STF faz julgamento crucial sobre transgênicos

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29 jun 2023
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DNA

 

Nenhum brasileiro é capaz de passar um só dia sem utilizar pelo menos um produto que contenha componentes que passaram pelo crivo da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), seja alimento, vacina, vestuário, combustível, material de limpeza, papelaria ou algum outro que contenha um dos mais de 260 Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) aprovados pela instituição, ou seja deles derivado. Afirma-se isso logo de início para transmitir um pouco da importância da CTNBio na vida diária dos brasileiros e para poder desmistificar os OGMs.

Os chamados transgênicos, oficialmente OGMs, são organismos desenvolvidos com técnicas de DNA recombinante. Isso permite o desenvolvimento de variedades mais úteis para uso humano. Os OGMS surgiram na década de 1970 e, como toda nova tecnologia, despertaram receio, inclusive de parte da comunidade científica, em relação à segurança para o meio ambiente e a saúde humana e animal.

Com o tempo, foram estabelecidos procedimentos e padrões internacionais pelo CODEX Alimentarius, OECD e FAO. Um dos principais instrumentos é o Protocolo de Cartagena, assinado no âmbito da Convenção sobre a Diversidade Biológica da ONU, que permitiu que países produzissem suas legislações internas com uniformidade e rigor científico. O Brasil não foi exceção. Teve sua primeira legislação aprovada em 1995, sendo aprimorada em 2005 pela atual Lei de Biossegurança (Lei nº 11.505).

Um dos maiores ajustes implementados pela legislação de 2005 foi conceder à CTNBio a responsabilidade de avaliar e autorizar, ou não, a pesquisa e comercialização de produtos à base de OGMs. Qualquer entidade no Brasil que queira desenvolver uma pesquisa nesse campo deve ser supervisionada pela CTNBio ao longo de todo o processo, seguindo metodologia robusta o suficiente para identificar potenciais riscos à saúde ou ao meio ambiente. Somente com o crivo da instituição é que a pesquisa caminha e o produto pode ser colocado à venda. Especificamente em relação ao meio ambiente, a Lei determina que a CTNBio faça uma avaliação do potencial de todos os transgênicos em causar impactos ambientais negativos. Se houver tal possibilidade, ela determina que um estudo de impacto ambiental (EIA-RIMA) seja realizado, sem o qual a pesquisa não pode ser realizada.

A CTNBio

A CTNBio é uma instituição silenciosa. Em seus 27 anos de existência, nunca apresentou nenhum problema ou teve sua imagem manchada, pois atua estritamente com base na ciência.

É um órgão plural. Congrega pesquisadores de diversas áreas, indicados pela academia, governo e sociedade civil. No total, são 54 membros (27 titulares e 27 suplentes), sendo 24 indicados pela comunidade científica, notadamente pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Outros 12 membros vêm de indicações da sociedade civil, por processos de consulta pública realizadas pelos ministérios do Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Agricultura e Pecuária, Justiça, Trabalho e Emprego e Saúde. Por fim, 18 são representantes dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação; da Agricultura e Pecuária; da Saúde; do Meio Ambiente; da Indústria, Comércio Exterior e Serviços; da Defesa; da Pesca e Aquicultura; do Desenvolvimento Agrário e das Relações Exteriores.

Essa pluralidade faz com que haja debate e choque de opiniões, com decisões tomadas em colegiado.

Todos esses 54 membros atuam de forma pro bono por, no máximo, três mandatos consecutivos de dois anos, para garantir pluralidade e renovação. Para ser indicado, é obrigatório deter um título de doutorado com notório saber científico e reconhecida atuação na área, o que garante que a própria ciência seja a condutora das decisões.

 

Risco

Em 2005, quando foi promulgada a Lei de Biossegurança, havia muito preconceito em relação aos OGMs. Com isso, foi protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) questionando alguns dispositivos da lei, incluindo a competência da CTNBio em deliberar de forma centralizada e definitiva sobre atividades de pesquisa e uso comercial de OGMs no Brasil. O assunto ficou parado por anos, e foi retomado agora.

Muito aconteceu nessas décadas. De cada dez sementes plantadas no Brasil, sete são OGMs, parte delas desenvolvida pela ciência brasileira. Não existe algodão que não seja OGM, bem como quase não se encontra embutidos que não contenham OGMs, só para dar uma ideia do setor agropecuário. No campo da saúde, eles estão presentes em toda a insulina usada pelos diabéticos, nas vacinas, inclusive algumas das usadas no combate à COVID-19, e nas revolucionárias terapias celulares, para o combate de alguns tipos de câncer, como o mieloma múltiplo, e gênicas, usadas no tratamento de doenças raras, como a atrofia muscular espinal e a hemofilia.

Se aprovada, a ADI pode suspender a utilização dos produtos liberados pela CTNBio nesses 18 anos, o que paralisaria a produção de soja, milho e algodão no país por alguns anos, com consequente impacto em cadeia, começando pela alimentação animal até chegar às exportações e geração de empregos no campo.

Os compromissos do Brasil, assumidos na agenda climática, perderão instrumentos essenciais para seu cumprimento, pois a biotecnologia é a espinha dorsal da bioeconomia. É ela que permite o desenvolvimento de rotas alternativas para a produção de energia, para substituir matérias-primas de origem fóssil por renováveis e para obtenção de produtos de alto valor agregado a partir de resíduos, o que contribui para a circularidade da economia e redução das emissões de gases do efeito estufa. Aliado à questão ambiental, tudo isso gera desenvolvimento econômico.

A segurança jurídica trazida pela Lei de Biossegurança foi responsável por um grande investimento em formação de recursos humanos no Brasil, pelos investimentos em desenvolvimento de produtos por instituições públicas e privadas brasileiras. Caso a ADI seja julgada procedente, a pesquisa e desenvolvimento genuinamente nacional terão enorme dificuldade para lidar com os custos e prazos adicionais, sendo provavelmente incapazes de gerar inovações. Provavelmente, os investimentos em bioeconomia serão reduzidos, afastando empresas, pesquisadores de ponta, colocando o brasileiro à margem de novas tecnologias e tirando do Brasil a possibilidade de se tornar um dos líderes mundiais desse segmento.

Por estas razões, é fundamental, ao desenvolvimento científico e à inovação biotecnológica, que se reconheça a constitucionalidade da Lei 11.105/2005 em seus artigos questionados e mantenham-se as competências da CTNBio em sua total integralidade.

Paulo Augusto Vianna Barroso, Maria Sueli Soares Felipe, Edivaldo Domingues Velini, Flavio Finardi Filho, Edilson Paiva, Walter Colli, Jorge Almeida Guimarães, Esper Abrão Cavalheiro, Leila dos Santos Macedo, Luiz Antônio Barreto de Castro são ex-presidentes da CTNBio

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