Ninguém provou que óleo vegetal causa câncer

Artigo
25 mai 2025
óleo escorrendo por colher

Recentemente, foram publicadas em diferentes jornais, tanto internacionais quanto nacionais, notícias assim: “Top doctor warns cooking ingredient millions use is linked to aggressive breast cancer” e “Gordura de óleo comum pode acelerar câncer de mama agressivo”. Resumindo: um estudo identificou uma possível ligação molecular entre o ácido linoleico, uma gordura poli-insaturada presente em diversos óleos vegetais, como os de soja e cártamo, e um tipo específico e agressivo de câncer de mama.

Soa assustador? Pode ser, mas trata-se de um estudo conduzido in vitro (plaquinhas de laboratório) e em camundongos alimentados com uma dieta rica em ácido linoleico e injetados com células tumorais. O resultado ainda não foi replicado por outros pesquisadores. 

Não estamos, portanto, diante de uma prova de causalidade, mas sim de uma possível correlação ou, no máximo, da descrição de um possível mecanismo de ação conectando as duas coisas – óleo e câncer. São necessários, portanto, mais estudos conduzidos em humanos para avaliar a validade e a real relevância, para a saúde humana, desses achados iniciais.

Apesar de estarmos diante, mais uma vez, do modus operandi que a maioria das matérias sobre nutrição utiliza (títulos sensacionalistas que insuflam pânico nos leitores e aumentam a quantidade de desinformação a área), devo ser franco: ao menos as matérias que li, o assunto é apresentado uma forma extremamente sóbria.

Infelizmente, como destacado por diferentes pesquisas, a maioria das pessoas lê apenas o título de um texto, mas não o seu conteúdo. Por exemplo, um estudo publicado na Nature no final de 2024 analisou mais de 35 milhões de postagens no Facebook com links compartilhados entre 2017 e 2020, e constatou que os “compartilhamentos sem cliques” (quando o usuário não acessa o conteúdo antes de passar o link adiante) representaram cerca de 75% dos  encaminhamentos. O trabalho concentrou-se apenas em conteúdos relacionados a política.

Dito isso, e levando em conta essa limitação, se considerarmos que algo semelhante ocorre nas notícias relacionadas ao campo da saúde, temos um cenário preocupante.

O jornal Metrópoles, que publicou um título extremamente sensacionalista sobre a possível relação entre o componente da gordura e o câncer de mama, compartilhou a matéria em seu perfil do Instagram há duas semanas e conseguiu, até o momento, mais de 18 mil curtidas, 572 comentários e mais de 30 mil compartilhamentos.

Diante da onda sensacionalista, é importante discutir o que o estudo realmente encontrou. Mas antes, um pouco sobre os diferentes tipos de gordura e suas características.

 

Gorduras

Gorduras são uma classe de moléculas insolúveis em água, mas solúveis em certos solventes orgânicos, como acetona e clorofórmio. Podem ser classificadas de diversos modos, incluindo propriedades físicas à temperatura ambiente (óleos, quando em estado líquido; e gorduras, quando sólido), polaridade (presença ou ausência de polos negativos e positivos), essencialidade (alguns ácidos graxos são produzidos endogenamente, enquanto outros precisam ser obtidos via alimentação) e estrutura (lipídios simples, complexos ou derivados).

Entre os lipídios mais conhecidos estão aqueles presentes na alimentação cotidiana, como óleos vegetais, oleaginosas e gordura de carnes; os fosfolipídios, que compõem a principal estrutura das membranas celulares; as ceras; e os esteróis (como o colesterol).

Quanto às funções no organismo, os lipídios fornecem energia e, quando em uma dieta hipercalórica, podem ser estocados nas células adiposas - como qualquer outro macronutriente -, aumentando os estoques de gordura corporal. Além disso, são indispensáveis para a digestão, absorção e transporte das vitaminas lipossolúveis. Os estoques de gordura no corpo humano funcionam como isolante térmico, ajudando a preservar o calor e a manter a temperatura corporal, além de oferecerem proteção aos órgãos internos, reduzindo o impacto de possíveis traumas.

Vale ainda ressaltar que alguns derivados lipídicos atuam como hormônios.

Focando especificamente no composto que motivou este artigo, o ácido linoleico é um componente encontrado principalmente em gorduras e óleos vegetais. Faz parte da família ômega-6.

 

O estudo

O trabalho Direct sensing of dietary ω-6 linolenic acid through FABP5–mTORC1 signaling, publicado este ano na revista Science, descreve uma série de experimentos para verificar como o ácido linoleico afeta certas funções celulares cuja desregulação está ligada ao câncer.

Diversos experimentos in vitro analisaram os efeitos do ácido linoleico ômega-6 e do ácido linolênico ômega-3  (os diferentes “ômegas” referem-se às ligações químicas existentes no interior da molécula) sobre essas funções. Observou-se que, enquanto o ácido ômega-6 ativava certas funções associadas ao câncer, o ômega-3 não apresentou efeitos relevantes.

A ativação observada foi significativa apenas em células de câncer de mama do tipo triplo-negativo, resultando, entre outras coisas, em maior proliferação celular.

Numa segunda etapa do estudo, células de câncer de mama triplo-negativas foram isoladas, privadas de nutrientes e divididas em três grupos: (1) suplementação com aminoácidos; (2) suplementação com ácido linoleico ômega-3; e (3) suplementação com ácido linoleico ômega-6.

Constatou-se que o ômega-6 causou a ativação suspeita, embora com menor intensidade em comparação com os aminoácidos. Já o ômega-3 não teve efeito. Esses achados foram reforçados por experimentos subsequentes.

Com base nesses resultados, os autores passaram a investigar quais genes estariam mais provavelmente envolvidos no metabolismo e transporte de ácidos graxos essenciais (que o organismo humano é incapaz de produzir por conta própria; o ácido linoleico é um deles) e que, ao mesmo tempo, apresentavam regulação positiva em tumores de mama triplo-negativos. A busca resultou na identificação de uma família de proteínas envolvidas no transporte de ácidos graxos, mais especificamente a FABP5.

Em seguida, analisaram-se os níveis circulantes de FABP5 e de ácido linoleico em amostras clínicas. Para isso, foram utilizados tecidos tumorais de pacientes com câncer de mama de diferentes subtipos, além de amostras de soro de pacientes recém-diagnosticados e ainda não tratados.

Apesar de não haver diferenças demográficas relevantes entre os grupos, os níveis intratumorais de FABP5 e de ácido linoleico total foram significativamente mais elevados nos tumores triplo-negativos, em comparação àqueles com expressão de receptores hormonais — padrão também observado no soro desses pacientes. Concluiu-se, portanto, que a FABP5 pode atuar como um biomarcador clinicamente relevante.

Na sequência, os autores conduziram um experimento em modelo animal para avaliar como a modulação do teor de gordura da dieta poderia impactar esse eixo.

Camundongos foram alimentados com duas dietas idênticas em calorias, com proporções equivalentes de macro e micronutrientes, diferindo apenas na fonte de ácido linoleico: (1) uma dieta rica em ômega-6, na qual 80% da gordura era proveniente de óleo de cártamo; e (2) uma dieta controle rica em ômega-3, composta por uma mistura de óleos de peixe e linhaça.

Inicialmente, avaliou-se a tolerabilidade das dietas durante 12 dias, constatando-se que os animais, em ambos os grupos, mantiveram o peso estável ao longo do estudo. E, como esperado, devido à composição dos ácidos graxos dos óleos, as concentrações séricas de ômega-6 aumentaram significativamente nos camundongos alimentados com a dieta à base de óleo de cártamo, enquanto as de ômega-3 permaneceram mais baixas.

Ao injetar células tumorais triplo-negativas na gordura mamária de todos os camundongos, observou-se crescimento tumoral acentuado no grupo alimentado com a dieta rica em ômega-6.

Embora os achados sejam extremamente interessantes e ajudem a esclarecer um aspecto pouco explorado sobre a ingestão de diferentes tipos de gordura e o funcionamento celular, é importante deixar algumas ressalvas.

O estudo precisa ser replicado por outros pesquisadores. Além disso, vale ressaltar que não é possível afirmar que, mesmo se confirmados em outros testes com animais, os resultados serão aplicáveis a seres humanos.

Outro aspecto relevante a ser mencionado é que as dietas dos roedores, além de apresentar um alto teor de gordura — assemelhando-se a um padrão alimentar do tipo cetogênico (em que 70% a 80% das calorias provêm de gorduras) — eram predominantemente compostas por ômega-6. Embora esse tipo de gordura esteja presente em concentrações elevadas nas dietas ocidentais, ela nunca atinge valores tão elevados quanto os utilizados no estudo.

No final das contas, embora o estudo seja relevante e destaque a necessidade de mais ensaios clínicos, ele, por si só, não pode fornecer uma recomendação dietética sólida e definitiva. Dito isso, mesmo que a recomendação de moderar o consumo de óleos ricos em ácido linoleico ômega-6 — especialmente para pacientes com câncer de mama triplo-negativo — não esteja embasada em evidências robustas, ela ainda pode ser válida, desde que devidamente contextualizada.

Essa recomendação deve ser vista como uma precaução extra, deixando claro que o ômega-6 não deve ser substituído por carboidratos simples ou gorduras saturadas. Além disso, é importante ressaltar, com base em uma vasta quantidade de estudos metodologicamente sólidos — que explorarei em outro artigo —, que o ômega-6, de modo geral, é uma gordura saudável.

 

Mauro Proença é nutricionista

 

REFERÊNCIAS

SUNDAR, S. et al. Sharing without clicking on news in social media. Nature Human Behaviour 9, 156-168 (2025). Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41562-024-02067-4.

COZZOLINO, S. Biodisponibilidade de nutrientes. 5. ed. Barueri: Manole, 2016.

COMINETTI, C. e COZZOLINO, S. Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição: nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença, Barueri: Manole, 2020.

BLENIS, J. Direct sensing of dietary ω-6 linoleic acid through FABP5-mTORC1 signaling. Science, 14 Mar 2025. Vol 387, Issue 6739. Disponível em: https://www.science.org/doi/10.1126/science.adm9805.

 

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