Se você ainda não teve a oportunidade de assistir ao documentário “O homem que quer viver para sempre”, que estreou recentemente na Netflix, convido-o a permanecer até o final deste artigo – mesmo com alguns spoilers – para analisarmos, de forma sóbria, o protocolo de Bryan Johnson.
Para quem não está familiarizado, Bryan Johnson é um empresário americano de 46 anos e fundador de empresas notáveis, como a Kernel (especializada em dispositivos que registram a atividade cerebral), o OS Fund (um fundo de capital de risco que investe em ciência e tecnologia) e a Braintree (plataforma de pagamentos online e para aplicativos). Em 2013, a Braintree foi adquirida pelo PayPal por impressionantes US$ 800 milhões.
Mas Johnson ganhou notoriedade midiática em 2021 com seu ambicioso Blueprint Project. Trata-se de um programa antienvelhecimento que reúne protocolos de longevidade e rejuvenescimento relacionados à dieta, exercícios, sono e cuidados com a pele, os dentes e os cabelos.
Johnson decidiu testar todos os protocolos em si mesmo, compartilhando os resultados online. Entre eles, destaca-se uma redução notável no nível de açúcar no sangue após 18 meses, passando de um nível “alterado” para “normal”.
Tratando agora do enredo “aparente” do documentário, acredito que posso resumi-lo da seguinte forma: acompanhamos um milionário cujo objetivo é retardar o processo de envelhecimento biológico – diferentemente do envelhecimento cronológico, que mede a passagem do tempo desde o nascimento, o envelhecimento biológico refere-se às alterações fisiológicas negativas que ocorrem em cada indivíduo com o passar do tempo.
Para alcançar esse objetivo, Johnson utiliza um protocolo composto por intervenções que variam desde atitudes simples e seguras, como exercitar-se uma hora ao dia, até tratamentos não convencionais e potencialmente perigosos.
O documentário sugere, quase subliminarmente, que Johnson realiza seus experimentos para avançar a ciência da longevidade e guiar futuras pesquisas, movido por altruísmo. Contudo, o que a produção minimiza é o fato de que a Blueprint também atua como "lojinha online", vendendo, caro, inúmeros produtos que seu criador – e garoto-propaganda – considera saudáveis, mas que carecem de evidências sólidas.
Embora não haja problema em lucrar com o próprio trabalho, o desserviço está na utilização de um discurso com aparência científica para empurrar o consumo de substâncias X, Y ou Z como indispensáveis para uma vida longa e saudável.
Por exemplo, por míseros US$ 185 (R$ 1.126,65, no momento em que este artigo era escrito), você receberá um kit composto por sete suplementos em cápsulas e um "drink da longevidade" – basicamente, um shake com alguns aminoácidos, vitaminas, creatina e minerais – que prometem melhorar a performance muscular, auxiliar as articulações e o sistema imune, alegações que, em minha opinião, são extremamente vagas.
Esse tipo de estratégia é o que o editor-chefe da RQC, Carlos Orsi, chamou de "comercial-documentário". O termo foi utilizado em seu artigo “Viver até os 100 anos e o comercial-documentário”, onde ele o define como uma propaganda mal disfarçada de produto comercial.
Contudo, como há, de fato, alguns pontos interessantes no estilo de vida adotado por Johnson, acredito que seja proveitoso nos aprofundarmos em sua rotina diária.
O protocolo Blueprint
O protocolo proposto tem seis pilares cuja relação com saúde têm alguma base em evidências: não fumar; exercitar-se seis horas semanais; seguir uma dieta saudável; manter o IMC entre 18,5 e 22,9; consumir álcool de forma moderada ou não consumir; e dormir com qualidade, preferencialmente no mesmo horário todas as noites. Além disso, Johnson defende a eliminação de hábitos ruins, como o uso excessivo de redes sociais — algo que, mais uma vez, considero como sensato.
Mas Johnson mistura a essa receita simples uma série de outras atividades e comportamentos, incluindo o consumo quase obsessivo de suplementos alimentares (de vitaminas, minerais, hormônios) cuja relação com saúde e longevidade é, na melhor das hipóteses, muito frágil, quando não imaginária ou inexistente.
Por exemplo, logo pela manhã ele consome três comprimidos (dois de ferro e um de vitamina C) e aplica um sérum capilar personalizado com base em seu teste genético — curiosamente, ele indica o site onde adquiriu o produto e oferece um cupom de 10% de desconto. Em seguida, utiliza um boné com terapia de luz vermelha (também conhecida como terapia a laser de baixa intensidade) com o objetivo de estimular o crescimento capilar.
Depois, ingere 54 comprimidos — que incluem vitaminas, substâncias com pouca evidência científica, como coenzima Q10 e glucosamina, e até medicamentos, como o antidiabético metformina. Essa ingestão é acompanhada de uma bebida chamada “O gigante verde”, uma mistura de pó de Chlorella, aminoácidos, creatina, peptídeos de colágeno, canela-do-ceilão e flavonoides de cacau. Curiosamente, já publicamos e analisamos a real eficácia de muitos desses suplementos na RQC.
Ao final do dia, que para Johnson termina às 19h30, ele inicia sua rotina noturna. Esta inclui uma caminhada de 10 minutos ao ar livre em sua propriedade, momentos de socialização com amigos e/ou familiares, a aplicação de produtos específicos para cuidados faciais e o consumo de 300 mcg de melatonina para facilitar a indução ao sono – embora este uso seja, cientificamente, equivocado.
Após seguir essa rotina por mais de dois anos, Johnson afirma que conseguiu retroceder sua idade biológica em 5,1 anos e atingiu níveis “perfeitos” (seja lá o que ele queira dizer com isso) para 50 biomarcadores. Além disso, alega que sua velocidade de envelhecimento é, atualmente, de 0,69, o que significa que, a cada 12 meses lineares, seu corpo envelhece apenas oito.
Embora esses resultados sejam intrigantes, é necessário enfatizar que, por mais que Johnson e sua equipe se esforcem para apresentar o projeto com uma aparência séria e científica — como se fosse o acompanhamento "ao vivo" de uma pesquisa —, trata-se, na verdade, de uma experiência anedótica ou, sendo benevolente, de um estudo de caso-controle.
Como já comentamos inúmeras vezes aqui na revista, esse tipo de pesquisa representa o nível mais baixo de evidência científica. Consequentemente, não é possível assegurar que os resultados positivos observados por Bryan sejam consequência das inúmeras intervenções implementadas; e, caso sejam, de quais, especificamente, já que parte significativa do combo (como a suplementação de vitamina C) é demonstravelmente inútil.
Além desse questionamento, surge outro ponto relevante: mesmo que o protocolo venha a ser confirmado como eficaz, será que ele seria viável para alguém além de um milionário com muito tempo livre?
Como amplamente noticiado em 2024, Johnson investe US$ 2 milhões por ano em sua rotina.
Enquanto o milionário diz ter transformado sua vida em um “experimento rigorosamente controlado” para retardar o envelhecimento – e lucrar com isso –, a maioria das pessoas não tem acesso às mesmas ferramentas ou, simplesmente, à opção de seguir esse estilo de vida.
Intervenções interrompidas
Além dos pontos já mencionados, há um outro problema com o protocolo: algumas das estratégias utilizadas mostraram-se, no melhor dos cenários, ineficazes e, no pior, perigosas.
Por exemplo, em uma cena do documentário, Johnson, Talmage (seu filho) e seu pai realizaram uma transfusão de plasma. Basicamente, Johnson doou um litro de plasma para o pai, enquanto seu filho fez o mesmo por ele. Não consigo afirmar com precisão qual foi o primeiro estudo a investigar a possibilidade de "transferir" plasma de indivíduos jovens para outros mais velhos, mas, aparentemente, Johnson baseou-se em “Preclinical Assessment of Young Blood Plasma for Alzheimer's Disease”, que investigou a capacidade do plasma jovem de reverter déficits cognitivos e outros problemas de saúde em modelos animais da doença de Alzheimer.
O estudo trouxe resultados promissores – camundongos que receberam plasma de animais mais jovens se saíram melhor em alguns testes de memória e aprendizado –, mas trata-se de resultados obtidos em modelos animais, e podem não se traduzir diretamente para humanos. A administração de plasma jovem em humanos ainda está em fase experimental, com estudos clínicos em andamento para avaliar sua eficácia em doenças neurodegenerativas. No entanto, a segurança a longo prazo e os efeitos adversos potenciais permanecem desconhecidos.
Johnson faz pronunciamentos contraditórios sobre a terapia. Se, por um lado, afirmou que, ao doar 1 litro de seu plasma o seu pai, este apresentou uma redução notável no ritmo de envelhecimento, também destacou que não era possível afirmar se isso se devia ao seu "super plasma" – palavras dele – ou à remoção do plasma de seu pai. E anunciou que iria parar com a intervenção, visto que, após seis trocas de plasma com seu filho, não observou benefícios.
Estratégias de longevidade
Em junho de 2023, foi publicada no Annual Review of Biomedical Engineering uma revisão intitulada "Current Trends in Anti-Aging Strategies", que forneceu uma visão geral do estado atual da pesquisa sobre envelhecimento. O artigo aborda desde as intervenções específicas que estão sendo investigadas até os modelos disponíveis para estudar eficácia. Aqui, focaremos apenas nas estratégias.
As terapias antienvelhecimento se dividem em três frentes principais: geroproteção (prevenção de danos ao longo do tempo); rejuvenescimento (restauração das características jovens); e regeneração (capacidade de substituir tecidos após lesões).
Começando pelas estratégias de geroproteção, destacam-se os exercícios físicos e as modificações dietéticas, como a restrição calórica (RC), que, em inúmeros estudos com diferentes organismos, induziram alterações metabólicas que influenciam o envelhecimento e, consequentemente, prolongam a longevidade.
Além da RC, há evidências crescentes — principalmente em roedores — de que o jejum intermitente induz alterações metabólicas semelhantes às observadas em dietas de RC, promovendo benefícios na prevenção de doenças e na degradação celular.
No entanto, é importante destacar que, geralmente, esses estudos têm curta duração e dependem de biomarcadores metabólicos como indicadores de eficácia, sem comprovação direta de aumento na longevidade. Além disso, muitos estudos incluem indivíduos com sobrepeso inicial, o que levanta dúvidas sobre se os efeitos observados estão mais relacionados à modificação de doenças — e à perda de peso — do que ao envelhecimento em si.
Os autores concluem que mudanças no estilo de vida são as formas mais diretas de atenuar os efeitos do envelhecimento e das doenças relacionadas. Apesar do grande potencial, elas podem ser difíceis de manter, exigindo esforço contínuo e disciplina.
Uma outra estratégia envolve a utilização de senolíticos, uma classe de medicamentos que, seletivamente, eliminam células senescentes, prevenindo condições relacionadas ao envelhecimento e à senescência celular. Os dados sobre a eficácia desses compostos são escassos, no entanto.
Adentrando agora nas estratégias de rejuvenescimento, salienta-se a reprogramação celular, uma técnica que utiliza células-tronco pluripotentes induzidas (células adultas reprogramadas para um estado pluripotente semelhante ao embrionário). Em camundongos, a reprogramação parcial atrasou o início do envelhecimento, aumentou a expectativa de vida mediana (de 18 para 24 meses) e reduziu características relacionadas à idade.
Outra estratégia de rejuvenescimento em estudo consiste em modular o ambiente em que as células-tronco naturais do corpo se encontram. Em estudos em animais, isso foi realizado por meio de transfusão de sangue, pela conexão do sistema circulatório de diferentes indivíduos e pela troca de plasma por solução salina rica em albumina.
Quem sabe, no futuro, com o avanço da área e de pesquisas mais robustas, não tenhamos, de fato, uma terapia que prolongue a longevidade — e, mais importante, reverta alguns sinais da senescência relacionados a inúmeras doenças. No entanto, enquanto isso não ocorre, o melhor caminho a seguir, com base nas evidências que temos, é adotar hábitos de vida mais saudáveis (alimentação equilibrada, prática regular de exercícios físicos, não fumar, ter um sono de qualidade, etc.), mas sem cair em extremismos. Como sempre, a moderação é a chave.
Mauro Proença é nutricionista
REFERÊNCIAS
ORSI, C. Viver até os 100 anos e o comercial-documentário. 2023. Disponível em: https://revistaquestaodeciencia.com.br/apocalipse-now/2023/09/16/viver-ate-os-100-anos-e-o-comercial-documentario.
MIDDELDORP, J. et al. Preclinical Assessment of Young Blood Plasma for Alzheimer Disease. JAMA Neurol. 2016 Nov 1;73 (11): 1325-1333. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27598869/.
ROSEN, R. e YARMUSH, M. Current Trends in Anti-Aging Strategies. Annu Rev Biomed Eng. 2023 Jun 8:25: 363-385. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37289554/.