Terra vs. Balões Não Identificados

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13 fev 2023
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disco voador

 

Nas duas primeiras semanas de fevereiro, as Forças Armadas dos Estados Unidos abateram quatro objetos voadores sobre a América do Norte. Um desses, o objeto derrubado por um míssil Sidewinder disparado de um avião militar F-22 sobre a costa o estado da Carolina do Norte no dia 4, foi identificado como um balão de espionagem chinês. Os demais três, até o momento em que escrevo, seguem oficialmente “não identificados”, ou seja, por enquanto são “óvnis”, mas o mais provável é que sejam balões também.

Os abates ocorrem poucos meses depois de uma audiência realizada no Congresso americano sobre UAPs, ou “Fenômenos Aéreos Não-Identificados”, em que militares e funcionários do governo federal dos Estados Unidos foram chamados a explicar uma série de estranhos avistamentos de objetos voadores registrados por aviões de combate e outros tipos de sensores militares.

A explicação mais plausível, na época, era que se tratava de artefatos do equipamento – isto é, imagens falsas ou distorcidas, produzidas inadvertidamente pelo tipo de tecnologia usado – ou de erros de identificação (de estrelas, planetas, pássaros, drones, sacos plásticos soprados pelo vento, etc.). Um relatório divulgado em 2021 considerava que os UAPs, uma vez esclarecidos, muito provavelmente caberiam nas seguintes categorias:

Entulho aéreo: pássaros, balões, drones, sacos plásticos.

Fenômenos atmosféricos: cristais de gelo, umidade, flutuações térmicas que acabam sendo registrados por alguns sistemas de infravermelho e radar.

Tecnologias em desenvolvimento: aeronaves experimentais e protótipos secretos de empresas ou do próprio governo americano.

Sistemas adversariais estrangeiros: tecnologias lançadas por países adversários dos EUA, como China e Rússia.

Outros: fenômenos que requerem novas tecnologias ou avanços científicos para serem corretamente interpretados.

 

Durante a audiência pública de 2022, os representantes das Forças Armadas e do governo fizeram todo o possível para deixar claro que, fossem o que fossem, os UAPs muito provavelmente não eram naves extraterrestres e que o governo americano não tem nenhuma evidência de presença extraterrestre no planeta. A ressalva foi necessária porque os EUA vivem uma espécie de histeria coletiva com a ideia de que UAPs são ETs, desde que o jornal New York Times (em 2017) e a revista New Yorker (em 2021) abriram espaço para que jornalistas fortemente investidos em teorias de conspiração ufológicas tentassem convencer o público de que a série Arquivo X talvez fosse não-ficção.

Esse processo, que em outro artigo chamei de gourmetização da pseudociência, ocorre quando figuras que têm um capital razoável de credibilidade acumulado graças ao trabalho realizado numa esfera específica (por exemplo, no jornalismo político ou nas artes), além de bons contatos na mídia, resolve queimar ambos – o capital e os contatos – para promover ideias que estão totalmente fora de sua área de expertise.

Com a descoberta do balão chinês e a derrubada dos três (até agora) óvnis, a comunidade unida em torno do refrão “não estamos dizendo que os UAPs são extraterrestres, mas é óbvio que são extraterrestres” vem adotando um discurso que pode ser comparado a uma manobra militar em pinça: de um lado reivindica para si o mérito de ter obrigado o governo americano a prestar atenção nas coisas estranhas que passam pelo céu, uma mudança de atitude que permitiu que o balão espião fosse detectado. Do outro, enfatiza o “mistério” dos objetos ainda não identificados, preparando o terreno para semear novas teorias de conspiração.

Críticos da onda ufológica argumentam o oposto: que se os entusiastas não estivessem tão investidos em “provar” que qualquer luz estranha no céu ou sinal anômalo de radar é evidência de ETs, fantasmas, viajantes do tempo ou brechas interdimensionais, poluindo a pesquisa sobre esses fenômenos com ruído irrelevante, a verdadeira natureza dos balões de espionagem já teria sido reconhecida há muito tempo.

Sobre a sequência abrupta de derrubadas de balões, a analista de segurança nacional da CNN Juliette Kayyem ofereceu uma explicação plausível: a descoberta do balão de espionagem chinês, abatido no início do mês, levou a defesa aérea dos EUA a recalibrar seus sensores, e agora está detectando mais objetos que, antes, passavam batido pela peneira da segurança.

 

Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência, autor de "O Livro dos Milagres" (Editora da Unesp), "O Livro da Astrologia" (KDP), "Negacionismo" (Editora de Cultura) e coautor de "Pura Picaretagem" (Leya), "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto), obra ganhadora do Prêmio Jabuti, e "Contra a Realidade" (Papirus 7 Mares)

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