Que medicamentos estão sendo estudados contra a COVID-19?

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8 abr 2020
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Pílulas de remédios

O agravamento da pandemia de COVID-19, nas últimas semanas, fomentou uma disparada nas pesquisas de possíveis tratamentos da doença, especialmente envolvendo remédios já usados para outras condições e, por isso, com parâmetros de segurança, mecanismo de atuação e efeitos colaterais relativamente conhecidos.

Com o número de infectados e mortos aumentando em todo mundo, estudos preliminares, ensaios experimentais e estratégias clínicas que beiram o desespero logo ganham manchetes, saudando a descoberta de uma cura, quando, na verdade, muito do que se divulga não passa de vagas promessas na luta contra esta síndrome respiratória, potencialmente grave, provocada por um novo coronavírus, o SARS-CoV-2, surgido na China no fim do ano passado.

Mas como separar o que é ilusão do que é realidade? Talvez o exemplo mais claro, e perigoso, deste processo seja o da cloroquina (CQ) e sua substância “irmã”, a hidroxicloroquina (HCQ).

Estes medicamentos antimaláricos, também usados para reumatismo e lúpus, ganharam notoriedade mundial depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou em coletiva de imprensa na Casa Branca, em 19 de março que se haviam obtido resultados promissores no tratamento da COVID-19, tendo instruído a Administração para Drogas e Alimentos dos EUA (FDA, o equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, no Brasil) a pesquisar “agressivamente” esta possibilidade.

Acontece que Trump baseou seu anúncio em um experimento limitado e cheio de furos, liderado pelo médico francês Didier Raoult e divulgado pelo pesquisador em um vídeo no YouTube dias antes, junto com um artigo científico ainda não publicado e sequer revisado ou analisado por cientistas não envolvidos na experiência.

O experimento de Raoult e colegas não seguiu nenhum dos padrões básicos para ensaios clínicos de eficácia de fármacos. Para piorar, os textos e mensagens que circulavam no Brasil com a afirmação da descoberta da cloroquina como “a cura” da COVID-19 traziam link para um outro estudo sem qualquer relação com o trabalho francês. Publicado na véspera da coletiva de Trump na revista científica “Cell Discovery”, editada pelo prestigioso grupo “Nature”, o artigo descrevia experimento de cientistas chineses que comparava a ação antiviral para o SARS-CoV-2 da hidroxicloroquina frente à cloroquina, em culturas de células, tendo como inspiração sete supostos ensaios clínicos, não detalhados, do uso de HCQ no tratamento da COVID-19 durante o auge da epidemia na sua região de origem, a cidade de Wuhan, província de Hubei, China.

Neste estudo, os pesquisadores constataram que a hidroxicloroquina, assim como a “irmã” cloroquina, de fato apresenta ação contra o SARS-CoV-2 em culturas de células, na bancada do laboratório. Este tipo de ação das duas substâncias, porém, já havia sido constatado contra vários outros tipos de vírus ao longo das últimas décadas, como o HIV e outro coronavírus de potencial epidêmico, o primeiro SARS-CoV, identificado em 2002, sem que ganhassem qualquer indicação clínica para tratamento antiviral, ao longo de todos estes anos.

Só com estes exemplos, vemos que vai uma grande distância entre a afirmação de Trump da “descoberta da cura” da COVID-19 e a realidade: não há qualquer prova de que cloroquina ou hidroxicloroquina sejam tratamentos eficazes e indicados para a doença, sem apresentar riscos maiores que benefícios para os pacientes.

Apesar da falta de evidências conclusivas, e insuflados pela insistência de Trump, outros líderes mundiais, entre eles o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, embarcaram na crença de que CQ e HCQ poderiam ser uma solução rápida e fácil para a crise da pandemia. Ilusão que pelas mãos, e discurso, destas e outras lideranças também se espalha pela sociedade, abrindo caminho para oportunismos, enquanto a esperança míngua, com a realização de mais, maiores e melhores estudos sobre a eficácia e utilidade dos dois medicamentos contra a COVID-19.

Estudos como a iniciativa Solidarity, da Organização Mundial da Saúde (OMS), lançada poucos dias depois da coletiva de Trump em que o presidente americano mencionou pela primeira vez a cloroquina e a hidroxicloroquina. Inicialmente excluídas da pesquisa global que busca avaliar as opções que então se apresentavam como as principais “promessas” de tratamento da doença, pelo painel de especialistas da organização, as duas substâncias acabaram entrando no experimento, carregadas pelo furor internacional em torno das declarações do presidente americano.

Coordenado no Brasil pela Fiocruz, que está construindo uma unidade hospitalar com 200 leitos só para isso, o Solidarity é um amplo ensaio clínico envolvendo pesquisadores de mais de 70 países, que vai analisar quatro potenciais tratamentos para a COVID-19. Além de cloroquina e hidroxicloroquina, o estudo analisará a eficácia do antiviral Remdesivir, já testado com sucesso na terapia de pacientes de ebola, bem como em animais para a SARS e a MERS, outra doença de potencial pandêmico provocada por coronavírus; um “coquetel” dos antirretrovirais Lopinavir e Ritonavir, já usados no combate ao HIV, mas ainda sem evidências de ação contra os coronavírus da Covid-19, SARS ou MERS; e um tratamento combinado do coquetel Lopinavir e Ritonavir com interferon beta-1a, substância já administrada como terapia da esclerose múltipla. O primeiro paciente do ensaio coordenado pela Fiocruz foi admitido no último dia 31

Breve guia

Do fim de março para cá, no entanto, outras “esperanças” contra Covid-19 emergiram nas redes e na mídia, percorrendo um caminho parecido como o da dupla CQ/HCQ. Mais recentemente, as manchetes ora apontam como “cura” da pandemia o antiparasitário ivermectina, usado no combate a verminoses e infestações de piolhos em humanos e animais, ora o atazanavir, antirretroviral receitado a pacientes de HIV há quase 20 anos.  O que é preciso atentar, porém, é que tanto no caso da ivermectina quanto do atazanavir, os experimentos, até agora, restringem-se à bancada do laboratório, em cultura de células. Foram, como se chama nas pesquisas, in vitro (“dentro do vidro”, em latim).

Mas ainda há um longo caminho a percorrer in vivo, isto é, dentro de organismos – em testes com animais, de camundongos a primatas não humanos, ou mesmo pulando etapas diante da emergência e partindo logo para voluntários humanos – para que os remédios se mostrem efetivos contra a infecção pelo SARS-CoV-2. 

E o processo não acaba aí. Depois, ainda é preciso provar, via ensaios clínicos cada vez mais amplos, isto é, com mais e mais pessoas, doentes e saudáveis, em diferentes fases, que os remédios de fato previnem a doenças ou beneficiam os pacientes, quais deles, quando e como devem ser administrados, em quais dosagens, além de observar eventuais efeitos colaterais e até deletérios.

Em paralelo à investigação de novos usos para velhos medicamentos, ganham destaque estratégias de tratamento de casos graves envolvendo desde a administração de outros remédios, já conhecidos e utilizados em outras condições, como anticoagulantes como a heparina, nos pacientes, e até a injeção de plasma sanguíneo com anticorpos de pessoas que já adoeceram e se curaram do vírus.

Com relação à heparina, o medicamento ajudaria a combater a chamada coagulação intravascular disseminada (CID), síndrome que afeta pacientes criticamente doentes, em que o sangue começa a coagular por todo corpo e, mais raramente, atinge grávidas que perdem muito sangue durante o parto. Esta estratégia foi objeto de breve postagem em 5 de abril último nas redes sociais de Ana Estela Haddad,l afirmando que o protocolo fora desenvolvido por uma médica do Hospital das Clínicas da USP. Vindo da mulher do ex-candidato à Presidência pelo PT Fernando Haddad, a publicação de Ana Estela ganhou grande repercussão.

A realidade, no entanto, era outra. A própria postagem de Ana Estela tinha link para artigo sobre o experimento com este protocolo realizado por médicos chineses em um hospital de Wuhan, entre janeiro e início de fevereiro, época do pico da pandemia lá. Publicado no Journal of Thrombosis and Haemostasis no fim de março, o estudo chinês logo revela, numa leitura atenta, que o anticoagulante está longe de ser uma panaceia contra a COVID-19, só beneficiando pacientes graves e que já tenham alguma coagulopatia prévia. Ainda não há informações detalhadas sobre metodologia, benefícios ou resultados dos experimentos sobre o assunto conduzidos pela equipe da USP, em parceria com o Hospital Sírio-Libanês de São Paulo.

Médicos dos hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein, também em parceria com a Faculdade de Medicina da USP, anunciaram que vão testar um tratamento experimental de transferência de plasma, a parte “líquida” do sangue, com os devidos anticorpos, de pessoas já curadas da COVID-19. A ideia, porém, não é nova e já foi tentada contra várias outras doenças com resultados limitados ou nulos. Em recente entrevista à Revista Questão de Ciência, o imunologista Michel Nussenzweig, um dos principais pesquisadores do mundo na área, disse ter poucas esperanças de que a estratégia tenha sucesso contra a Covid-19.

Cesar Baima é jornalista

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