Programação Neurolinguística: mito forte, ciência fraca

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12 jan 2023
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É difícil definir “Programação Neurolinguística” (PNL). Ao longo de quase meio século, a expressão se tornou uma espécie de termo genérico de marketing, usado principalmente para vender cursos, seminários e, em tempos mais recentes, processos de coaching. Nessa cornucópia, cada professor, guru, facilitador, coach etc. parece oferecer algo que traz um sabor um pouco diferente dos demais.

Voltando às raízes, o sistema original de terapia e autoajuda a adotar o nome foi criado, na década de 70, pelo linguista John Grinder e pelo psicólogo Richard Bandler, nos Estados Unidos. Eles propunham que deveria ser possível reproduzir o sucesso de figuras eminentes a partir da imitação de comportamentos superficiais (o modo de falar, pensar e agir) dessas pessoas.

Indo um pouco mais fundo, Grinder e Bandler acreditavam ter descoberto uma espécie de “linguagem de programação” mental: de acordo com eles, certos modos de comunicação permitiriam ajustar a mente para a obtenção de resultados desejados, sejam eles terapêuticos, econômicos etc. Em outras palavras, a linguagem – oral, corporal, etc. –  “programa” o cérebro.

De lá para cá, a ideia foi abraçada por vários grupos, na interface entre o misticismo New Age e o ecossistema corporativo de consultorias e autoajuda. Com isso, emergiu um próspero mercado de cursos e seminários de fim de semana (cujo conteúdo em geral é patenteado ou protegido por direitos autorais) que prometem usar a PNL para eliminar “crenças limitantes” e “liberar o potencial humano”. A linguista e antropóloga americana Karen Stollznow se refere a essa indústria da PNL como “Amway da mente”. “Esses cursos (...) garantem que, se você não mudar sua vida, certamente mudará sua conta bancária”, escreve ela.

 

Ciência furada

Em seu livro “Language Myths, Mysteries and Magic”, Stollznow elabora: “A PNL não aparece em livros-texto de psicologia. Nunca teve impacto sério na academia. Se suas teorias estivessem corretas, Bandler e Grinder teriam feito algumas descobertas notáveis com grandes implicações para a psicologia humana. Mas esqueceram de uma parte do processo científico: avaliação empírica”.

Em outras palavras, tiveram um monte de ideias que até pareciam legais. Só esqueceram de ver se correspondiam à realidade. E a verdade é que não correspondem. Previsões empíricas da PNL, como a de que o lado para onde as pessoas olham enquanto falam permite saber se estão dizendo a verdade ou mentindo, simplesmente são falsas. A doutrina incorpora ainda o mito de que existe uma separação rígida de funções entre os hemisférios cerebrais, com um deles sendo mais “racional” e o outro, mais “criativo”, o que também não é verdade: todos os testes online que se propõem a mostrar se você é uma pessoa “mais lado direito” ou “mais lado esquerdo” são bobagens.

De fato, o livro “50 Great Myths of Popular Psychology” (“50 Grandes Mitos da Psicologia Popular”) põe a noção de que algumas pessoas são “mais cérebro esquerdo” e outras “mais cérebro direito” logo no começo como mito número dois. Escrevem os autores:

“O modo como os dois lados do cérebro diferem é muito mais limitado do que os empresários da psicologia pop da ‘hemesfericidade’ sugerem. No geral, os dois hemisférios são muito mais similares do que diferentes em suas funções. Neurocientistas contemporâneos nunca concordaram com os ‘treinadores de hemisfério’ New Age, que afirmam que as duas metades do cérebro contêm mentes totalmente diferentes que lidam com o mundo de modos radicalmente divergentes”.  

O neurocientista Steve Novella escreve em seu blog que “quando proposta inicialmente, não havia nada de abertamente pseudocientífico sobre a PNL. Era um pouco simplista e ingênua, mas talvez tivesse algum mérito. Mas acontece que os pressupostos da PNL (...) estão errados. Os últimos trinta anos de pesquisa mostram que a PNL é lixo”.

As críticas à PNL vêm de longe. Nos anos 80, o Exército dos Estados Unidos encomendou ao Conselho Nacional de Pesquisas uma avaliação das várias técnicas de autoajuda que vinham sendo oferecidas no mercado para melhorar a performance humana. Os militares queriam saber se valeria a pena investir parte de seu gordo orçamento em alguma delas para tornar os soldados mais atentos, motivados, competentes etc.

O capítulo sobre PNL é bem claro: “muitas das teorias citadas em apoio à PNL são metáforas”; “as referências biológicas e psicológicas são datadas (...) a psicologia cognitiva citada omite os últimos 20 anos de pesquisas”. Conclusão: “a evidência de uma base científica para a PNL ou de validação para sua construção é geralmente fraca ou nula”.

 

Autoestima

Parte do apelo popular da PNL provavelmente vem do fato de que a doutrina (ou família de doutrinas) tente oferecer às pessoas uma espécie de passe livre (com carimbo “científico”) para o narcisismo e a megalomania. Achar-se o máximo é quase sempre o primeiro passo do processo, e quem não gosta de ter uma desculpa para pensar o melhor a respeito de si mesmo? Quando reconhecer a própria incompetência numa determinada tarefa deixa de ser diagnóstico e vira “crença limitante” a ser combatida, o céu é o limite.

Ou não. “Não apenas a linha que separa a alta autoestima (supostamente boa) do narcisismo (claramente ruim) é muito fina, como pesquisas sugerem que a turma da alta autoestima tende à Síndrome da Roupa Nova do Rei”, escreve o psicólogo britânico Stephen Briers no livro “Psychobabble”, referindo-se à fábula em que o rei vaidoso acredita estar vestindo trajes suntuosos quando, na verdade, todos ao redor podem ver que ele está mesmo é nu.

Gurus motivacionais que se baseiam fortemente em PNL, como o americano Tony Robbins, costumam sugerir crenças e esquemas mentais são fatores limitantes de performance, e põem a alta autoconfiança e a alta autoestima como condições fundamentais para o sucesso. Alguns cursos e seminários de PNL ou baseados em PNL incluem atividades como caminhar sobre brasas ou lançar balões de ar quente tripulados para, supostamente, mostrar aos participantes “do que são capazes” e assim estimular sua autoestima.

Embora haja um fundo de verdade na ideia de que o que pensamos muitas vezes molda (ou limita) o que fazemos, os diagnósticos de Robbins e da PNL em geral tendem a ser bastante exagerados.

Robbins, por exemplo, sugere que o uso de um vocabulário superlativo pode transformar a autoestima e, por tabela, abrir caminho para o sucesso. Ele sugere, no livro “Mensagens de um Amigo”, que se troque “interessante” por “fantástico” e “certo” por “super”. O que talvez não faça de você uma pessoa mais bem-sucedida, como ele propõe, mas certamente fará de você um tremendo mala sem alça.

Cientificamente, a relação entre autoestima e competência é estudada, pelo menos, desde a década de 70, quando Sidney Shrauger e Melanie Terbovic publicaram o artigo “Self-evaluation and Assessments of Performance by Self and Others” (“Autoavaliação e Avaliação de Performance por Si Mesmo e por Terceiros”), em que voluntários de alta e baixa autoestima avaliaram o próprio desempenho em tarefas determinadas pelos pesquisadores.

Embora os dois grupos tenham tido performances quase idênticas, os participantes de alta autoestima se consideraram melhores, e os de baixa autoestima, piores.

O estudo envolveu ainda uma pegadinha: pediu-se aos voluntários que avaliassem vídeos mostrando um estranho desempenhando a mesma tarefa. O “estranho” era, na verdade, um ator que mimetizava o desempenho do próprio voluntário. Ao assistir ao imitador, ambos os grupos foram mais realistas e avaliaram as performances de modo mais uniforme.

“Esses resultados trazem substancial apoio à noção de que medidas de autoestima refletem diferenças consistentes na percepção de competência, quando diferenças reais de competência inexistem”, concluem os autores.

 

Motivação

Em 2003, David Dunning e Joyce Ehrlinger publicaram os resultados de uma série de experimentos semelhantes aos de Shrauger e Terbovic, mas com um detalhe extra: manipularam o nível de autoestima com que os voluntários entravam na tarefa, por exemplo fazendo-os passar, antes do início “oficial” do experimento, por um teste de geografia difícil (o que os fazia sentirem-se inseguros) ou fácil (o que “vitaminava” o amor-próprio).

Todas essas manipulações alteraram a forma como os participantes avaliavam o próprio desempenho sem, no entanto, afetar a qualidade objetiva da performance.

Num dos experimentos, estudantes que acreditavam ter uma elevada capacidade de raciocínio abstrato foram divididos em dois grupos. Ambos receberam um mesmo questionário para responder, mas um deles ouviu que o teste requeria boa capacidade de abstração e o outro, que se tratava de um teste de lógica de computação.

Ambos os grupos atingiram a mesma nota média, mas os participantes que achavam que o teste era de “lógica de computação” avaliaram o próprio desempenho de modo muito mais pessimista.

Stephen Briers resume a situação da seguinte forma: “A ciência sugere que, se nossa autoestima está nas alturas, podemos nos sentir ótimos, mas também estamos provavelmente delirando um pouco”.

A PNL torna esse delirar muito mais fácil (ou mesmo compulsório, gerando inúmeros outros problemas), o que pode ter um efeito motivador. Mas com o tempo a motivação tende a regredir para a média e a requerer doses cada vez mais fortes para atingir o mesmo barato. E, como estudos sugerem, o barato não impacta realmente a performance. Pelo contrário, de acordo com “50 Great Myths of Popular Psychology”, “níveis excessivamente altos de motivação tendem a prejudicar a performance em tarefas complexas”. Entusiasmo demais nubla a mente.

 

Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência, autor de "O Livro dos Milagres" (Editora da Unesp), "O Livro da Astrologia" (KDP), "Negacionismo" (Editora de Cultura) e coautor de "Pura Picaretagem" (Leya), "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto), obra ganhadora do Prêmio Jabuti, e "Contra a Realidade" (Papirus 7 Mares)

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