
Nos últimos dois anos desenvolvi um certo fascínio pela ufologia. Ouvi e li a respeito de muitos casos; nacionais ou internacionais, famosos ou pouco conhecidos; pé no chão ou fantasiosos. Nunca me convenci de que a evidência apresentada pela comunidade ufológica aponte para visitas extraterrestres ao nosso quintal. Começando com o Caso Roswell (1947), passando pela Operação Prato (1977), Noite Oficial dos Óvnis (1986) e o ET de Varginha (1996), até os mais recentes avistamentos no estado de New Jersey, nada do que foi apurado me convenceu. Sigo na busca, pois saber se (1) vida extraterrestre existe e (2) se ela tem nos visitado são questões existenciais de implicações sem tamanho; para o sim ou para o não. Sozinhos ou não, parafraseando Carl Sagan, as possibilidades são igualmente assombrosas.
Passada a empolgação inicial, o que se faz presente agora é um grande desapontamento. Não que esperasse encontrar evidência definitiva. Mas pelo menos esperava que as pessoas investigando ou estudando tais fenômenos fossem mais criteriosas. Uma parte considerável da comunidade ufológica acredita que a visitação de seres extraterrestre é uma questão que pode ser resolvida de forma científica, não mística. Muitos até alegam abordar o fenômeno com todo o rigor científico necessário. Porém, dada a ampla amostragem que pude ter das leituras e podcasts, a parcela que realmente é rigorosa é bem pequena. Uma das coisas mais comuns é ver saltos lógicos, que denunciam o wishful thinking — um viés cognitivo no qual a pessoa aceita uma conclusão como verdadeira não porque as evidências a sustentam, mas porque deseja que seja verdade.
Claro, todos estamos sujeitos a isso. Como já argumentei aqui, é até compreensível, quando levamos em conta os vieses da cognição humana, a existência de criacionistas. O raciocínio se aplica igualmente a todo e qualquer tipo de crença que não se apoia em fatos e evidências, como é o caso de muitas crenças ufológicas. Então, tudo bem, todo tipo de crença vai existir, pois humanos não são máquinas de compilar fatos e seguir cegamente as evidências. Há sempre mais em jogo.
Mas um fato recente me fez atinar para algo que o Pirula gosta de ressaltar: pseudociência atrai pseudociência. A comunidade ufológica conta com muitos exemplos disso que optei por chamar de “campo gravitacional pseudocientífico”.
Num programa relativamente recente do Flow Podcast, o entrevistado foi um jovem ufólogo que vem recebendo muitos elogios – entre os comentários da sua participação no podcast, encontramos “o trabalho dele é extremamente sério”, “é o futuro da ufologia”, ou “nunca vi uma pessoa falar sobre esse assunto com tanta seriedade e tanta profundidade”. Não é a primeira vez que leio algo sugerindo que ele é quem realmente faz um trabalho sério e criterioso, e que é o melhor que temos na ufologia em tempos recentes.
Não o conheço pessoalmente, nem tenho qualquer desejo de dizer coisas ruins sobre ele: evito mencionar seu nome aqui exatamente para manter o foco na substância do que foi dito, e não gerar distrações a respeito da pessoa que diz. Decidi usar sua participação no Flow para ilustrar como a comunidade ufológica está afundada em pensamento conspiratório e pseudociência. Esse tipo de situação parece gerar um “núcleo gravitacional” que atrai mais e mais pseudociência. O episódio inteiro é recheado disso, mas optei por selecionar um exemplo que tem muito a ver com outro problema que encontramos com frequência nessa coluna.
Aos 55m40s, o host do Podcast, Igor, pergunta o seguinte:
- Tem alguma linha... que acredita que a gente tá aqui por causa deles? Tipo, quem chegou primeiro, a gente ou eles?
Ao que o ufólogo responde:
- Então... Não há dúvidas que existe a teoria da evolução de Darwin. Não há dúvidas nisso. Mas eu, particularmente, eu acho que Darwin só explica as pequenas evoluções. Tipo, aquele passarinho que pescava com o bico daquele jeito, ele vai ter uma pequena modificação no bico pra pescar daquele outro, porque vai favorecer na evolução da espécie. Agora, esses diferentes seres humanos que apareceram aqui, e que a gente tá começando a provar que todos eles, ou a maioria deles, conviveu na mesma época... pra mim podem ter sido criações inteligentes de testes...Software versão 1, software versão 2, software versão 3... E vai criando e vendo o que que dá certo, vai mexendo aqui, ali, fazendo experiência até chegar no... Talvez possa ter sido isso.
O que ele disse aqui não é nenhuma novidade. Há décadas há quem diga (sem evidência) que os humanos evoluíram com uma ajudinha dos aliens. O problema é que o entrevistado supostamente representa o melhor que a ufologia tem a oferecer. Me entristece muito ver, portanto, que ignora uma tonelada de fatos, e repete uma hipótese sem pé nem cabeça. E, pior ainda, ele replica o mesmo discurso criacionista, que se resume a “microevolução [as pequenas evoluções] existe, mas não macroevolução”.
A coexistência temporal entre diversos hominínios está completamente de acordo com a visão moderna que temos sobre a evolução da nossa linhagem, bem como com os princípios básicos da teoria evolutiva e paleontologia modernas.
Argumentar que tal coexistência é um problema é apenas um sintoma de um conhecimento muito deturpado e/ou defasado de como funciona a evolução. Além disso, me surpreende o salto gigantesco de “diferentes espécies de hominínios conviveram” para “então elas devem ter sido engendradas em grande medida por designers inteligentes numa linha de produção”. Não sei de onde o entrevistado tirou essa conclusão; certamente não foi da biologia.
Ele disse que essa é sua visão particular. Mas não estava falando sozinho. E nem é o único a acreditar nisso. Esse é um bom exemplo do campo gravitacional pseudocientífico. É uma batalha muito árdua evitar que essas massas colapsem e formem um buraco negro de pseudociência.
A coexistência de diferentes espécies de hominínios não é um problema para a Teoria da Evolução; pelo contrário, é algo esperado dentro do processo evolutivo. Novas espécies surgem quando populações de uma mesma espécie isolam-se geograficamente umas das outra e, ao longo do tempo, acumulam diferenças genéticas e morfológicas. Esse isolamento pode ser causado por barreiras físicas, mudanças climáticas ou diferenças comportamentais, permitindo que diversas linhagens evoluam simultaneamente em diferentes regiões. O registro fóssil e estudos genéticos indicam que espécies como Homo sapiens, neandertais e denisovanos coexistiram e até produziram descendentes, o que está perfeitamente alinhado com os mecanismos da evolução biológica.
Já virou clichê, mas é verdade: a evolução não ocorre de maneira linear, como um progresso inevitável rumo a um único "tipo ideal", mas sim como uma rede ramificada de linhagens que surgem, adaptam-se (ou não) e desaparecem. Ou seja, a evolução não é transformativa; o ancestral não precisa deixar de existir para que o descendente exista.
Os eventos de origem, existência e extinção de uma espécie ocorrem de forma análoga aos mesmos eventos de nascimento, vida e morte de um indivíduo; com óbvias limitações na analogia (por exemplo, no nascimento). O fato de você coexistir com seu pai, seu irmão, e sua avó significa que vocês foram criados independentemente? Não, claro. O erro na linha de raciocínio apresentada pelo ufólogo está em interpretar essa diversidade de espécies contemporâneas como evidência de design intencional (seja por Deus ou pelos aliens), ignorando completamente os processos naturais bem documentados que explicam a coexistência dessas espécies.
João Lucas da Silva é mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pampa, e atualmente Doutorando em Ciências Biológicas na mesma universidade