer ferimentos por armas do que as crianças brancas. Crianças hispânicas e asiáticas também viram grandes aumentos nos ferimentos por agressão por arma de fogo durante esse período, mostrou esse estudo.

Joseph Sakran, vice-presidente executivo de cirurgia do Hospital Johns Hopkins em Baltimore e diretor médico da organização Brady United Against Gun Violence, disse que a declaração do cirurgião-geral é um “momento histórico que soa o alarme para todos os americanos”.

Mas Sakran acrescentou: “Não pode parar por aqui. Temos que usar isso como mais um passo na direção certa. Ninguém quer ver mais crianças mortas a tiros”.

Murthy tem dito há tempos que a violência armada deve ser enquadrada como um problema de saúde. Ele argumenta que a abordagem tem sido bem-sucedida no combate a problemas sociais significativos, citando os esforços de controle do tabaco que se instalaram após o relatório de 1964 do então cirurgião-geral, concluindo que fumar cigarros causa câncer de pulmão e outras doenças.

“Salvamos muitas vidas, e é isso que podemos fazer aqui também”, disse.

O movimento de Murthy é uma das várias ações recentes do governo Biden projetadas para combater a violência armada, já que a maioria das medidas relacionadas a armas continua a não prosperar no Congresso. Autoridades federais permitiram que os estados usassem os dólares do Medicaid para financiar a prevenção da violência armada, e a Casa Branca pediu aos executivos e médicos de hospitais que coletem mais dados sobre ferimentos a bala e que aconselhem rotineiramente os pacientes sobre o uso seguro de armas de fogo.

Embora os dados disponíveis apontem para situações trágicas em todo o país, funcionários do governo e pesquisadores de saúde pública têm sido inibidos pelo escasso financiamento federal dedicado à pesquisa sobre violência armada e ao escopo de seus efeitos na saúde.

"Eu estudo a violência armada há cerca de 33 anos e ainda há algumas perguntas realmente básicas e fundamentais que não consigo responder", disse Daniel Webster, da Universidade Johns Hopkins.

“Para realmente entender a violência armada, é preciso mais do que apenas olhar para os dados de vigilância disponíveis publicamente”, acrescentou ele. “É preciso fazer estudos aprofundados envolvendo as populações de maior risco”.

Uma análise da Brady descobriu que, das 15 principais causas de morte nos EUA, os ferimentos por arma de fogo receberam a terceira menor verba federal de pesquisa através dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), proporcionalmente ao número de vítimas. As únicas causas de morte que obtiveram menos financiamento de pesquisa através do NIH foram envenenamento e queda, de acordo com a análise.

Sonali Rajan, professora-associada adjunta de epidemiologia da Universidade de Columbia, que pesquisa os efeitos da violência armada em crianças, disse que líderes políticos e outros precisam reformular o debate sobre a violência armada, do crime para a saúde pública.

“Estamos criando toda uma geração de crianças para quem a exposição à violência armada é normal”, disse Rajan.

Em Michigan, “tivemos uma criança que sobreviveu ao tiroteio na Oxford High School apenas para ir à Universidade Estadual de Michigan e ver outro tiroteio em massa”, contou. “É incrivelmente vergonhoso.”

Servindo como cirurgião-geral do presidente Joe Biden desde 2021, Murthy tem causado controvérsia política com suas opiniões sobre a violência armada.

Há mais de uma década, o ex-presidente Barack Obama nomeou Murthy para o mesmo cargo. Mas o apoio de Murthy a uma proibição federal à venda de armas de assalto e munições, e restrições adicionais à compra de armas, atraíram a ira da National Rifle Association (NRA), bem como dos republicanos e alguns democratas no Congresso. O Senado só confirmou Murthy para o cargo em dezembro de 2014, mais de um ano após sua nomeação, e por estreita margem.

Murthy já emitiu alertas sobre isolamento social e solidão, saúde mental juvenil e bem-estar dos profissionais de saúde. Ele disse que a violência armada surge em muitas de suas conversas com jovens sobre os desafios de saúde mental que estão enfrentando.

“Os temores em torno da violência armada realmente permearam muito da psique da América de maneiras que são muito prejudiciais à nossa saúde mental e bem-estar”, disse.

Muitas outras causas de morte são tratadas de forma diferente para entender os problemas e desenvolver soluções, disse Webster. Mas “geralmente não é isso que fizemos com a violência armada. Nós simplificamos demais e politizamos demais.”

Como Sakran disse: “À medida que olhamos para as lesões por arma de fogo, não há indiscutivelmente nenhum problema público que seja tão urgente”.

 

Artigo publicado originalmente em inglês por KFF Health News. Leia o original aqui.

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