O mundo das pseudociências está repleto de mensagens errôneas de que nossos males podem ser atribuídos a experiências traumáticas anteriores.
Seus promotores embelezam isso com uma série de palavras estranhas e esotéricas que parecem conter algo importante, como "bioneuroemoção", "biodecodificação", "constelações familiares", "Nova Medicina Alemã"... O maior problema de todas essas correntes pseudocientíficas é que elas negam a natureza biológica de nossas doenças. E, entre elas, a do câncer.
Vamos dar uma breve olhada nessa constelação de absurdos.
O estresse como álibi
Como em todas as pseudociências, há sempre um grão de verdade que faz com que esses movimentos pareçam estar baseados em algum conhecimento científico. Mas a base que todas elas compartilham é o estresse psicológico e físico.
É verdade que muitos estudos associam o estresse ao agravamento de várias doenças, especialmente as crônicas. E podemos afirmar que o surgimento e o desenvolvimento de certos tipos de câncer são, até certo ponto, alimentados pelo estresse, mas por um tipo muito diferente de estresse: aquele mediado por desequilíbrios celulares associados a danos oxidativos, infecções virais, danos por substâncias nocivas ou desequilíbrio hormonal, entre outros.
Mas não são esses os fatores que interessam a essas pseudoterapias. De acordo com a biodecodificação, o câncer é causado por um conflito biológico muito intenso no qual o controle do estresse não resultou em um sintoma leve. Alguém realmente entende o que isso significa exatamente?
Poderíamos interpretar isso como se o estresse que causou o câncer pudesse ter sido mais benigno e provocado menos danos. Nesse caso, a transformação que fez com que uma célula se tornasse um câncer não teria ocorrido. Sim, isso faz sentido, mas como podemos reverter essa situação depois que ela acontece? Esse é o problema: remover o estresse não fará com que as células cancerosas voltem ao normal. Isso não vai acontecer.
Mas, de acordo com algumas fontes, a biodecodificação postula que cada tipo de tumor corresponde a um conflito específico. Portanto, não estamos falando de estresse biológico, mas de questões psicológicas que não têm nada a ver com a causa da doença.
Portanto, segundo a biodecodificação, o câncer de pulmão teria a ver com o medo de morrer, e nada a ver com fumo ou poluição. Câncer de fígado, por sua vez, com falta de apoio, e não com consumo de álcool, hepatite ou dietas desequilibradas. E câncer de rim com solidão ou negligência e não com a principal função do rim, que é filtrar todas as toxinas do corpo.
Sem sentido algum
Como você deve perceber, estas ligações entre câncer e a vida do dia a dia não têm base científica. As causas do câncer são os danos ao DNA das células por agentes físicos, químicos ou biológicos, e nada mais.
Mas não faltam correntes médicas que afirmam ter evidências científicas para afirmar o absurdo. O médico alemão Ryke Geerd Hamer é considerado o pai da chamada "Nova Medicina Alemã". Segundo essa corrente, Hamer demonstrou em 1981, por meio de uma simples varredura cerebral, que é possível ver as alterações em áreas específicas do cérebro deixadas pelo impacto emocional. O curioso é que o "bom médico" não parece ter deixado para a posteridade nenhuma literatura científica publicada, mas apenas suas próprias experiências e as de outros pacientes.
A partir desse conceito de sofrimentos que nos causam câncer e outras doenças, surgem outros níveis de pseudociências, como as chamadas "constelações familiares". Essa pseudoterapia se baseia no fato de que muitos dos nossos conflitos vêm das relações familiares, de modo que a descoberta desses conflitos seria a chave para evitar e até mesmo curar o câncer.
A questão é "como?", e aqui encontramos a "bioneuroemoção", que consiste em terapias de relaxamento e meditação que levariam à resolução de conflitos. Isso faria com que o estresse que sofremos e os pensamentos prejudiciais desaparecessem. E, com eles, o câncer.
O estresse e o câncer
Como já mencionei, há uma ligação entre estresse biológico e câncer. Em sua origem, agentes físicos - como raios X ou raios ultravioleta -, agentes químicos - como muitas substâncias que interagem com o DNA - ou agentes biológicos - como vírus - danificam o DNA e causam mutações que acabam levando à transformação celular que leva ao câncer.
Depois, as células cancerosas ainda causam estresse em seu ambiente para crescer melhor. Assim como os alienígenas dos filmes que invadem a Terra modificando o ambiente para se adequar a eles, as células cancerosas modificam seu ambiente, liberando substâncias como o lactato, que causa estresse metabólico. Isso faz com que, entre outras coisas, as células cancerosas sejam capazes de crescer melhor, matando as células normais, se alimentar melhor, gerar novos vasos sanguíneos e evitar o ataque do sistema imune.
Até mesmo diferentes compostos liberados pelas células cancerosas modificam a atividade dos macrófagos para melhorar as condições de crescimento do tumor. Esses macrófagos têm um perfil pró-inflamatório que afeta a atividade de todas as outras células, inclusive os linfócitos que deveriam ser capazes de atacar e matar as células tumorais.
Outro componente é o estresse oxidativo, que é bem conhecido nos tratamentos com antioxidantes para todos os fins. O problema do estresse oxidativo é que ele é uma faca de dois gumes em relação ao câncer. Ele pode ser usado como uma terapia para matar as células, mas também é um fator importante que faz com que elas se tornem células tumorais.
Pseudoterapias são perigosas, ainda mais quando se tem câncer
Como você viu, os hábitos de vida e a exposição a agentes de todos os tipos que não podemos evitar podem nos afetar seriamente. O estresse crônico da vida diária pode agravar o efeito desses agentes e, obviamente, pode ser importante no caso do câncer, embora isso ainda não esteja claro. Obviamente, lidar com a doença de forma mais positiva pode ajudar a reduzir o efeito prejudicial do estresse crônico, mas colocar a culpa na família ou no medo de algo não é uma solução.
Não se deixe enganar: as pseudoterapias, qualquer uma delas, até mesmo a homeopatia, colocam em risco os pacientes que, na tentativa de combater o câncer, se jogam nos braços de qualquer um que abra uma porta para a esperança, abandonando a medicina que funciona e ataca o câncer da maneira mais específica, a medicina que conhece as causas e aborda cada tipo de câncer com o tratamento mais eficaz.
Guillermo López Lluch. Este texto foi publicado originalmente em The Conversation. Leia aqui o original.