Estamos sozinhos no Universo? O crescente conhecimento da Humanidade sobre a imensidão e complexidade do Cosmo que nos cerca trouxe consigo este enigma fundamental, que permanece sem solução. Delírios ufológicos e conspiratórios à parte, não temos qualquer indicação da existência de vida extraterrestre.
O desenvolvimento tecnológico, no entanto, pela primeira vez fornece ferramentas para buscar possíveis sinais de sua presença "lá fora". O que leva a outras questões: em quais destes sinais devemos focar nossas buscas, e como e onde procurar por eles? Resposta que para muitos especialistas passa justamente por uma melhor compreensão do surgimento da vida aqui mesmo na Terra.
O desafio da busca por vida extraterrestre que começa pela própria definição do que identificaríamos como "vida". Apesar de toda tragédia que provocou nos últimos anos, o SARS-CoV-2, coronavírus por trás da pandemia de COVID-19, por exemplo, não é considerado um ser vivo pela maioria dos biólogos. O argumento central para isso é de que falta aos vírus uma das qualidades apontadas como essenciais para a vida: a capacidade de se replicar de forma independente. Apesar de terem material genético (DNA ou RNA) que orienta sua replicação, os vírus dependem inteiramente da maquinaria metabólica celular que sequestram dos hospedeiros para se reproduzir, à diferença de outros micro-organismos como as bactérias, mas que se multiplicam de maneira autônoma.
Em geral, cientistas apresentam como atributos essenciais, para algo ser apontado como "forma de viva", configurar sistemas fechados ou autocontidos que produzem energia por vias metabólicas e podem se reproduzir independentemente, repassando suas características para a prole. Ou, como resumiu um comitê da Nasa em 1994, "um sistema químico autossustentado capaz de evolução darwiniana". Ou, ainda mais economicamente na descrição do geneticista russo Edward Trifonov após uma revisão de mais de cem definições de "vida" na literatura científica em 2011, "autorreplicação com variações".
Todas estas definições, no entanto, trazem a limitação de terem como referência apenas a "vida-como-conhecemos", a forma como ela se apresenta aqui na Terra. Isso deixa de fora hipóteses que a ficção é pródiga em criar - e talvez também o Universo. Coisas como os cristais sencientes Xipéhuz - personagens da ficção científica publicada em 1888 pelos irmãos belgas Joseph Henri Honoré Boex (1856–1940) e Séraphin Justin François Boex (1859–1948) sob o pseudônimo Rosny Aîné -, ou os seres de natureza indeterminada que se surpreendem e horrorizam ao observar que os humanos são "feitos de carne" na historieta do escritor americano Terry Bisson publicada originalmente em 1990 na revista especializada OMNI. Ou, ainda possibilidades que são objeto de especulações há tempos entre os cientistas, como formas de vida baseadas em silício no lugar do carbono que caracteriza a biologia terrestre.
Mas estes mesmos critérios permitem limitar os parâmetros para a busca por vida fora da Terra. Afinal, até que encontremos alguma evidência de seres alienígenas, o único exemplo que temos de origem, evolução e funcionamento da vida são os organismos terrestres. Sem outras pistas sobre o que procurar, é difícil, se não impossível, encontrar o que quer que seja - a não ser que um eventual ET desça de um disco voador na nossa frente e peça "leve-me ao seu líder".
Indícios e probabilidades
Diante disso, que possíveis sinais de vida extraterrestre devemos buscar? A resposta, claro, depende de onde e como se procura. Quanto ao onde, os chamados planetas extrassolares, ou exoplanetas, que orbitam outras estrelas que não nosso Sol, são uma escolha óbvia e promissora.
Não faz muito tempo, os cientistas achavam que sistemas planetários como o Sistema Solar eram relativamente raros. De início, as soluções para a Equação de Drake, proposta em 1961 pelo astrônomo americano Frank Drake como uma tentativa de estimar quantas civilizações alienígenas poderiam existir na Via Láctea, atribuíam um valor relativamente pequeno para a variável da fração de estrelas que teriam planetas.
A descoberta dos primeiros exoplanetas orbitando não uma estrela da sequência principal como nosso Sol, mas um pulsar, em 1992, no entanto, começou a mudar radicalmente esta noção. Três anos depois, o primeiro planeta extrassolar orbitando uma estrela mais parecida com o Sol foi encontrado, num achado que rendeu aos seus autores o Prêmio Nobel de Física de 2019.
De lá para cá, missões como o americano Observatório Espacial Kepler e o europeu CoRoT (do francês Convection, Rotation et Transits planétaires, ou "convecção, rotação e trânsitos planetários", estes últimos o método que ambos equipamentos usavam para detectar exoplanetas) deixaram claro o engano. Hoje, mesmo só tendo investigado com atenção uma porção ínfima do céu, já contamos quase 5,6 mil exoplanetas confirmados, sendo 887 em sistemas múltiplos, isto é, com mais de um planeta, e acredita-se que praticamente todas as estrelas tenham ao menos um planeta girando ao seu redor.
Com isso, também entrou no vocabulário científico - e no imaginário popular - a noção de "planeta habitável", e uma explosão de interesse pelo campo de estudos da astrobiologia. Dadas as características da vida na Terra e o ambiente que acredita-se que ela surgiu, entram nesta categoria exoplanetas que não estão nem perto demais nem longe demais de suas estrelas de forma a terem uma faixa de temperatura que permita a existência de água em estado líquido na sua superfície (afora questões como tamanho, como não serem gigantes gasosos como Júpiter - o que não impede que eventualmente tenham "luas habitáveis").
Mas de "habitável" para "habitado" vai um grande salto. E aí temos as questões de o quê e como procurar por vida extraterrestre. A entrada em operação do Telescópio Espacial James Webb em meados de 2022 e melhorias na tecnologia e instrumentos de supertelescópios existentes em solo, por exemplo, abriram uma nova janela para a detecção e estudo das eventuais atmosferas dos exoplanetas. Novamente tendo como única referência a vida na Terra, imaginou-se que a existência de proporções significativas oxigênio livre nelas poderia ser um bom sinal para a presença de vida lá, uma "bioassinatura".
Aqui, boa parte deste gás é resultado da fotossíntese realizada pelo fitoplâncton nos oceanos, e pelas plantas em solo. O problema é que processos abióticos (não biológicos), como a fotólise da água pela radiação estelar, também podem produzir quantidades significativas de oxigênio. Desta forma, o oxigênio como parâmetro de busca por vida é sujeito a numerosos possíveis falsos positivos, tornando-o, na melhor das hipóteses, um sinal ambíguo.
E o mesmo vale para o metano, outro gás comumente associado à atividade biológica, mas também com abundantes fontes abióticas alternativas. Ou ainda a fosfina, substância por trás do hype em torno da suposta descoberta de "sinais de vida" na alta atmosfera de Vênus em 2020.
Assim, não é por acaso que estes dois últimos gases estão no centro dos exemplos deste problema dos falsos positivos na busca por vida extraterrestre apresentados de um grupo de pesquisadores em artigo publicado recentemente no repositório de preprints arXiv. Para tentar contorná-lo, Searra Foote, Pritvik Sinhadc, Cole Mathis e Sara Imari Walker, da Universidade do Estado do Arizona, EUA, defendem uma abordagem probabilística e em etapas.
Partindo do Teorema de Bayes, os autores argumentam que qualquer potencial parâmetro de busca - quer seja por "vida-como-conhecemos" ou não - deve sopesar a confiabilidade no sinal com a possibilidade de desenvolvimento da vida em ambientes alienígenas. Isto, por sua vez, exige aprofundar não só o conhecimento sobre a química abiótica no espaço como sobre a evolução da vida aqui mesmo, aproximando a astrobiologia das pesquisas sobre a origem da vida na Terra. Segundo eles, na ausência de parâmetros que possam ser usados como sinais inequívocos de vida extraterrestre, isto permitiria restringir ao máximo o risco de erro na interpretação das observações.
Termodinâmica e a "Teoria da Montagem"
Fica então a questão de qual a probabilidade de a vida emergir em um ambiente alienígena. Como no caso dos planetas, mais uma vez de início muitos cientistas diriam que a vida é um evento raro. Afinal, o único exemplo que temos em todo o Universo está aqui na Terra.
Mas esta também é uma visão que está mudando. Hoje, alguns pesquisadores propõem que a vida é um fenômeno relativamente comum no Universo, uma consequência natural de sua física e química no caminho de menor resistência a um estado de maior entropia e total equilíbrio termodinâmico - que ganhou o chamativo nome de "morte térmica do Universo".
Em tempos recentes, esta visão da vida como uma criação local e temporária de ordem para aumentar a desordem geral do sistema como consequência das Leis da Termodinâmica - algo como o redemoinho de uma banheira que organiza as moléculas de água para acelerar seu esvaziamento - foi desenvolvida e explorada nos últimos anos por cientistas como o físico americano Jeremy England, ex-pesquisador do MIT. "Você começa com um monte de átomos e, se jogar uma luz sobre eles por tempo o suficiente, não deve ser tão surpreendente que no fim você tenha uma planta", resumiu em entrevista à revista Qanta em 2014.
Outra hipótese recente neste sentido é a chamada "Teoria da Montagem". Por esta proposta, a matéria - que a teoria trata como "objetos" -, se organiza e reorganiza em uma série de passos - a "montagem" - em sistemas de crescente complexidade nos quais cada iteração amplia o repertório de objetos disponíveis no "espaço de montagem".
Isto, por sua vez, deflagraria um processo de seleção que aplicado à química e à física de nosso Universo tenderia à funcionalidade e, por consequência, à "vida". Desta forma, a Teoria da Montagem não apenas ajudaria nos estudos da origem da vida como forneceria uma ferramenta para mensurar sua evolução, o "índice de montagem", grosso modo qual foi o mínimo necessário de passos para chegar ao objeto observado, seja uma bactéria ou um ser humano. A pesquisadora Sara Imari Walker, uma das autoras do citado estudo sobre o problema dos falsos positivos na busca por vida extraterrestre, é um de seus principais proponentes, ao lado do autor original da ideia, Leroy (Lee) Cronin, da Universidade de Glasgow, Reino Unido.
Desta forma, seres simples, organismos unicelulares como bactérias, talvez realmente sejam ubíquos no Universo. E podemos ter uma resposta para isso em um futuro não muito distante, vinda não de exoplanetas longínquos, mas de nossa vizinhança bem aqui no Sistema Solar.
Graças a missões espaciais como as duas sondas Voyager e, mais recentemente, a Cassini-Huygens, hoje sabemos que algumas das luas geladas de Júpiter e Saturno, como Europa, Ganimedes, Calisto e Encélado, muito provavelmente escondem oceanos de água salgada em estado líquido sob suas grossas crostas de gelo. E que estes ambientes não seriam muito diferentes dos locais onde se acredita que a vida surgiu na Terra primeva, gerando especulações sobre se o mesmo não aconteceu lá.
Em razão disso, estas luas se tornaram destinos preferenciais de novas missões com o intuito de investigar a possibilidade, como a Jupiter Icy Moons Explorer (Juice), lançada pela Agência Espacial Europeia (ESA) em abril do ano passado, e a iminente Europa Clipper, que a Nasa pretende lançar em outubro deste ano. Embora nenhuma destas naves tenha o objetivo de procurar por vida, seu sucesso certamente suscitará missões subsequentes com instrumentos e capacidade para detectá-la. E aí talvez finalmente comecemos a responder àquela pergunta fundamental do início deste texto.
Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência