Usar homeopatia contra COVID-19 é irresponsável e perigoso

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28 mar 2020
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CANFORA

A prefeitura de Itajaí (SC) pretende contribuir com a campanha de isolamento social para conter a epidemia de COVID-19, e com a segurança de seus agentes de saúde, de uma forma muito estranha: lançando uma forca-tarefa para oferecer um remédio homeopático, de porta em porta, a ser administrado, em copinhos plásticos, diretamente a 200 mil pessoas. A ação foi suspensa pelo Ministério Püblico, mas a administração do município parece decidida a seguir tentando.

Tenho dificuldade de imaginar uma medida mais inadequada. A homeopatia, apesar de ser reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), e ser a prática de escolha do prefeito da cidade, que é pediatra, já foi banida do sistema de saúde de diversos países. Além de se basear em princípios que violam leis fundamentais da física e da química, a homeopatia fracassou em todos os testes sérios a que já foi submetida. Para saber mais, clique aqui, aqui, aqui e aqui.  

A determinação da prefeitura de Itajaí é, portanto, irresponsável e perigosa. Irresponsável porque, apesar de o remédio, em si, ser inócuo – são cinco gotinhas de água que, de acordo com nota da administração municipal, serão diluídas em ainda mais água, num copinho plástico descartável – uma campanha dessas, durante uma pandemia, consome recursos escassos (segundo a prefeitura, os agentes de saúde que pasarão de porta em porta levarão álcool gel, usarão máscaras e luvas) que deveriam ser empregados de modo racional, ainda mais em meio a uma pandemia.

Qual será o custo de mobilizar agentes de saúde para “medicar” 200 mil habitantes? Temos que considerar não somente o custo da logística da campanha, mas o custo de desviar esses profissionais de suas funções habituais. E o preço das doses do “remédio” homeopático em si.

A atitude também é perigosa. Aumenta o contato entre pessoas justamente no momento em que deveríamos preservar o isolamento social. Qual será o impacto dessas visitas, de porta em porta? Quantas pessoas serão infectadas como resultado dessa ação? Luvas e copinhos descartáveis oferecem alguma segurança, mas é conveniente lembrar que o SARS-CoV2 sobrevive até três dias em superfícies de plástico.

A premissa da prefeitura é que as gotinhas homeopáticas aumentarão a imunidade das pessoas. O que pode provocar uma ilusão de segurança, e levar a população a quebrar o isolamento. Alguém pode pensar que está protegido pelo remédio de mentira, e decidir que já é seguro voltar à vida normal. Isso, mais a pressão do governo federal para que a quarentena acabe, pode ser desastroso.

A raiz do problema está na insistência do CFM e do governo federal, por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), em manter viva a fantasia de que homeopatia serve para alguma coisa. Atitudes como a da prefeitura de Itajaí decorrem dessa fantasia, e a reforçam no imaginário popular, o que pode induzir cidadãos a usar a prática contra outras doenças e perder a oportunidade de receber tratamentos eficazes, dentro e fora da pandemia.

Já não é a primeira vez que a prefeitura de Itajaí, junto com o Ministério da Saúde,  assume uma postura anticientífica em suas políticas públicas de saúde. Em dezembro de 2018, a prefeitura, em parceria com a Universidade do Vale do Itajaí (Univali), o CFM e o Ministério, decidiu tratar dependentes químicos com preparados homeopáticos.

A iniciativa de usar homeopatia para COVID-19 - mesmo que de forma “integrativa”, como é sugerido pelos proponentes, talvez em uma tentativa de se esquivar da responsabilidade de estar propondo algo tão absurdo – já é digna de críticas. Fazê-lo durante uma pandemia só pode ser uma incrível ingenuidade e total desconhecimento de medicina baseada em evidências, ou uma estratégia de marketing de mau gosto, perigosa, e que desconsidera a saúde do cidadão.

Natalia Pasternak é pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e presidente do Instituto Questão de Ciência

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