Indignação moral é combustível para desinformação nas redes

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13 jan 2025
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"Mamadeira de pi*oca", "kit-gay", imigrantes que comem pets, aborto de bebês a termo. Nos últimos anos, notícias falsas envolvendo estes temas e outros semelhantes causaram indignação nas redes sociais. Mentiras que incitam um "pânico moral" no público, e influenciaram eleições no Brasil, EUA e outros países. E também uma amostra de como a indignação moral é combustível para disseminação de desinformação nas redes sociais, verificada em estudo publicado recentemente na prestigiosa revista científica Science.

Liderado por pesquisadores da Universidade de Princeton, EUA, o estudo englobou oito análises de mais de 1 milhão de postagens no Facebook e quase 45 mil publicações no Twitter feitas por usuários americanos nos períodos entre janeiro e agosto de 2017 e agosto de 2020 a fevereiro de 2021, além de dois experimentos online envolvendo cerca de 1,5 mil participantes realizados entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021. O trabalho revelou que publicações que provocam indignação moral, definida pelos pesquisadores como uma combinação de raiva e nojo, geram mais engajamento e são mais compartilhadas independente da qualidade e da veracidade das informações, muitas vezes sem que os usuários nem sequer leiam o conteúdo.

"A indignação moral tem diversas propriedades distintas que podem promover a disseminação de desinformação", observam no artigo na Science. "Primeiro, a indignação é altamente engajante: postagens nas redes sociais que expressam indignação são mais curtidas e compartilhadas, treinando os usuários a expressar mais indignação e os algoritmos, a amplificá-la. Segundo, expressões de indignação podem atender objetivos de comunicação que não dependem da veracidade da informação, como sinalizar lealdade a um grupo político ou difundir uma posição moral. Terceiro, indivíduos que expressão indignação são vistos como mais confiáveis. Isto sugere que veículos noticiosos podem ganhar credibilidade ao publicarem conteúdos indignantes".

Diante disso, os pesquisadores também investigaram como a indignação motiva o compartilhamento de desinformação, em especial a diferenciação entre motivações "epistêmicas", isto é, associadas à precisão da informação, e "não epistêmicas", ou seja, motivações indiferentes à veracidade e acurácia da informação, incluindo demonstrações de caráter político-ideológico ou simplesmente uma resposta habitual a um estímulo.

"Nossos resultados sugerem que a desinformação que provoca indignação pode ser difícil de mitigar com contramedidas que focam nas motivações epistêmicas, como alertas para levar em conta a veracidade antes de compartilhar conteúdos", avaliam. "Ao contrário, nossos resultados são condizentes com recentes evidências de que os usuários de mídias sociais algumas vezes compartilham informações que sabem não serem verdadeiras para satisfazer motivações não epistêmicas, como sinalizar sua afiliação política ou posição moral, apesar dos possíveis custos à sua reputação".

Neste ponto, os pesquisadores ressaltam que o custo à reputação de compartilhar informações sabidamente falsas pode ser mitigado justamente pelo seu caráter indignante, com os usuários podendo alegar que apenas queriam indicar que a informação seria revoltante "se fosse verdade", preservando sua credibilidade epistêmica ao mesmo tempo que colhem benefícios morais. Além disso, destacam, o compartilhamento sem leitura de conteúdos que geram indignação é condizente com a possibilidade de que a indignação alimente um hábito de compartilhamento que pode ajudar a disseminar desinformação.

“Com o tempo, curtidas e compartilhamentos ensinam as pessoas a expressar mais indignação", resumiu William Brady, professor da Universidade Northwestern, também nos EUA, e outro coautor do estudo, em comunicado divulgado pela instituição. "Dada nossa tendência de compartilhar indignação ser tão reforçada, podemos até compartilhar apenas por hábito, sem parar para ler o artigo antes. E este processo facilita a disseminação da desinformação ao sugerir que as pessoas estão prestando menos atenção à veracidade da informação".

Achados que tornam ainda mais preocupante a recente decisão da Meta, empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, de encerrar seu programa independente de checagem de fatos nas suas plataformas e adotar o modelo de "notas da comunidade" já usado pelo X (o ex-Twitter), além de afrouxar seu código sobre "conduta de ódio" da parte dos usuários e, consequentemente, suas as políticas de moderação destes conteúdos, notadamente os de cunho político e moral. Isso inclui ações como passar permitir "alegações de doença mental ou anormalidade baseadas em gênero ou orientação sexual", algo que o DSM, manual de referência de distúrbios psiquiátricos editado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), deixou de considerar um transtorno ainda no começo dos anos 1970.

"Um desafio em aberto da ciência do comportamento online é como observar e medir a influência dos algoritmos de ranqueamento no comportamento dos usuários, como o compartilhamento de desinformação", frisam. "Como a indignação está associada a um maior engajamento online, desinformação que provoca indignação pode se espalhar mais longe em parte em razão da amplificação algorítmica de conteúdos que geram engajamento. Isto é importante porque os algoritmos podem promover artigos noticiosos associados com indignação mesmo se um usuário quiser expressar sua indignação contra o artigo por conter desinformação, Investigar esta possibilidade, no entanto, é um desafio devido à opacidade dos algoritmos usados pelas plataformas e o decrescente acesso a seus dados".

Enquanto isso, em 2022, quase quatro anos depois de divulgarem o vídeo da "mamadeira de pi*oca" - e novamente às vésperas de uma eleição presidencial -, as contas no Facebook apontadas como origem da notícia falsa continuavam no ar e espalhando mentiras. Assim como ainda hoje pelo menos uma delas segue no ar, com vários conteúdos apontados como enganosos ou notícias falsas pelo agora extinto programa de checagem de fatos da rede social.

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

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