Nas últimas vezes em que fui convidado a debater sobre comunicação e divulgação de ciência, iniciei minha fala mencionando um episódio em que Orson Welles, no seu programa de rádio, convenceu vários ouvintes de que a Terra estava sendo invadida por marcianos. A radionovela, baseada no livro “A guerra dos mundos”, de H. G. Wells, foi inserida ao longo da programação regular, dando a impressão de que as notícias estavam sendo dadas ao vivo. O episódio da invasão do planeta por extraterrestres mostra o poder de convencimento que a mídia tem ao veicular informação (ou desinformação). Quando notícias atingem o público, ainda que pareçam absurdas, sempre haverá quem acredite nos factoides.
Muita da credibilidade do que é difundido está, obviamente, relacionada à reputação da fonte. Com isso em mente, a comunicação social de universidades públicas poderia destacar-se, já que, diferentemente da mídia comercial, que para sobreviver luta para atrair a atenção de uma audiência cada vez mais distraída e fragmentada, não precisaria se render à pressão por manobras de marketing, inimigas da boa informação.
No dia a dia, porém, não é bem isso o que acontece. Produzir uma comunicação séria, socialmente relevante, eficiente e de qualidade não é simples, e muitas vezes esbarra em empecilhos criados pela própria comunidade ligada à instituição. Repertório limitado, interesses pessoais que se sobrepõem aos institucionais, apego irracional a ideologias e disputa política por espaços de poder internos são apenas alguns fenômenos que prejudicam as redações das universidades.
Considerando, portanto, a importância da comunicação social na universidade pública e a maneira como ela geralmente é tratada em várias dessas instituições, redigi alguns princípios que têm norteado meu trabalho. Nem sempre é possível aplicá-los, mas vale a pena não os perder de vista.
O melhor marketing que uma universidade pública pode fazer vem do seu próprio trabalho. Um artigo científico publicado na capa de uma revista importante ou um prêmio reconhecido pelo público geral aparecem automaticamente nos jornais e são compartilhados espontaneamente pelas pessoas. Já publicar na página da instituição que algum trabalho ganhou menção honrosa na feira de ciências promovida pelo jornal do bairro pode agradar ao autor do trabalho, mas passa a impressão de que a instituição não tem nada mais importante para mostrar.
O bom jornalismo é o melhor aliado de uma instituição. Além da redação cuidadosa das matérias, é essencial uma curadoria crítica do conteúdo veiculado. Isto é o que traz credibilidade. A sensacionalização de resultados duvidosos, incipientes, in vitro ou em animais, por exemplo, anunciando a próxima cura do câncer – como foi o caso da fosfoetanolamina – ou causando alarde – dizendo que pipoca de micro-ondas causa Alzheimer –, é deletério para o jornalismo, para a instituição e para a ciência.
O discurso da pluralidade, utilizado insidiosamente para relativizar o rigor daquilo que é veiculado, causa crises de credibilidade e desvia a atenção de pautas importantes relacionadas ao tema. Esse tipo de fala “holística”, onde tudo é visto como aceitável, é utilizado com frequência para evitar conflitos com conteúdos negacionistas que, por razões históricas ou políticas, encontram guarida na instituição – enfermagem quântica ou homeopatia, por exemplo –, ou até mesmo para ampliar espaços de poder. O impacto negativo desta prática na imagem e na reputação da universidade talvez seja atenuado apenas porque quase todas as instituições, para fugir de eventuais cancelamentos, fazem a mesma coisa.
Noticiar tudo é quase tão inútil como não noticiar nada: espaço, tempo e a atenção do público são recursos limitados. A seleção do que vai ser divulgado e, uma vez divulgado, receber destaque é condicionada pela disponibilidade de mão de obra e por critérios técnicos de relevância, pertinência e interesse público, avaliados caso a caso em competição com outros conteúdos que disputam os mesmos espaços. Todo repórter experiente já viveu a frustração de ver sua matéria ser expulsa da capa do jornal pela chegada de algo mais importante, inusitado ou urgente.
Embora existam jornalistas e assessores pouco preocupados com a qualidade e impacto daquilo que é produzido – priorizando a manutenção do contrato de trabalho ou alguma posição política –, do ponto de vista institucional a comunicação de uma universidade não deve ser uma máquina de relações públicas dedicada a polir e promover a imagem de indivíduos ou de setores particulares. Esse tipo de marketing rasteiro não engana a quase ninguém.
A astrologia e o feng shui mostram que existem pessoas que irracionalmente culpam os planetas e os móveis pelo insucesso de suas empreitadas. De maneira semelhante, como a comunicação acaba permeando quase tudo, é natural que também sirva de bode expiatório. Os problemas geralmente são multifatoriais, e a comunicação raramente é o motivo principal para justificar o fracasso de algum projeto.
Como escreveu o matemático e filósofo britânico Bertrand Russell (1872-1970): “As opiniões mantidas de forma passional são sempre aquelas para as quais não existem bons fundamentos; na verdade, a paixão é a medida da falta de convicção racional de seu defensor”. A face da universidade pública não deve servir de tela para a projeção de ativismos individuais. O discurso militante, disparando as platitudes ou irracionalidades da moda, diminui a confiança do público na instituição.
Repetir o bordão "a comunicação precisa melhorar" é pouco informativo, pelo simples fato de que tudo pode melhorar. Para estabelecer linhas de ação, são necessários dados, uma meta clara, definir as ações para atingi-las e modos de determinar se foram bem-sucedidas. Saber que existem instituições melhores do que a sua, e que por isso aparecem mais na mídia, também é um dado importante.
Finalmente, em vários momentos a universidade passará por uma crise de imagem: seja porque errou, seja porque foi mal interpretada ou porque está sendo alvo de oportunistas. Qualquer que seja a causa, no entanto, prestar contas ao contribuinte é dever da universidade pública, e a melhor forma de preservar o bom nome da instituição é por meio da transparência, da honestidade e da serenidade, posturas que devem nortear a comunicação.
Marcelo Yamashita é professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência